A tragédia do Boeing da Malásia podia não ter ocorrido se Kiev não tivesse começado uma guerra civil fratricida no sudeste do país.
Serguei Duz | Voz da Rússia
Um Boeing 777 da companhia aérea Malaysia Airlines, que efetuava o voo Amsterdã – Kuala Lumpur, se despenhou na quinta-feira, 17 de julho, cerca das 16.30 horas locais, sobre o território do distrito de Donetsk, na Ucrânia. Não houve sobreviventes entre as 298 pessoas que seguiam a bordo – 283 passageiros e 15 tripulantes.
A rota desse voo tinha sido declarada como segura pela Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO), enquanto a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), por seu lado, declarava que o espaço aéreo em que o avião comercial se deslocava não era “objeto de restrições”.
Temos de referir que a Ucrânia tinha encerrado anteriormente seu espaço aéreo na zona de realização daquilo que Kiev chama de “operação antiterrorista”. Contudo, a proibição só abrangia o espaço aéreo inferior e uma altitude de 10 mil metros era considerada como segura. Diz o perito brasileiro e engenheiro Nelson Francisco During:
"Mesmo se tem um confronto em uma área, o avião está a uma certa altura. Se tinha conhecimento de disparo de mísseis portáteis? Esses mísseis têm alcance até de 2 a 4 mil metros de altura, não têm alcance para pegar um avião que voava a 12 ou 14 mil metros de altura. Então, havia uma margem muito grande de segurança. Isto não seria um problema”.
Foi precisamente a uma altitude de 10 quilômetros que o Boeing malaio foi atingido por um míssil antiaéreo não identificado. Comenta o perito militar russo Igor Korotchenko:
“Nessas altitudes só é possível abater um avião com recurso a um sistema de mísseis antiaéreos. A força antiaérea ucraniana têm ao seu serviço sistemas de mísseis antiaéreos Buk. Aliás, a defesa antiaérea ucraniana foi colocada de prevenção, devido, segundo afirmaram, à possibilidade de violação da fronteira aérea da Ucrânia por parte da Rússia. É evidente que as guarnições das baterias de mísseis antiaéreos ucranianas testaram o funcionamento em combate dos seus sistemas nos seus diversos regimes. Devido à sua baixa qualificação, ou por mero acidente, foi efetuada a captura, o lançamento (do míssil) e a destruição do Boeing malaio pela defesa antiaérea ucraniana.”
O perito brasileiro Nelson Francisco During fala-nos sobre o sistema de mísseis antiaéreos Buk:
“O míssil Buk é um descendente daqueles famosos SA-6, que foram muito usados na guerra do Oriente Médio, tem alcance de 6 a 12 mil metros. E, fosse o caso, ele pegaria no seu alcance máximo um avião voando na altura de cruzeiro, um avião comercial desses, ou seja, 12 ou 14 mil metros de altura”. Nem precisa ser um impacto direto. Muita gente pensa que o míssil impacta a aeronave. Ele tem sensores de proximidade. Se o sensor estabelece que o alvo é próximo, ele explode e lança centenas de fragmentos de metal em várias direções. Esses fragmentos, a própria explosão, é suficiente para um avião que não é protegido, um avião comercial. Seria fatal”.
Na opinião da maioria dos peritos, a responsabilidade pela catástrofe com o avião é das forças armadas ucranianas, apesar de Kiev responsabilizar as milícias. Essas afirmações carecem de provas criminalísticas, mas é evidente que os rebeldes do Sudeste da Ucrânia não possuem armamento sofisticado.
Eis a opinião do perito em defesa antiaérea Yuri Karash. “Com uma grande dose de probabilidade, o avião terá sido abatido pela defesa antiaérea ucraniana. Contudo, eu não penso que isso tenha sido feito intencionalmente. Infelizmente, as forças armadas ucranianas se encontram em estado bastante lastimável. O seu nível de treinamento profissional também é bastante baixo. Recordemos o que se passou há 13 anos, quando eles abateram acidentalmente um avião russo Tu-154. Eu não me admiraria se se verificar que o painel de controle do sistema de mísseis estivesse a cargo, não de oficiais, mas de soldados do serviço militar obrigatório.”
O caso trágico, ao qual se referiu o perito, ocorreu a 4 de outubro de 2001, quando um avião da companhia aérea Sibir, que realizava um voo Tel Aviv – Novosibirsk, foi acidentalmente abatido por um míssil antiaéreo ucraniano S-200 lançado durante manobras militares que decorriam na península da Crimeia. Morreram todos os 66 passageiros e 12 tripulantes. É sintomático que o tribunal de Kiev se recusou a reconhecer o envolvimento dos militares ucranianos, tendo alegado que a peritagem tinha sido inconclusiva. Realmente, devido à ausência de destroços do avião e das caixas negras, que acabaram por não ser encontradas, foi considerado impossível determinar as causas com uma fiabilidade absoluta. Contudo, Kiev reconheceu de fato a sua culpa, tendo demitido uma série de oficiais dos escalões de comando superior e intermédio que de alguma forma teriam estado envolvidos nessa tragédia.
A investigação das causas do incidente atual deverá ser realizada sob direção da ICAO, considera o Comitê Intergovernamental de Aviação. Existe, porém, uma elevada probabilidade de o governo ucraniano impedir de todas as formas possíveis uma investigação independente, diz Igor Korotchenko:
“Como o incidente ocorreu em território da Ucrânia, ele deverá ser investigado pelas autoridades ucranianas. É evidente que haverá manipulações. Eu penso que a Ucrânia simplesmente não irá permitir o acesso dos peritos aeronáuticos internacionais argumentando que o desastre ocorreu no seu espaço aéreo. Agora irá começar uma campanha de mentiras e um descartar de culpas. Reconhecer que a defesa antiaérea ucraniana tenha abatido um avião civil seria assinar uma sentença de morte à presidência de Poroshenko. Kiev não vai aceitar isso.”
Sem dúvida que se Poroshenko não tivesse recomeçado os combates no sudeste do país, esta tragédia terrível não teria acontecido.