Recorde em exportações de produtos russos de defesa pode ser explicado por posição do país em questões internacionais.
Konstantin Makienko | VPK.ru
No dia 7 de julho o presidente russo, Vladímir Pútin, anunciou os resultados das exportações russas de produtos de defesa no primeiro semestre do ano, demonstrando indicadores de alto nível. Durante os seis primeiros meses de 2014, as exportações no setor armamentista atingiram a marca de US$ 5,6 bilhões.
Pútin ainda apresentou números mais surpreendentes: o portfólio de contratos assinados desde 2013 com prazo de execução até 2017 soma US$ 50 bilhões. A soma dos acordos celebrados para estes quatro anos fez a Rússia bater seu próprio recorde de exportações. Somente no ano fiscal de 2013, as encomendas de clientes estrangeiros somaram US$ 15 bilhões. Desde janeiro, as novas contratações já totalizaram US$ 18 bilhões, o que representa um novo recorde histórico.
De fato, é no mercado de defesa que a Rússia tem demonstrado maior desenvoltura e é neste setor que seu sucesso excede até mesmo o potencial industrial e tecnológico do país.
Produtos caros e ultrapassados
Explicar o fenômeno do sucesso russo não é tão simples. Durante toda a década de 1990, os indicadores econômicos sobre as exportações no setor de defesa chegaram a zero e permaneceram muito tempo perto disto. As causas dessa estagnação estavam relacionadas principalmente com as reviravoltas ocorridas nos complexos mercados-âncoras da China e da Índia. Nos anos em que estes países estavam mais próximos política e economicamente da Rússia, suas forças armadas eram compostas em até 80% por equipamentos russos. No entanto, a China resolveu conduzir uma consistente política de desenvolvimento do seu próprio complexo industrial de defesa e a Índia, uma política de diversificação dos fornecedores estrangeiros de armamentos.
Sendo assim, o potencial de vendas dos inúmeros sistemas de armas elaborados ainda durante a União Soviética foi extremamente reduzido. A Rússia não conseguia exportar nem mesmo equipamentos relativamente novos, projetados no final da década de 1970 e durante a década de 1980, que tinham passado por profundas modernizações, tais como caças, tanques e navios de combate. A falta de recursos comprometeu seriamente o desenvolvimento de uma nova geração de armamentos, que demoraria a chegar efetivamente ao mercado externo.
A estagnação das exportações russas também esteve ligada a um outro fator – o da baixa competitividade dos equipamentos do país, principalmente no quesito preço. A fama de que a Rússia vendia barato suas armas ficou no passado. A altíssima inflação e os crescentes custos de produção influenciaram decisivamente para o crescimento sem precedentes dos preços dos armamentos.
Outro fator do retrocesso russo no setor de defesa relaciona-se com a perda pelo país de uma importante ferramenta de contenção de sua dívida pública. Durante alguns anos da década de 1990, a Rússia utilizou a exportação de armamentos para quitar parte da dívida que herdou da União Soviética. Isso serviu de alavanca política a Moscou, que conseguiu penetrar em difíceis mercados como o da Coreia do Sul e de países da Europa central que tinham acabado de entrar para a Otan, como a Hungria. No entanto, após a quitação das dívidas soviéticas, a utilização de tal mecanismo perdeu o sentido, fazendo com que a Rússia perdesse de vez o status de exportadora global de armamentos.
Limitação ao crédito
Durante muito tempo o governo russo forneceu crédito a seus clientes para a compra de armamentos. Hoje a situação é diversa. Moscou agora só concede empréstimos para a compra de armamentos russos após uma minucionsa análise da qualidade do crédito do devedor em potencial. Portanto, do montante de US$ 50 bilhões acordados em diversos contratos, provavelmente apenas 5 a 7% serão financiados por bancos russos.
Vale ressaltar que uma prática comum ao fortalecimento das exportações realizada por outros países, que é a compra de sua própria produção, não é observada no mercado russo. Geralmente, o melhor demonstrativo da qualidade de um produto é a sua adoção pelas forças armadas do seu país de origem. Entretanto, as compras realizadas nos últimos quatro ou cinco anos pelo Ministério da Defesa russo não têm apresentado resultados positivos nesse sentido. A Rússia decidiu adquirir quase 300 exemplares do caça Su-30 MKI no ano de 2012 que foram já comprados pela Índia, Malásia e Argélia desde 1996 . Por outro lado, 48 unidades do novíssimo caça SU-35 comprados pela Força Aérea russa ainda não foram vendidos ao exterior.
Imagem no cenário internacional
Como visto, há diversos fatores que enfraquecem a posição da Rússia no mercado de armas. No entanto, contrariando todas as expectativas, os indicadores mostram um crescimento nominal das exportações, bem como um acréscimo real do volume de produtos vendidos ao exterior. Então, o que está motivando tão fortemente as vendas?
Parece que há apenas uma explicação consistente: as exportações militares da Rússia permanecem em alta graças à política externa arrojada (para não falar agressiva) adotada pelo governo. Ocorre que armamentos são produtos de venda muito específicos. A imagem internacional do vendedor, materializada em sua política externa, é capaz de gerar um atrativo muito maior do que a própria qualidade e preço dos produtos a serem vendidos. A prática internacional russa tem demonstrado que o asilo concendido a Edward Snowden, o apoio ao presidente sírio, Bashar al-Assad, e a incorporação da Crimeia produziram um efeito poderoso aos olhos dos importadores de armas, compensando a lacuna existente entre a Rússia e seus concorrentes americanos e europeus no âmbito financeiro e tecnológico.
Sendo assim, realmente (e não apenas formalmente, como afirmam os EUA e seus aliados), a soberania da Rússia no cenário internacional tem se mostrado o principal incentivo e fomento às vendas de produtos de defesa a países estrangeiros.
Konstantin Makienko é vice-diretor do Centro de Análise de Tecnologias Estratégias de Moscou.