Envio de caminhões de ajuda para o Donbass reforça posição de negociação de Moscou, mas pode causar desconforto para Kiev.
Guevorg Mirzaian, especial para Gazeta Russa
A entrega bem-sucedida da ajuda humanitária da Rússia ao Donbass, região do leste da Ucrânia, não só irá salvar vidas de moradores locais, como também poderá apressar o final da guerra civil ucraniana.
As negociações sobre o destino do comboio humanitário russo, composto por cerca de 300 caminhões que há quase uma semana se encontram na fronteira russo-ucraniana, estão em fase de conclusão. As partes chegaram a um acordo sobre todas as questões relacionadas ao transporte de bens e os observadores não encontraram nenhum armamento nos caminhões. De acordo com Viktoria Zotikova, representante da Cruz Vermelha, para o comboio poder passar para a Ucrânia resta apenas obter garantias de segurança das partes envolvidas no conflito.
Zotikova se recusou a comentar o progresso das negociações e as dificuldades surgidas, no entanto, de acordo com fontes não oficiais, o problema estaria no lado ucraniano, mais precisamente nas unidades da Guarda Nacional, compostas por nacionalistas que nem sempre obedecem às autoridades oficiais. Posicionados no bolsão a sul de Lugansk, os militares ucranianos controlam parte da estrada desde a fronteira de Izvarino até à capital da autoproclamada República Popular de Lugansk e podem atacar o comboio. Há alguns dias a milícia da região avisou que o batalhão da Guarda Nacional Aidar recebeu ordens para atacar os caminhões.
No entanto, é possível que este obstáculo seja em breve eliminado – seja por via da negociação ou pela força. As milícias estão agora ativamente engajadas na liquidação do bolsão e não conseguiram ainda fechá-lo apenas porque junto com o Aidar se encontra uma das unidades de combate mais bem preparadas do exército ucraniano: a 80ª brigada aeromóvel de Lvov.
Enquanto isso, alguns especialistas acreditam que a viagem bem-sucedida deste imenso comboio humanitário pode dar um trunfo à Rússia e, possivelmente, contribuir para o fim da guerra civil.
"Se o comboio chegar ao seu destino mostrará que o ‘regime sangrento de Pútin’ cuida mais dos cidadãos ucranianos do que o governo oficial de Kiev, e isso irá criar desconforto para o presidente ucraniano, Petro Porochenko", opina o cientista político russo e especialista no espaço pós-soviético Serguêi Markedonov.
Do ponto de vista político, o comboio reforça a posição de negociação da Rússia. Moscou tenta agora persuadir Porochenko a iniciar o processo de negociação e de federalização da Ucrânia e dar passos que poderão não apenas acabar com a guerra, mas também dar a Kiev (onde o sentimento anti-russo no oeste é equilibrado pelas forças pró-russas do leste) o estatuto de país neutro. O argumento fundamental de Moscou é precisamente a catástrofe humanitária no Donbass, agravada pela atuação do exército ucraniano, que não conseguiu efetuar uma guerra-relâmpago na região e iniciou batalhas posicionais recorrendo à artilharia. Mas para isso, porém, a Rússia tem que provar ao mundo que trata-se de fato de uma catástrofe humanitária.
Por fim, a chegada ao destino do comboio humanitário também jogará a favor das forças dentro da União Europeia que defendem um compromisso com a Rússia. "Os países da Europa não estão menos interessados do que a Rússia em que este conflito se resolva o mais rápido possível, no entanto, eles se encontram pressionados entre Washington e Moscou e estão em uma situação política muito difícil. Especialmente depois da história com o Boeing da Malaysia Airlines, necessitam muito de argumentos adicionais", afirma o diretor do Centro de Estudos Europeus e Internacionais da Escola Superior de Economia, Timofei Bordatchev.