Qualquer ação militar dos EUA nos países árabes sempre traz o risco de criar um novo sentimento antiamericano
Rasheed Abou-Alsamh | O Globo
Por todos os cálculos, eu deveria ter ficado muito feliz quando os Estados Unidos, finalmente, decidiram na semana passada expandir a sua luta contra os terroristas do grupo Estado Islâmico (EI) do Iraque até a Síria. Em uma reunião crucial em Jedá, na Arábia Saudita, no dia 11 de setembro, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, anunciou a formação de uma coalizão de países regionais com os americanos para lutar contra as maldades do EI e colocar um ponto final na sua expansão na região. Arábia Saudita, Jordânia, Egito, Líbano e Kuwait prometeram apoio.
Infelizmente, jogadores-chave ou se recusaram a assinar integralmente o plano ou foram excluídos por motivos políticos. A Turquia, que tem 46 de seus cidadãos detidos pelo EI na Síria, recusou-se a participar do bombardeio de posições terroristas em território sírio ou até mesmo permitir que aviões da Otan operassem a partir de suas bases aéreas para tais fins. Os regimes iraniano e sírio e o grupo Hezbollah, que têm fortes razões para serem extremamente anti-EI, não foram convidados a participar da coalizão por motivos políticos óbvios. A guerra civil brutal que o regime de Bashar al-Assad começou na Síria o exclui automaticamente, assim como o seu principal aliado, o Irã, e a milícia xiita Hezbollah no Líbano.
O presidente dos EUA, Barack Obama, tem sido extremamente relutante em relação ao Oriente Médio, especialmente nos últimos dois anos, sempre lavando as mãos sobre as decisões difíceis que ele tem que tomar, e ao longo das últimas semanas telegrafando suas intenções com antecedência para o mundo inteiro. Obama divulga com antecedência que tal iniciativa no Oriente Médio será anunciada em um discurso na televisão, em tal dia. “Esta é uma maneira tão diferente de governar”, comentei com a minha amiga síria na semana passada em Beirute. “Sim, George W. Bush correu para fazer tudo no Oriente Médio sem pensar muito sobre isso, enquanto Obama pensa demais em cada decisão que toma”, respondeu ela.
Mas, como já salientei antes, Obama é um observador assíduo de pesquisas de opinião e, quando viu que os americanos estavam preocupados depois que dois de seus cidadãos foram brutalmente decapitados em vídeos que foram ao ar ao redor do mundo, começou a mudar seu tom sobre a expansão do envolvimento militar dos EUA na luta contra o EI. Se Obama e a opinião pública americana podem manter esse entusiasmo com o envolvimento dos Estados Unidos no longo prazo é altamente duvidoso. A população dos EUA é conhecida por se cansar rapidamente quando o preço em vidas americanas e dinheiro tornam-se muito altos, sem vitórias claras. Como o jornal “The National” apontou em recente editorial, os EUA gastaram 11 anos de ocupação do Iraque, “ao custo da vida mais de quatro mil soldados americanos, mais de um trilhão de dólares e menos respeito por sua liderança”.
O que aponta para a enorme desvantagem do envolvimento americano no conflito no Oriente Médio: nunca parecer ter bastante planejamento para o futuro do país no qual vai intervir ou ao menos o tipo certo de planejamento. O Iraque é o garoto-propaganda de tal planejamento que foi terrivelmente errado. O primeiro instinto de Obama de reduzir as tropas no Iraque e retirar-se politicamente daquele país era compreensível do ponto de vista americano. Mas teve consequências desastrosas para o Iraque e sua minoria sunita. A perseguição e os assassinatos de sunitas no Iraque levaram, em parte, ao surgimento do EI, e o sucesso americano em tirar todos os elementos do regime de Saddam Hussein do Exército iraquiano, que eram os mais treinados, fez com que as novas forças armadas virassem as costas e fugissem na direção oposta quando confrontados pelos lutadores determinados do EI.
Então, é preciso saber quais são os planos dos Estados Unidos para a Síria e o Iraque depois que os bombardeios fizeram as forças do EI recuar. Será que vão realmente ser capazes de reivindicar a vitória sem colocar as tropas americanas no chão? Isso parece ser uma tarefa difícil. E, com certeza, todos esses problemas têm um componente político enorme, que só será resolvido com negociações difíceis, e não no campo de batalha.
Não ter uma embaixada em Damasco torna difícil para os funcionários americanos fazer contatos diretos com as autoridades sírias. E toda a política de tentar armar e treinar as tais chamadas forças rebeldes sírias moderadas acabou sendo mais uma fantasia do que realidade. Grupos rebeldes moderados na Síria admitiram abertamente que lutaram lado a lado com os guerrilheiros do grupo extremista Jabhat al-Nusrat porque eles estão dispostos a enviar homens-bomba contra soldados do regime sírio, algo que os rebeldes mais moderados relutam em fazer. Como minha amiga síria observou, a guerra é uma situação extrema e violenta que certamente não permite que grupos moderados permaneçam moderados por muito tempo, se quiserem permanecer na luta.
Finalmente, qualquer ação militar dos EUA nos países árabes sempre traz o risco de criar um novo sentimento antiamericano e de, talvez, empurrar alguns sírios e iraquianos para os braços do EI e outros grupos extremistas. Sempre houve tal risco e talvez seja por isso que alguns países árabes e a Turquia não parecem muito entusiasmados em fazer parte de mais uma campanha de bombardeio americano a uma nação árabe e muçulmana. Infelizmente, apesar de nossa riqueza, os países árabes ainda precisam do poderio militar e sofisticação tecnológica dos EUA para derrotar a ameaça horrível que os grupos fanáticos, como o EI, representam não apenas aos árabes e muçulmanos, mas para o Ocidente também. Sonhamos com o dia em que seremos capazes de nos defender de tais arengas horríveis que distorcem totalmente a mensagem do Islã, a fim de atrair os necessitados e vulneráveis. A ideologia do Estado Islâmico é realmente uma das mais horríveis que já surgiram na região, e devemos fazer tudo ao nosso alcance para combatê-la e mostrar o quão falida ela é, tanto ideologica quanto moralmente.