Primeiros disparos da Grande Guerra foram dados há 100 anos, mas seu eco é ouvido ainda hoje. A guerra remodelou o mapa da Europa, destruiu todos os impérios continentais e deu início a novas contradições. Ninguém dos iniciadores esperava que a guerra continuasse vários anos e tivesse tais consequências destrutivas.
Maria Balyabina | Voz da Rússia
A Primeira Guerra Mundial apanhou a Rússia no período de modernização não concluída e de passagem da sociedade agrária para a industrial. Os ritmos de desenvolvimento econômico e de rearmamento do Exército foram altos, mas insuficientes para entrar numa guerra prolongada. O primeiro-ministro Piotr Stolypin dizia: “Precisamos de paz: uma guerra nos próximos anos, sobretudo sob um pretexto confuso para o povo, será mortal para a Rússia e a dinastia. Pelo contrário, cada ano de paz está reforçando a Rússia não apenas do ponto e vista militar e marítimo, mas também financeira e economicamente”.
De fato, todos compreendiam que a Rússia não precisava de guerra, mas o país não podia simplesmente ficar de lado, considera Konstantin Pakhalyuk, membro da Associação de Historiadores da Primeira Guerra Mundial da Rússia:
“Na situação que formou o desenvolvimento bem-sucedido da Rússia dependia em primeiro lugar do seu estatuto de grande potência. Ela não podia não entrar naquela guerra que lhe foi imposta. A Rússia fazia o possível para preveni-la. Testemunham isso as cartas de Nicolau II ao Guilherme II, as tentativas de localizar a crise dos Balcãs e de submete-la à discussão internacional”.
Contudo, já foi impossível deter os acontecimentos trágicos: a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia. Em resultado, a Rússia deparou com uma opção difícil: renunciar à proteção de seus interesses nos Balcãs ou entrar na guerra.
Havia muitos receios quanto ao possível resultado trágico, mas não se podia fazer concessões, sustenta Olga Porshneva, uma historiadora:
“A Rússia não estava interessada na guerra, como outros participantes. Mas ela defendia o princípio de lealdade às relações aliadas com a França e de apoio à Sérvia. Por outro lado, foi comum a opinião de que se a Rússia não interviesse no conflito, ela perderia o estatuto de grande potência, tornando-se vassalo da Alemanha”.
Em resultado da guerra a Rússia perdeu o estatuto de império. E não apenas a Rússia – foram demolidos todos os impérios continentais. A Primeira Guerra Mundial fez um resumo do século XIX, das ideias do progresso e do desenvolvimento pacífico. Incentivou contradições internas e provocou cataclismos sociais em diferentes países. Em geral, a guerra alterou a mundividência, diz Konstantin Pakhalyuk:
“Podemos falar de tal fenômeno, caraterístico exclusivamente para o século XX, com a “massa”, de destruição de antigas estruturas sociais e de aparecimento de amplas comunidades marginalizadas. Foram essas massas que se transformaram numa base social que deu origem a movimentos totalitários: nazistas na Alemanha e bolcheviques na Rússia. Se não fosse a guerra, se não fosse interrompido o movimento progressivo da nossa sociedade, é pouco provável que tais ditaduras pudessem surgir”.
Este primeiro conflito militar de escala mundial terminou com a vitória da Tríplice Entente. Para a Alemanha, a guerra terminou com o Tratado de Versalhes e a obrigação de indenizar os prejuízos causados aos países em resultado de ações militares. Além disso, foram anexados consideráveis territórios da Alemanha. Tudo isso, em conjunto com a limitação das forças armadas e reparações, causou a crescente popularidade das ideias do nacional-socialismo, considera Olga Porshneva:
“Ânimos revanchistas começaram a crescer na Alemanha em resultado de sentimentos de humilhação experimentados pela população por causa das condições do Tratado de Versalhes. No período entre guerras, a Alemanha tentou novamente apostar na hegemonia na Europa e até no mundo. A catástrofe da Segunda Guerra Mundial levou a consequência de longo alcance. A Primeira Guerra Mundial determinou o desenvolvimento do mundo no século XX, alterando a psicologia dos povos”.
Desde então, essas mudanças impelem a humanidade a novas guerras. A crise na Síria poderia levar a um conflito militar de envergadura, mas desta vez a direção russa conseguiu transferir o problema para a esfera diplomática e não admitir o derramamento de sangue. Agora, o conflito na Ucrânia é acompanhado de numerosas provocações em relação à Rússia. Mas o país que tirou lições das antigas guerras mundiais não deixará ser envolvido numa nova e desnecessária confrontação.