Pelo visto, o Iraque está atravessando uma trágica etapa da sua história. O Estado corre o risco de se desintegrar. O Ocidente fica apreensivo sem poder, contudo, fazer algo para remediar a situação resultante de uma tentativa dos EUA de transformar a região à sua imagem e à semelhança.
Serguei Duz | Voz da Rússia
Os destacamentos do Estado Islâmico que formaram o grosso das forças antigovernamentais na Síria, desde o início do ano estabeleceram controle sobre um terço do território iraquiano sem enfrentar alguma resistência séria do exército regular, preparado e armado pelos EUA.
Os jihadistas capturaram também largos arsenais de equipamentos militares, armas e munições. Deste modo, se pode dizer que eles estão tão bem armados como as tropas governamentais que defendem Bagdã e mais bem armados do que as milícias curdas, no norte do país.
Enquanto isso, os EUA e a Europa têm motivos de pânico: em comparação com fundamentalistas do Estado Islâmico até os talibãs parecem pessoas civilizadas. Nas últimas duas semanas, os combatentes do Estado Islâmico decapitaram cerca de 700 pessoas. Um agente dos serviços especiais dos EUA disse que o Estado Islâmico representa agora a maior força militar no meio dos grupos terroristas existentes no mundo.
Bagdã não poderá inverter a situação. Por isso, o Ocidente faz aposta em curdos, capazes de opor a resistência mais ou menos eficiente. Há dias, por esforços titânicos, eles expulsaram os terroristas do maior dique na região de Mossul. Mas fizeram-no depois de ataques aéreos dos EUA. Claro que sem o apoio de aviões norte-americanos, a batalha poderia ter tido resultados diferentes.
Obama não pode deixar à sua sorte tanto os curdos, como os restos do exército iraquiano. Tal significaria um falhanço total da política de Washington nessa vertente. Nestas condições, o presidente dos EUA procura minimizar os danos causados à sua reputação. Os curdos constituem a sua última esperança. E a última esperança para a Europa também, constata a propósito o chanceler da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier:
“Os curdos esperam nós façamos três coisas. A primeira é a ajuda humanitária urgente aos refugiados nas zonas montanhosas que carecem de água potável e alimentos. Nós já canalizamos para o efeito 4,5 milhões de euros. Podemos gastar mais 20 milhões. O segundo objectivo é fazer com que as pessoas possam regressar aos seus lares, recuperar o sistema de saúde pública e a infraestrutura logística. A terceira meta passa pela luta contra o Estado Islâmico. Os curdos necessitam de armas e equipamentos militares para poderem resistir aos extremistas”.
Os europeus acordaram o fornecimento de armas aos curdos iraquianos. Mas tal tipo de assistência não poderá inverter a marcha da guerra. O Ocidente não se dará ao luxo de intervir directamente como, por exemplo, o Irã, reputa o presidente do Instituto do Oriente Médio, Evgueni Satanovsky:
“Cerca de 10 divisões iranianas estão prontas a atravessar a fronteira no caso de desintegração do Iraque. E tal seria uma ajuda real ao contrário de tentativa dos EUA de prestar a ajuda formal aos curdos para afastar acusações lançadas no Congresso a Obama pelo “descalabro do projecto iraquiano perante as eleições de novembro”.
Há três anos, altura em que o Ocidente se cismou no presidente Assad, ninguém dava ouvidos aos peritos que viram na Síria um posto avançado na guerra de larga escala pela propagação do jihadismo belicoso. Hoje, estamos colhendo frutos de erros sistémicos na avaliação da situação no Oriente Médio e na África Setentrional.
A julgar por tudo, se exclui uma intervenção ocidental no Iraque. Aposta nos poderes oficiais não deu certo. O apoio de curdos levará ao desmembramento do Iraque, à desintegração e à desestabilização regional.
Tal será o preço a pagar por ambições desenfreadas dos EUA que praticam ações insensatas no afã de preservar um papel exclusivo na arena geopolítica mundial.