O novo governo do Iraque será chefiado por Haider Al-Abadi. O ex-premiê Nouri al-Maliki se pronunciou contra, tendo acusado os EUA de apoiarem uma decisão inconstitucional. Estamos perante uma grave crise política, cujo desfecho poderá ser a continuação da escalada na guerra civil e o desmembramento final do país.
Serguei Duz | Voz da Rússia
A primeira declaração de Al-Abadi logo após sua nomeação foram palavras sobre a necessidade de uma união contra a campanha de terrorismo no Iraque e travar o avanço dos grupos extremistas. Mas a unidade dos iraquianos em torno de um mesmo líder geralmente aceite é precisamente o problema mais difícil que influencia decisivamente as perspetivas do país.
A rápida fragmentação da sociedade iraquiana ocorre no contexto de um aumento do conflito militar interno. As forças governamentais e a força militarizada curda, tendo recebido o apoio dos EUA, travam violentos combates contra os militantes do Estado Islâmico. Mas até este momento ainda não se conseguiram obter sucessos visíveis. Entretanto, o país já ultrapassou o limite da catástrofe humanitária, sublinha a ativista iraquiana Hana Edward:
“No Iraque ainda não foi resolvido o problema dos refugiados que surgiu após a queda do regime de Saddam Hussein. A quantidade de pessoas que abandonou suas casas depois da intervenção dos EUA é de 1,5 milhões de pessoas. Em 11 anos eles não viram sua situação melhorada. A situação se agravou com os constantes atentados terroristas em diversas partes do país. Até à agressão do EIIL as maiores dificuldades recaiam sobre os cristãos e os turcomanos. Agora se somou o problema dos yazidis. Oito yazidis, segundo nossos dados, foram executados em frente de suas famílias por se recusarem colaborar com os combatentes do EIIL. Várias dezenas de alunas das escolas foram estupradas. A mídia local fala de meninas desaparecidas. Se supõe que elas tenham sido levadas pelos extremistas para escravatura sexual. Existem também outros tipos de problemas. Os refugiados são normalmente instalados em escolas, o que interrompe seu funcionamento. Além disso, eles normalmente são abrigados a bastante distância de suas casas. Ou seja, mesmo que a situação estabilize, muitos deles não conseguirão regressar a casa sem ajuda.”
Muitos peritos pensam que essa situação estava predestinada ainda quando os norte-americanos que ocupavam o Iraque, não compreendendo bem a situação no país, apostaram numas alegadas “forças democráticas” que aqui não tinham como surgir. Diz o embaixador e diretor do Centro de Parceria de Civilizações Veniamin Popov:
“Esse beco sem saída foi criado pelos norte-americanos. Em 2003 eles intervieram no Iraque e o equilíbrio nesse país, que foi evoluindo ao longo de séculos, foi alterado. Tradicionalmente o Iraque era governado pela minoria sunita. Ela está melhor preparada e é melhor formada. Os xiitas são quase dois terços, mas eles ocupavam postos secundários. Os norte-americanos, naturalmente, entregaram o poder aos xiitas. Nessa altura teve início uma luta muito séria.”
O sistema político construído durante a presença norte-americana, baseado numa transferência mecânica dos princípios da democracia ocidental para o solo iraquiano, foi progressivamente abalando o país. Diz o orientalista Viacheslav Matuzov:
“Eu penso que esse comportamento é ilegítimo por parte dos países ocidentais, os quais já não é a primeira vez, nem o primeiro país, em que tentam ditar as soluções políticas internas. Entretanto também impõem a este ou aquele país seus próprios candidatos. Isso é inadmissível. Isso é uma violação da Carta das Nações Unidas. É uma violação dos princípios fundamentais do direito internacional. Eu penso que no final isto poderá terminar numa resistência e no desmantelamento das instituições democráticas que apenas começaram brotando em terras iraquianas.”
Neste momento no Iraque são todos contra todos: sunitas e xiitas, muçulmanos e cristãos, liberais e autocratas estão prontos a saltar ao pescoço uns dos outros, porque o nível de ódio mútuo já atingiu proporções nunca antes vistas.
Existe a possibilidade de o ex-premiê Nouri al-Maliki recorrer à violência: às tropas e forças de segurança fiéis aos xiitas. Isso será uma catástrofe para o Iraque, considera o ministro das Relações Exteriores do país, o curdo Hoshyar Zebari.
Na opinião de uma série de peritos, a catástrofe no Iraque já ocorreu. Existe uma hipótese de o novo governo poder recuperar a confiança dos cidadãos e defender os interesses de toda a população. Mas essa hipótese é ténue. O Iraque, ao que tudo indica, já passou o ponto de não-retorno ou, pelo menos, se aproximou dele.