O secretário geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, apelou aos seus colegas da aliança a utilizarem os acontecimentos na Ucrânia como uma desculpa para aumentar gastos militares. Segundo especialistas, a ideia de defesa transatlântica está vivendo um renascimento nos dias de hoje.
Serguei Duz | Voz da Rússia
A anarquia social e a degradação política da Ucrânia dão uma nova oportunidade histórica à OTAN. Existem mesmo suspeitas de que a trágica história do colapso do estado ucraniano foi iniciada justamente para preencher a forma emasculada com um novo conteúdo, cuja essência, como antes, se reduz ao confronto com a Rússia, acredita a analista do Instituto Russo de Estudos Estratégicos Elena Khotikova:
“Se olharmos para a estrutura do orçamento da OTAN, veremos que durante a Guerra Fria os norte-americanos e os europeus gastavam em defesa 50%. E ultimamente, no caso dos EUA esse número cresceu para 75%. Membros da Aliança devem gastar em defesa pelo menos 2% de seu PIB nacional. Mas ultimamente essa regra não tem sido respeitada por todos os países. Entre os recentes aderentes da Europa de Leste – só a Polônia e a Estônia, enquanto alguns países tem gasto menos de 1%.
Podemos supor que os acontecimentos na Ucrânia foram instigados para reiniciar as relações dos EUA com seus aliados europeus, para forçar a Europa a mobilizar recursos internos e investir mais na defesa. Eu acho que isto não está nos interesses da Europa. Mas seja como for, os norte-americanos estão pressionando os europeus para reforçar a ligação transatlântica”.
Um papel especial pertence aos países da Europa do Leste. Eles se juntaram à OTAN há pouco bastante tempo, mas se sentem aliados especiais dos norte-americanos. Estes países estão tentando compensar seu pequeno peso político e econômico através do fortalecimento de laços militares com os norte-americanos, reforçar suas posições através da expansão da OTAN para o Leste.
Numa entrevista à edição alemã Frankfurter Allgemeine Zeitung, Anders Fogh Rasmussen disse que a Rússia atualmente se está comportando mais como um adversário, e não um parceiro. Ela, segundo o secretário-geral da OTAN, aumentou os gastos militares em 30% enquanto que alguns países europeus reduziram-nos em 40%. Avisos semelhantes foram feitos pelo secretário de Estado dos EUA John Kerry e por Chuck Hagel, chefe do Pentágono. Em outras palavras, a opinião pública ocidental está se preparando para uma nova “cruzada” para o Leste, já no verdadeiro sentido da palavra, se tivermos em conta a expansão prevista da aliança, a sua aproximação às fronteiras da Rússia.
Após o agravamento da situação na Ucrânia, o ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu, falou de um aumento sem precedentes da atividade das forças armadas dos EUA e da OTAN na Europa do Leste, perto da fronteira russa. O chefe do Estado Maior russo, Valery Gerasimov, chamou a atenção do chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, Martin Dempsey, para o aumento do número de aviões e tropas norte-americanas nos estados Bálticos e na Polônia e de navios da Aliança no mar Negro.
É óbvio que os EUA estão usando a situação para acertar contas com a Rússia com as mãos de seus satélites europeus e pelo mesmo dinheiro, nota o diretor do Instituto de Planejamento Estratégico e Previsão Alexander Gusev:
“A OTAN está usando os acontecimentos na Ucrânia como um elemento de pressão sobre a opinião pública. Isso e bastante blasfemo. A Rússia há muito propôs a criação de um sistema europeu de segurança coletiva. Mas os países da UE, sob o ditado dos EUA, sempre recusaram isso. E os norte-americanos estão usando o bloco para seus próprios propósitos hegemônicos, promovendo na Europa os seus interesses. Inclusive na Ucrânia. Hoje em dia, a Ucrânia é considerada pela OTAN como uma moeda de troca.
É evidente que este ano já não haverá nenhum aumento em gastos militares. Mas no próximo ano, creio eu, os fundos adicionais para rearmamento serão alocados. O orçamento militar dos EUA para 2014 é de 667 bilhões de dólares. Como dizem os senadores republicanos, no próximo ano ele vai aumentar em 50-60 bilhões. E isso não é o limite”.
Desde o início dos anos 90 do século passado a Organização do Tratado do Atlântico Norte se envolveu “em todo o mundo” ora como um pacificador, ora como um diplomata em tentativas febris de encontrar o sentido de sua existência. A crise ucraniana proporciona-lhe uma oportunidade única de regressar de onde tudo começou há 65 anos.
A OTAN foi fundada em 4 abril de 1949 nos Estados Unidos para defender a Europa “da influência soviética”. A história tende a se repetir. Primeiro como uma tragédia, depois como uma farsa. A atual tentativa de renovar a OTAN poderia parecer cômica se os iniciadores do projeto não tivessem usado como uma cola o sangue do povo ucraniano.