Presidente recém-eleito Petrô Porochenko anunciou o fim da trégua iniciada por ele em 20 de junho. Apesar de nações ocidentais continuarem insistindo em uma solução política, analistas avaliam o futuro de forma pessimista com a retomada das ações de combate.
Dmítri Agnin, especial para Gazeta Russa
“Vamos atacar e libertar a nossa terra”, disse Porochenko em um discurso dirigido ao povo ucraniano na noite desta segunda-feira (30), salientando que o plano de paz proposto por ele na véspera do cessar-fogo permanece em vigor.
Entretanto, mesmo durante a trégua, tanto as milícias do sudeste da Ucrânia, quanto as tropas regulares continuaram a atacar as posições ocupadas pelos adversários do regime. Além do sequestro de alguns indivíduos, o cinegrafista russo do Canal Um, Anatóli Klian, foi atingido por tiros e não resistiu aos ferimentos.
De acordo com os dados da ONU, até o final de junho, mais de 110 mil habitantes da Ucrânia haviam se mudado para o território da Rússia, e mais de 54 mil pessoas estavam buscando refúgio em outras regiões do território ucraniano.
“O cessar-fogo foi usado por ambos os lados apenas para um descanso e reagrupamento das forças”, sugere o analista político russo Evguêni Mintchenko. A dificuldade em dar sequência à trégua se deve também ao fato de nenhum dos lados ter controle total sobre as suas unidades.
“A milícia do sudeste consiste em formações muito diversificadas. Fazem parte dela aqueles para quem a guerra é um negócio, também há pessoas com antecedentes criminais a quem foram disponibilizadas armas”, diz cientista político Andrêi Okara. “É claro que os integrantes da milícia reconhecem a autoridade de Moscou e do próprio Pútin, mas não a ponto de prestar obediência incondicional a eles ou a quem quer que seja. E o Exército ucraniano, na verdade, está se formando apenas nos últimos dois meses.”
A própria ideia de trégua foi assimilada de maneira ambígua pela opinião pública ucraniana – e isso o presidente Porochenko não podia ignorar. No sábado passado (28), milhares de manifestantes se reuniram em Kiev para exigir a introdução da lei marcial no sudeste do país e a revogação do cessar-fogo, que estaria levando a uma guerra ainda maior.
“Por isso, a decisão de Porochenko de não prolongar a trégua deve ser analisada não só do ponto de vista militar, mas também do ponto de vista da política interna”, garante Okara.
Efeito-dominó
Ao considerar a retomada das ações de combate, Mintchenko avalia o futuro de forma bastante pessimista. “A guerra vai continuar e, gradualmente, as pessoas vão deixar as suas casas. Será ruim para ambos os lados, mas nenhum deles pode parar. As tropas ucranianas correm o risco de serem atraídas para combates urbanos e está claro que os separatistas contam muito com isso. O significado disso é que a infraestrutura da cidade será destruída, ao que se seguirá uma catástrofe humanitária”, prevê o analista político. Estes receios parecem No momento em que o presidente da Ucrânia discursava ao povo, quatro explosões ressoaram na estrada de ferro de Donetsk. Na véspera, uma explosão ocorreu na estrada de ferro na região de Kharkiv, onde teoricamente não há conflito. “Vamos esperar que a progressiva formalização e organização do Exército ucraniano, apesar de tudo, permita que ele assuma gradualmente a iniciativa”, comenta Okara.
Solução política
As tentativas de solução política também continuam em andamento. Na véspera da revogação do regime de cessar-fogo, os líderes da França, Alemanha e Rússia mantiveram várias horas de negociações. Paralelamente, a liderança da União Europeia advertiu Moscou sobre a sua disposição de introduzir, a qualquer momento, o próximo pacote de sanções contra o país, que deixará de ter uma natureza pessoal e passará a assumir caráter econômico-setorial.
“Uma solução política convém a Moscou, mas não existem instituições com as quais ela poderia negociar, nem em Kiev, nem em Donetsk”, afirma Mintchenko. “Por outro lado, a Europa acabou de assinar o acordo de associação com a Ucrânia, e também ela está interessada no término do conflito. Por isso, [a chanceler alemã] Angela Merkel insistiu para que [o político ucraniano] Viktor Medvedtchuk estivesse presente nas negociações entre o governo oficial de Kiev, as milícias e Moscou, e Kiev teve que concordar com isso.”
Medvedtchuk foi chefe da administração do ex-presidente ucraniano Leonid Kutchma. Atualmente, não é a figura política mais popular da Ucrânia, porém, possui grande influência política. Especula-se que o empresário venha a assumir o cargo de governador de Donetsk.
Tanto Mintchenko, como Okara consideram a discussão lógica e real. “Dessa forma”, diz Okara, “os interesses de Moscou poderão ser conciliados com os interesses dos oligarcas ucranianos que Kiev será obrigada a considerar. É algo nesse estilo que tornará possível firmar um compromisso entre todas as partes”.