Na véspera da cúpula da OTAN de dois dias, aberta em 4 de setembro no País de Gales (Reino Unido), o presidente alemão, Joachim Gauck, pronunciou um discurso em Gdansk no âmbito de uma cerimónia alusiva ao 75º aniversário da intrusão nazista na Polónia e ao início da Segunda Guerra Mundial.
Oleg Severguin | Voz da Rússia
Uma boa parte do seu discurso foi dedicada à necessidade de se unir perante uma nova “agressão” proveniente do Oriente, nomeadamente, da Rússia. A intervenção de Gauck tem causado grandes repercussões nos círculos sociais da Alemanha e de outros países.
“Esperávamos e queríamos acreditar que a Rússia, país de Tolstói e Dostoievski, pudesse vir a ser uma parte integrante da Europa una”, disse o líder na ocasião alemão no seu discurso patético e dramático, ao mesmo tempo.
“Mas poucos podiam supor como frágil seria o gelo político pelo qual andávamos naquela altura. E como seria ilusória a nossa crença em que a aspiração de paz e estabilidade pudessem vir a prevalecer as tendências hegemonistas”. Depois, no discurso presidencial, seguiram “passagens” contendo avaliações da política atual de Moscou. Tais avaliações são muito bem conhecidas. Ultimamente elas têm sido formuladas por políticos, peritos e jornalistas ocidentais. Talvez, não valha a pena citá-las e repetir os contra-argumentos.
Podemos citar apenas algumas teses do presidente da Alemanha que refletem suas abordagens da situação atual no continente europeu. Segundo constata Gauck, após a queda do Muro de Berlim, a União Europeia, a OTAN e os países industrializados tinham tentado – cada um à sua maneira – estruturar com a Rússia as relações específicas para ajudá-la a se integrar na Europa. Mas a Rússia, “destruiu, de fato, esta parceria”. “Uma vez que nós, adiantou, não podemos tolerar mais e admitir que o direito internacional seja substituído pelo “direito do mais forte”, vamos fazer frente àqueles que “violam as normas jurídicas, anexam territórios alheios e apoiam separatistas em outros países”. “Nós iremos sintonizar a nossa política, a economia e a capacidade defensiva em plena consonância com estes novos fatores”, asseverou.
Tal apreciação dispensa comentários. O discurso franco e explícito do senhor Gauck foi apoiado pela ala política conservadora do seu país. E não só. A chefe da bancada parlamentar dos Verdes, Katrin Goering-Eckardt, disse que se orgulha de um presidente que “sabe encontrar palavras tão sinceras e claras”.
As palavras são realmente sinceras. No entanto, os políticos e peritos alemães têm avançado opiniões diferentes quando se usam pelo presidente de um país de grande porte como a Alemanha. O presidente do Partido Die Linke (A Esquerda), Bernd Riexinger, assinalou esperar que, dai em diante, o presidente do país seja “mais moderado no seu enfoque das questões da política externa”.
É verdade. O discurso proferido pelo chefe de Estado alemão no dia de aniversário do início da Segunda Guerra Mundial, ao deitar a lenha no fogo do conflito europeu, demonstra claramente “a sua falta de sagacidade histórica”, adiantou Riexinger.
As declarações de Gauck sobre a Rússia e os acontecimentos na Ucrânia são, em opinião dele, uma grande falha, já que o ato de reconciliação política constitui uma base da Europa enquanto as acusações recíprocas têm um carácter explosivo.
O comentador da emissora Deutsche Welle, Volker Wagener, foi ainda mais duro nas suas apreciações. Nas suas palavras, o presidente se deve associar com um “pai da família” que saiba reconciliar, orientar e incentivar, mas nunca se imiscui diretamente nos assuntos dos familiares. Para o seu discurso, Gauck deve ter escolhido “um momento e um local errados e inoportunos”. Intervindo na Polónia no dia de aniversário da Segunda Guerra, ele esqueceu que a vitória sobre o fascismo tinha custado a vida de 30 milhões dos soviéticos. E mais um detalhe a acrescentar: durante a libertação da Polónia pereceram mais de 600.000 soldados soviéticos.
As críticas veementes da política de Moscou, aliadas à exigência peremptória de reforçar a capacidade defensiva da Alemanha, constituem “uma bomba política, cujo estalido e fumaça se farão sentir por muito tempo”, advertiu.
“Que diabo entrou na alma do nosso pastor?”, se interroga Volker Wagener, recordando a atividade pastoral de Joachim Gauck na antiga Alemanha Democrática (socialista). Uma pergunta análoga poderia ser dirigida à premiê Angela Merkel, ao seu colega britânico, David Cameron, e ao líder da França, François Hollande, que se competem na área de russofobia.
“Será que nós devemos limpar a poeira dos nossos tanques Leopard-2 e anunciar a mobilização militar?”- pergunta ironizando Wagener, comentando as declarações belicistas de Gauck. “Será que precisamos disso?”, repete. E ele tem toda a razão. Se precisamos realmente, para que?