O povo das regiões de Donetsk e Lugansk[1] ocupou prédios do governo golpista de Kiev, armou-se e declarou sua independência da Ucrânia.[2] Estão combatendo contra o regime de Kiev. A atenção do mundo está focada no que acontece ali. Mas há outros pontos em efervescência na Ucrânia.
Pravda
Diferente do Donbass, a região de Odessa não tem fronteira com a Rússia e não há ali qualquer porto de ancoragem da Frota Russa no Mar Negro. Mas o povo de Odessa está nas ruas, com bandeiras russas; e manifestou o desejo de separar-se da Ucrânia.
Em tempos antigos, a região foi habitada por gregos, as áreas povoadas concentravam-se ao longo dos rios Dnieper, Buh Sul e Dniester, que correm diretamente para o Mar Negro. Houve outras colônias: as antigas cidades gregas de Tyras, Olbia e Nikonia comerciavam com os cíntios e os cimérios.
Governantes sucessivos, na Idade Média, incluíram Nogai Ulus do Khanato da Horda Dourada[3] e muitos outros.
Durante o reinado do Khan Haci I Giray da Crimeia (1441-1466), o Khanato foi ameaçado pela Horda Dourada e o Império Otomano, e, à procura de aliados, o Khan aceitou ceder a área à Lituânia. Onde hoje está a cidade de Odessa era então uma cidade chamada Khadjibey (também chamada Kocibey, em inglês). Era parte da região de Dykra. Mas a maior parte da área, nesse período, permaneceu desabitada. Em 1765, os otomanos reconstruíram uma fortaleza em Khadjibey (Hocabey), que recebeu o nome de Yeni Dünya. Hocabey foi um centro sanjak [administrativo] da província de Silistre.
Durante a guerra Rússia-Império Otomano, uma pequena força russa, comandada pelo espanhol Grand Don José de Ribas y Boyonswas capturou a fortaleza e manteve-a, como local sinistro, por mais quatro anos. Então, Ribas recebeu ordens para construir uma cidade e um porto para acolher uma flotilha de galeras que ficariam sob seu comando. O comércio cresceu muito. François Sainte de Wollant, engenheiro de Brabante, foi responsável pela construção.
De Ribas foi o primeiro prefeito de Odessa. A cidade realmente prosperou sob o governo de Armand-Emmanuel du Plessis, Duque de Richelieu e herdeiro do legendário cardeal francês. Durante 12 anos de seu governo, a população quadruplicou, e a cidade tornou-se o coração da região de Novorossiysk [Nova Rússia]. Um teatro, uma tipografia e um instituto [de educação] foram construídos. Adiante, Richelieu voltou à França, onde foi ministro de Relações Estrangeiras e primeiro-ministro (duas vezes).
Os primeiros colonos na cidade de Odessa foram gregos, italianos, albaneses e armênios. Ao final do século 19, havia 49% de russos na população, mas via-se gente de todas as nacionalidades e de todos os países do mundo. Em 1912, a população chegou a meio milhão, e a cidade tornou-se a quarta maior do Império Russo, depois de Moscou, São Petersburgo e Varsóvia.
A Revolução de 1917 a fez mudar de mãos. Os comerciantes cosmopolitas da cidade foram indiferentes à força de ocupação de Brancos, Vermelhos e britânico-francesa. E sempre trataram com desrespeito as autoridades ucranianas lideradas por Michael Grushevsky (Mykhailo Hrushevsky), Symon Petliura e Pavel (Pavlo) Skoropadskyi. Não acreditavam que aquela gente fosse capaz de criar estado viável. Eram tratados como ocupantes, pela população falante de russo, de Odessa.
No início da 2ª Guerra Mundial, a cidade era habitada por russos (39,2 %), judeus (36,9 %), ucranianos (17,7 %) e poloneses (2,4 %). Parte da população deixou a cidade quando da ofensiva alemã e romena, 250 mil permaneceram, cercados pelo inimigo. Depois que o Exército Vermelho deixou a cidade, enfrentaram vida muito difícil sob ocupação. 80-90% desses que permaneceram eram judeus, e quase todos morreram nas mãos de soldados nazistas e romenos, e de nacionalistas ucranianos. Guetos e campos de concentração deram poucas chances de sobrevivência à vítimas do holocausto de judeus.
Nos anos 1980s, os judeus tiveram chance de partir para Israel. Depois, a independência da Ucrânia levou a drástica redução nos padrões de vida. A população de judeus caiu drasticamente. Apesar disso, a comunidade de judeus continuou a ser a mais numerosa e a mais influente.
O golpe em Kiev de fevereiro de 2014 teve pouco apoio dos comerciantes. Os governantes em Kiev são, na maioria, partidários do nacionalismo integralista ucraniano que surgiu nos anos 1920-30s como um misto de fascismo italiano e nacional-socialismo alemão com características ucranianas. O governo 'provisório' da Ucrânia traz à frente personalidades odiosas, que abertamente pregam ideologia nazista. Por exemplo, Andriy Parubiy, chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, o qual, no início dos anos 1990s, tentou registrar um partido político nazista. Naquele momento, o Ministério da Justiça recusou-lhe o registro, porque o partido tinha, incluído no nome, a expressão "nacional-socialismo".
Parubiy inverteu a ordem das palavras, e passou a presidir a organização Social-nacionalista; e o programa do grupo continuou carregado de xenofobia e racismo. Pouco adiante, o grupo converteu-se em Partido Svoboda. Hoje é liderado pelo muito bem conhecido antissemita e xenófobo Oleh Tyahnybok. OSvoboda meteu uns poucos membros no governo de Yatsenyuk.
O Setor Direita foi a principal força por trás do golpe. É um conglomerado de grupos de orientação nazista, com Trizub como chefe. Defende a pureza da raça branca e prega expurgos como os do tempo de Hitler. O Setor Direita inclui também os "Patriotas da Ucrânia" criado por Parubiy como organização da juventude social-nacionalista. Os "Patriotas" formaram a massa que gerou a Assembleia Social-nacionalista em 2008. A primeira coisa que a Assembleia fez foi anunciar guerra contra outras raças, planos para converter a Ucrânia em estado nuclear, e a dominação global como meta. Segundo o programa dessa Assembleia, minorias têm de ser ou assimiladas ou exiladas.
Muitos dos que vivem em Odessa perderam familiares durante o holocausto de judeus; a perspectiva de virem a ser governados por gente do governo de Kiev é, para eles, inadmissível. Policiais ucranianos nunca trataram os judeus melhor do que os alemães os trataram; e pregam a ideologia nacionalista que praticamente se tornou ideologia de estado na Ucrânia contemporânea. O slogan de Maidan, "Longa vida à Ucrânia. Glória aos heróis!" e nada mais nada menos que a palavra-de-ordem da Organização dos Nacionalistas Ucranianos Banderistas, seguidores de Stepan Bandera, agente da Abwehr que jurou lealdade a Hitler. Bandera e Roman Shukhevych, capitão da Wehrmacht, vice-comandante da força punitiva, são os heróis deles.
Em nenhum caso, em nenhuma hipótese, esse governo será aceitável para o povo de Odessa, que sempre lhe fará oposição. Tentar ver aí alguma 'mão de Moscou' é perda de tempo. A razão para o que o povo de Odessa sente e faz está na própria história da cidade. *****
1] http://www.strategic-culture.org/news/2014/04/24/letter-to-european-friends-from-lugansk.html
[2] http://www.strategic-culture.org/news/2014/04/25/punitive-action-in-south-east-of-ukraine.html
[3] Sobre isso, verhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Canato_da_Horda_Dourada
29/4/2014, Alexander DONETSKY, Strategic Culture
http://www.strategic-culture.org/news/2014/04/29/what-makes-odessa-rise-in-protest.html