Chelsea Manning diz que EUA não devem bombardear Estado Islâmico

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Analista que vazou documentos diz que EI se alimenta da guerra.
Manning publicou artigo sobre o tema no jornal 'The Guardian' nesta terça.


Do G1, em São Paulo

A ex-analista de inteligência do exército americano Chelsea Manning, que ficou mundialmente conhecida em 2010 por vazar milhares de documentos secretos do governo dos Estados Unidos sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão, afirmou, em um artigo publicado nesta terça-feira (16) pelo jornal britânico "The Guardian", que "o Estado Islâmico (EI) não pode ser derrotado por bombas e balas, mesmo que a luta seja levada até a Síria, e mesmo se for conduzida por forças que não sejam ocidentais, com apoio aéreo".

Chelsea, que é transexual e, na época do vazamento, era chamada de Bradley Manning, cumpre pena de 35 anos pelo vazamento dos documentos em um forte do exército americano em uma prisão militar em Fort Leavenworth, no Kansas. Ficou conhecido como o "soldado do caso WikiLeaks".

Ela afirmou que, com base em sua experiência como analista no Iraque durante os anos de nascimento do Estado Islâmico, o grupo extremista não pode ser combatido "fogo com fogo" porque se alimenta justamente da indignação provocada pelos bombardeios dos países ocidentais nas regiões de conflito no Oriente Médio. "Acredito que o EI usa como combustível justamente os êxitos táticos e operacionais das forças militares europeias e americana que podem ser – e já foram – usadas para derrotá-lo", disse a analista no artigo.

Na semana passada, o presidente dos EUA, Barack Obama, divulgou o plano americano para conter os insurgentes do grupo. As quatro propostas dos Estados Unidos incluem o bombardeio de regiões tomadas pelo EI e o apoio de inteligência e armamentos ao novo governo iraquiano no combate por terra ao grupo. Além disso, Obama anunciou que vai tentar aumentar os recursos e armas enviados aos rebeldes de oposição ao governo da Síria, país que também tem regiões controladas pelo Estado Islâmico, e uma campanha para buscar o apoio de outros países ocidentais ao plano de combate ao EI.

"Atacar o EI diretamente, com ataques aéreos ou forças de operações especiais, é uma opção muito tentadora para os governantes, com resultados imediatos (mas nem sempre bons). Infelizmente, quando o Ocidente combate fogo com fogo, nós alimentamos um ciclo de indignação, recrutamento, organização e ainda mais luta que se remonta há décadas. Isso é exatamento o que aconteceu no Iraque durante os principais anos da guerra civil em 2006 e 2007, e espera-se que aconteça de novo."

Segundo Manning, os líderes do EI são "estrategistas sagazes" com um "entendimento sólido e completo dos pontos fortes e, mais importante, dos pontos fracos do Ocidente". Por isso, as atitudes do grupo levam a respostas que eles já esperam dos países ocidentais. "Eles sabem como provocar a América e a Europa – e eles sabem o que nos empurra à intervenção e ao excesso."

Plano de ação de quatro pontos

Chelsea diz, porém, que há outras formas de tentar fazer com que o EI perca força e seja aniquilado pelo Ocidente. No artigo, ela aponta quatro áreas de ação. A primeira é atuar de forma a conter a disseminação dos vídeos de recrutamento do EI na internet, tanto os feitos profissionalmente como as selfies amadoras durante batalhas.

Depois, a ex-analista sugere delimitar publicamente fronteiras temporárias nas regiões tomadas pelo grupo, para desencorajar o EI a tomar territórios que possam criar crises humanitárias.

O terceiro ponto é suspender o pagamento de resgate por reféns e cortar outras fontes de renda do EI, como o roubo de artefatos históricos para a venda. Por fim, Manning sugere que o Ocidente permita que o grupo monte seu próprio Estado, em uma área contida, para que ele mesmo se destrua sozinho, porque provará que não sabe governar e minará o crédito das lideranças.

"Eventualmente, se eles forem contidos adequadamente, acredito que o EI não será capaz de se sustentar apenas com base nesse rápido crescimento, e começará a se partir internamente. A organização vai começar a se desintegrar em outras entidades pequenas e sem coordenação – e finalmente falhará no seu objetivo de criar um Estado forte."

Para que esses pontos sejam colocados em ação, porém, Manning alerta que o mundo precisa "ser disciplinado o suficiente para permitir que o fogo do EI morra sozinho, com uma intervenção cuidadosa e evitando uma armadilha cíclica".

Entenda o caso Chelsea Manning

Quando ainda não havia tornado pública sua condição de transgênero, Chelsea Manning, então conhecida como Bradley Manning, foi acusada de fornecer arquivos secretos dos Estados Unidos ao site de vazamentos WikiLeaks, e sentenciada a 35 anos de prisão por ter fornecido mais de 700 mil arquivos secretos, vídeos de confrontos e comunicações diplomáticas para o WikiLeaks, um site pró-transparência – entre eles 250 mil "cables" (como são chamados os telegramas diplomáticos) do Departamento de Estado.

A soldado trabalhava como analista de inteligência –tendo acesso a informações sigilosas– em Bagdá, capital do Iraque, em 2010, quando entregou os documentos, foi condenada em julho por 20 acusações, incluindo espionagem e roubo. Ela não foi considerado culpada da acusação mais grave, de ajudar o inimigo, que previa uma possível sentença de prisão perpétua, sem liberdade condicional.

Chelsea veio a público afirmar que queria viver como uma mulher em agosto de 2013, em um comunicado lido a um canal de televisão dos Estados Unidos. Sua petição à Justiça foi o primeiro passo para mudar seus registros militares.

Em abril de 2014, a Justiça dos Estados Unidos decidiu mudar formalmente o nome do soldado condenado a vazar documentos secretos para o WikiLeaks. Em vez de Bradley Edward Manning, ela passou a ser oficialmente chamada de Chelsea Elizabeth Manning, de acordo com a decisão de um juiz do estado do Kansas, e a ser tratada como mulher.


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