Peritos estadunidenses apontam cada vez mais a ineficácia do sistema global de defesa antimísseis dos EUA. A verdadeira segurança é indivisível e só pode ser obtida à mesa das negociações.
Serguei Duz | Voz da Rússia
O fato de a fiabilidade do programa principal do sistema norte-americano de defesa antimísseis Ground-based Midcourse Defense system (GMD) ter sido fortemente sobrevalorizada é conhecido há muito tempo pelos especialistas militares. Segundo os dados que apresentam, as avarias e defeitos ocorrem durante os testes com muito maior frequência do que seria de esperar, considerando os 40 bilhões de dólares que ela já custou. Há dias, a publicação Los Angeles Times informou que o sistema GMD dificilmente cumpre seus objetivos, mesmo durante os testes. A última intercepção bem-sucedida ocorreu há cinco anos e meio. Contudo, realizar testes rigorosamente preparados é muito mais fácil que defender um ataque real.
Há dez anos os norte-americanos previam que para eliminar uma ogiva seriam usados de um a três mísseis antimísseis. Seu optimismo se reduziu um pouco quando se descobriu que, no melhor dos casos, para destruir uma ogiva serão necessários quatro a cinco mísseis interceptores. Por outras palavras, um ataque em que sejam usadas várias ogivas poderá ultrapassar o sistema GMD, o qual neste momento conta com 30 mísseis interceptores. Mas se esses vários mísseis inimigos forem equipados com contramedidas, a eficácia do sistema será inferior ao limite mínimo.
Resumindo, para os chamados “Estados-párias” o sistema antimísseis norte-americano é claramente excessivo, mas para os verdadeiros adversários geopolíticos dos EUA ele não representa uma ameaça séria, considera o analista militar Viktor Litovkin:
“A afirmação que o sistema antimíssil norte-americano tenha sido criado contra a Coreia do Norte e o Irã é um mito. Nem um país, nem o outro, têm mísseis (nem terão nos próximos 20 anos) capazes de atingir os territórios dos EUA ou da Europa. É evidente que todo esse sistema está sendo desenvolvido para cercar a Rússia e reduzir o seu potencial nuclear e a sua capacidade para realizar um ataque de resposta.
“De resto, proteger de uma forma absoluta o território dos EUA dos mísseis russos será impossível por definição. Hoje os norte-americanos testam o sistema contra um míssil isolado transportando uma única ogiva. Mesmo assim, como sabemos, 50% dos lançamentos não são bem-sucedidos. Os estadunidenses renunciam à continuação dos testes porque sabem que isso é dinheiro atirado ao vento. Agora imaginem que o ataque inclui dezenas de mísseis, com dez ogivas cada, e que as ogivas transportam contramedidas na forma de falsos alvos!”
A criação de um sistema antimísseis verdadeiramente eficaz é uma tarefa sem solução. Se bem que o desenvolvimento desse programa favoreça o desenvolvimento das tecnologias, refere o analista político especialista em assuntos dos EUA e do Canadá Pavel Zolotarev:
“Ainda podemos colocar a questão de se poder abater pelo menos uma ogiva com uma determinada quantidade de antimísseis. Neste caso estamos falando de uma probabilidade de 0,5 ou de 0,6. Mas os próprios trabalhos para resolver tarefas impossíveis permitem obter novas tecnologias. Basta recordarmos que a Internet, que proporciona aos EUA uma supremacia global na área das informações, surgiu em resultado dos trabalhos de desenvolvimento da Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI), a qual ficou conhecida no tempo do presidente Ronald Reagan como o programa da “guerra das estrelas”, e que parece não ter uma relação direta com a defesa.”
Realmente, é bastante frequente as novas tecnologias civis surgirem da área do complexo militar-industrial. Mas no caso do sistema GMD o progresso científico poderá sair demasiado caro à humanidade. Na prática, o programa norte-americano de uma defesa global antimísseis corrói a segurança estratégica, a qual, tanto agora, como há dez ou trinta anos, se sustenta na doutrina da destruição mútua assegurada. O Tratado Antimísseis Balísticos (ABM), assinado em 1972, apenas reforçou essa doutrina, tendo proibido que cada um dos intervenientes geopolíticos instalasse sistemas de intercepção dos mísseis intercontinentais.
Contudo, em 2001 George W. Bush decidiu ultrapassar seus parceiros e abandonou o Tratado ABM. Com a vaga de euforia criada após a alegada vitória na Guerra Fria, a economia e o bom senso foram sacrificados ao conceito de “paz americana”, em que todo o globo terrestre era visto como o quintal das traseiras dos EUA.
Desde então muita coisa mudou, surgiram argumentos de peso que esse tipo de situação era indesejável para os demais e mesmo impossível, mas a mentalidade da elite política norte-americana permaneceu imutável. Em vez de uma cooperação construtiva no âmbito das normas jurídicas internacionais geralmente aceites, os EUA insistem em tentar obter a exclusividade do domínio mundial. Essa teimosia conduz diretamente à derrota, o que Washington ainda irá descobrir através dos seus próprios cidadãos enfurecidos.