Avanço de forças islamistas em todo o mundo árabe tem assustado a Arábia Saudita e os Emirados Árabes
Rasheed Abou-Alsamh | O Globo
Com o assassinato do segundo jornalista americano, Steven Sotloff, pelo grupo Estado Islâmico no Iraque esta semana — também filmado e executado brutalmente a faca por um membro do grupo encapuzado e com um sotaque britânico —, o sentimento popular aqui na Arábia Saudita, onde estou em viagem, parece dividido entre aqueles que condenam os atos do grupo e aqueles que acham que isso tudo é uma conspiração.
É a velha esquizofrenia da qual muitos sofrem aqui. De um lado há aqueles que dizem que o Estado Islâmico é uma invenção dos EUA, apontando para o fato de que alguns deles, de fato, tiveram treinamento militar dos americanos e britânicos na Jordânia no ano passado. É claro que esse treinamento foi dado levando-se em consideração serem eles parte da oposição supostamente mais moderada ao regime do presidente sírio Bashar al-Assad. Infelizmente, esses elementos se juntaram ao Estado Islâmico, que — com sua matança indiscriminada de minorias religiosas e muçulmanos xiitas, e mesmo de sunitas — se mostrou bem extremista.
Do outro lado, temos os sauditas mais sensíveis ao poder destrutivo da pregação por parte de alguns, durante décadas, de uma versão intolerante do Islã — que aqui sempre viu a pessoa diferente, seja ela xiita, cristã ou de qualquer outra religião, como kafir ou descrente. No jornal “Arab News”, o comentarista saudita Saad al-Dosari disse que “a coisa preocupante é que nós, sauditas, não parecemos estar tão longe de tudo isso”. Ele nota que as autoridades continuam a prender células de terroristas que recrutam jovens sauditas, alguns somente com 15 anos, para juntar-se ao Estado Islâmico no Iraque. A última leva viu 80 sendo presos.
O rei saudita Abdullah, alguns dias atrás — durante uma cerimônia em que novos embaixadores no reino lhe apresentavam suas credencias —, disse a eles, em discurso, que a ameaça do Estado Islâmico tinha que ser levada a sério. Caso contrário, eles iriam chegar às portas da Europa dentro de um mês e às portas dos Estados Unidos dentro de dois meses. Mas não ouvimos qualquer plano dos sauditas de usarem seus aviões caça F-16 para bombardear as posições dos terroristas do Estado Islâmico no Iraque, como alguns comentaristas americanos têm pedido.
Mesmo assim, a aparente relutância saudita de se envolver abertamente em conflitos regionais não deve dizer que o reino não está fazendo muitas coisas atrás das cortinas e longe dos holofotes. Os chanceleres dos Estados-membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) se reuniram em Jedá, na semana passada, para discutir a situação alarmante na Síria e no Iraque. Emitiram uma declaração conjunta no final, condenando os grupos terroristas nos dois países. Eles também citaram a importância de cooperação entre seus Estados e o Irã para a região. Isso depois que o vice-ministro de Relações Exteriores do Irã visitou Jedá para discussões com o ministro de Relações Exteriores saudita, o príncipe Saud al-Faisal, uma raridade nas relações frágeis entre as duas potências do Golfo.
O avanço de forças islamistas em todo o mundo árabe tem assustado a Arábia Saudita e os Emirados Árabes. Tanto é assim que vimos o bombardeio de posições islamistas líbias no aeroporto de Trípoli na semana passada por caças do Emirados voando a partir de bases no Egito. O governo dos Emirados Árabes negou a noticia, mas, em todo caso, os ataques não pararam o avanço dos islamistas. Mas ressalte-se que os islamistas na Líbia, com certeza, não são nada parecido com os do Estado Islâmico. E essa não é a primeira vez em que Estados do Golfo intervêm militarmente na Líbia. Em 2011, o Qatar e os Emirados Árabes contribuíram com aviões caças para impor uma zona de exclusão área sobre a Líbia, na luta para derrubar o regime do presidente Muamar Kadafi.
Estamos vendo um certo nível de cooperação entre o Irã e os países do Golfo, unidos no seu medo do inimigo comum que é o Estado Islâmico. Isso não quer dizer que a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes vão parar de querer derrubar o regime de Bashar al-Assad na Síria, um aliado do Irã. Talvez os apelos nesse sentido tenham silenciado, inclusive por parte dos Estados Unidos. Mas todos estão bem cientes da duplicidade do regime sírio em suas relações com o Estado Islâmico, que combate, mas, ao mesmo tempo, compra seu petróleo e lhe vende armas.
As palavras de Al-Dosari resumem bem o estrago monumental que o Estado Islâmico e seus pensamentos intolerantes trazem para muçulmanos do mundo inteiro e especialmente do mundo árabe: “O aspecto verdadeiramente traumatizante desta atrocidade toda é que, cada vez que o Estado Islâmico é mencionado, o nome do Islã é colocado na conversa. Esses elementos estão trazendo uma imagem ruim para o Islã com suas más ações. E isso tem que parar.”
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista