Mais de 70% dos fornecedores de sistemas e componentes para as empresas de defesa ucranianas ficam na Rússia. Mas também a Rússia depende fortemente do Complexo Militar-Industrial ucraniano – a parcela do mercado russo nas exportações ucranianas chega a 60%.
Aleksandr Korolkov | Gazeta Russa
Enquanto competem com produtos acabados nos mercados de armas, a Rússia e a Ucrânia continuam a trabalhar em estreita colaboração na fase de fabricação. Mais de 70% dos fornecedores de sistemas e componentes para as empresas de defesa ucranianas ficam na Rússia. Sem a participação da Rússia, a Ucrânia é capaz de produzir apenas tanques e modelos obsoletos de veículos blindados de transporte de pessoal. Mas também a Rússia depende fortemente do Complexo Militar-Industrial ucraniano – a parcela do mercado russo nas exportações ucranianas chega a 60%.
Após a desagregação da URSS, um dos seus maiores fragmentos, a Ucrânia, além do território e do potencial humano e econômico, herdou uma parte desproporcionalmente grande do legado militar soviético, que incluía as indústrias do Complexo Militar-Industrial (VPK, na sigla em russo), depósitos de armas e até tecnologia de mísseis e ogivas nucleares. Esse potencial permitiu que o jovem Estado firmasse uma posição nos mercados mundiais de armas, que tradicionalmente tinham foco no armamento soviético, fazendo concorrência ao irmão mais velho.
Mas os VPKs da Rússia e da Ucrânia não são simplesmente irmãos, eles se parecem mais com gêmeos siameses que desejam viver de forma independente. A divisão do corpo em comum, criado nos tempos soviéticos, é perigosa para ambos.
No território da Ucrânia permaneceram 3.594 empresas do VPK soviético, nas quais trabalhavam cerca de 3 milhões de pessoas. Quase todas elas estavam ligadas com laços de cooperação às empresas que permaneceram na Rússia, cujo VPK também se encontrava em uma situação caótica e estava sujeito à destruição nos anos 90.
Em 1997, por causa da ausência de pedidos do Estado, o número de empresas de defesa da Ucrânia tinha sido reduzido em cinco vezes. No lugar dos 350 aviões por ano que anteriormente eram produzidos na Ucrânia, a produção caiu para zero; em vez de 800 tanques, nenhum foi produzido em 1994; a construção naval ucraniana, que era responsável por produzir 40% das encomendas, foi praticamente destruída por completo em número de navios na URSS.
No entanto, na Ucrânia, mantiveram-se competitivas a indústria da aviação, a fabricação de tanques e foguetes e a produção adjacente de componentes e conjuntos, sem os quais as empresas russas que haviam saído para os mercados mundiais não podiam passar. Por isso, em meados dos anos 90, as empresas ucranianas que sobreviveram aos tempos difíceis começaram a procurar lucros no estrangeiro.
Os produtores de armas ucranianos conseguiram o seu primeiro grande contrato em 1996, com o Paquistão, que havia sido privado da ajuda militar dos EUA. Eles venceram a concorrência com a Rússia e firmaram um contrato para fornecer 300 tanques T-80 UD às Forças Armadas do país. Naquela ocasião, a grande compra do Paquistão acabou beneficiando a Rússia, pois convenceu definitivamente a Índia da necessidade de comprar o T-90. Além dos tanques, o Paquistão adquiriu compartimentos de transmissão com motores. A parceria entre as duas partes continua até hoje.
A Ucrânia também encontrou o que oferecer ao principal rival do Paquistão, a Índia. Tudo começou em 1995, com o fornecimento de caminhões. Atualmente, já se trata da cooperação na modernização da frota de 900 tanques T-72 e 600 tanques T-55. Aqui os interesses da Ucrânia e da Rússia já se confrontam diretamente.
Os ucranianos até conseguiram penetrar no mais “sagrado” nicho das exportações militares russas, a China, que está muito interessada no Complexo Militar-Industrial ucraniano em termos de obtenção de tecnologia. Em 1994, a Ucrânia forneceu à China 56 mísseis ar-ar e, em 2013, vendeu para China dois gigantescos navios de assalto anfíbios, juntamente com a documentação técnica.
O sucesso seguiu a Ucrânia também nos mercados da Tailândia e do Brasil, onde os vizinhos abertamente tiraram o espaço da Rússia.
Brasil
No Brasil, o lado ucraniano mantém desde 2011 conversações para fornecer veículos blindados de transporte de pessoal Dozor-B, bem como tem intenção de colocar em análise a questão da criação de uma joint venture especializada na produção de veículos blindados. Mas o maior sucesso no país se deu graças ao seu programa espacial.
Em 2011, suplantando os interesses da Agência Espacial Federal Russa (Roscosmos), os ucranianos conseguiram chegar a um acordo com as autoridades locais sobre a construção conjunta de uma base de lançamentos de foguetes e sobre o lançamento de um veículo de lançamento de foguetes ucraniano, o "Ciclone-4".
Como observou o ex-primeiro-ministro Azarov, a parte ucraniana participaria diretamente de todas as fases da elaboração do projeto e da construção da base espacial. O lançamento do primeiro satélite havia sido programado para 2010. Mas a Rússia, que é parceira na produção do veículo de lançamento de foguetes, interveio, e o projeto foi adiado para 2013 ou 2014.
Futuro
Após a mudança de poder em resultado da reviravolta em Kiev, a futura cooperação com Moscou parece nebulosa. No momento atual, a “Ukroboronprom” (associação pública de empresas ligadas à indústria da defesa da Ucrânia) interrompeu as entregas de armas e equipamentos militares para a Federação Russa. As relações neste domínio entre a Rússia e a Ucrânia permanecerão congeladas até o momento em que o conflito seja contido.
Nos últimos anos, a Rússia tomou uma série de medidas para livrar o seu VPK da dependência ucraniana. Em particular, o fornecimento de motores para helicópteros provenientes da Ucrânia começou a ser substituído pela produção interna. De acordo com dados do Ministério da Indústria e do Comércio da Rússia, serão necessários cerca de dois a dois anos e meio para a substituição completa.
A Rússia começou a produção de motores para os aviões de treinamento Iak-130, anteriormente também produzidos na Ucrânia. Os mísseis balísticos modernos Topol-M, Iars e Bulava são desenvolvidos e fabricados pela Rússia sem a participação do Design Bureau Iujnoie (empresa ucraniana desenvolvedora de mísseis e tecnologia espacial).
Durante a criação do novo helicóptero Ka-60, a Rússia abandonou os motores de helicóptero fabricados pela Motor Sich. Ao contrário do sistema de mísseis antiaéreos S-300, no S-400 Triunfo já não são utilizados componentes ucranianos. A Rússia também adquiriu da Ucrânia o direito para a versão de transporte militar dos aviões An-140, que são montados na indústria Aviakor, em Samara.
Na atual situação de confronto, as ameaças de suspender a cooperação técnico-militar podem se transformar em uma ferramenta conveniente para pressão mútua, mas a ruptura definitiva do corpo comum dos gêmeos siameses irá ferir profundamente a indústria russa e trará consequências letais para um grande número de empresas ucranianas.
Enquanto competem com produtos acabados nos mercados de armas, a Rússia e a Ucrânia continuam a trabalhar em estreita colaboração na fase de fabricação. Mais de 70% dos fornecedores de sistemas e componentes para as empresas de defesa ucranianas ficam na Rússia. Sem a participação da Rússia, a Ucrânia é capaz de produzir apenas tanques e modelos obsoletos de veículos blindados de transporte de pessoal. Mas também a Rússia depende fortemente do Complexo Militar-Industrial ucraniano – a parcela do mercado russo nas exportações ucranianas chega a 60%.
Após a desagregação da URSS, um dos seus maiores fragmentos, a Ucrânia, além do território e do potencial humano e econômico, herdou uma parte desproporcionalmente grande do legado militar soviético, que incluía as indústrias do Complexo Militar-Industrial (VPK, na sigla em russo), depósitos de armas e até tecnologia de mísseis e ogivas nucleares. Esse potencial permitiu que o jovem Estado firmasse uma posição nos mercados mundiais de armas, que tradicionalmente tinham foco no armamento soviético, fazendo concorrência ao irmão mais velho.
Mas os VPKs da Rússia e da Ucrânia não são simplesmente irmãos, eles se parecem mais com gêmeos siameses que desejam viver de forma independente. A divisão do corpo em comum, criado nos tempos soviéticos, é perigosa para ambos.
No território da Ucrânia permaneceram 3.594 empresas do VPK soviético, nas quais trabalhavam cerca de 3 milhões de pessoas. Quase todas elas estavam ligadas com laços de cooperação às empresas que permaneceram na Rússia, cujo VPK também se encontrava em uma situação caótica e estava sujeito à destruição nos anos 90.
Em 1997, por causa da ausência de pedidos do Estado, o número de empresas de defesa da Ucrânia tinha sido reduzido em cinco vezes. No lugar dos 350 aviões por ano que anteriormente eram produzidos na Ucrânia, a produção caiu para zero; em vez de 800 tanques, nenhum foi produzido em 1994; a construção naval ucraniana, que era responsável por produzir 40% das encomendas, foi praticamente destruída por completo em número de navios na URSS.
No entanto, na Ucrânia, mantiveram-se competitivas a indústria da aviação, a fabricação de tanques e foguetes e a produção adjacente de componentes e conjuntos, sem os quais as empresas russas que haviam saído para os mercados mundiais não podiam passar. Por isso, em meados dos anos 90, as empresas ucranianas que sobreviveram aos tempos difíceis começaram a procurar lucros no estrangeiro.
Conflitos de interesse
Além da cooperação técnico-militar com a Rússia, predefinida historicamente, os grandes contratos com países da África, Paquistão, Iraque, Índia, Tailândia, China e países da América Latina ajudaram a interromper a destruição em ritmo de avalanche do Complexo Militar-Industrial ucraniano. Foi aí que o jovem exportador de armas começou a ocupar o espaço da Rússia, para quem esses países e regiões representam mercados de extrema importância.Os produtores de armas ucranianos conseguiram o seu primeiro grande contrato em 1996, com o Paquistão, que havia sido privado da ajuda militar dos EUA. Eles venceram a concorrência com a Rússia e firmaram um contrato para fornecer 300 tanques T-80 UD às Forças Armadas do país. Naquela ocasião, a grande compra do Paquistão acabou beneficiando a Rússia, pois convenceu definitivamente a Índia da necessidade de comprar o T-90. Além dos tanques, o Paquistão adquiriu compartimentos de transmissão com motores. A parceria entre as duas partes continua até hoje.
A Ucrânia também encontrou o que oferecer ao principal rival do Paquistão, a Índia. Tudo começou em 1995, com o fornecimento de caminhões. Atualmente, já se trata da cooperação na modernização da frota de 900 tanques T-72 e 600 tanques T-55. Aqui os interesses da Ucrânia e da Rússia já se confrontam diretamente.
Os ucranianos até conseguiram penetrar no mais “sagrado” nicho das exportações militares russas, a China, que está muito interessada no Complexo Militar-Industrial ucraniano em termos de obtenção de tecnologia. Em 1994, a Ucrânia forneceu à China 56 mísseis ar-ar e, em 2013, vendeu para China dois gigantescos navios de assalto anfíbios, juntamente com a documentação técnica.
O sucesso seguiu a Ucrânia também nos mercados da Tailândia e do Brasil, onde os vizinhos abertamente tiraram o espaço da Rússia.
Brasil
No Brasil, o lado ucraniano mantém desde 2011 conversações para fornecer veículos blindados de transporte de pessoal Dozor-B, bem como tem intenção de colocar em análise a questão da criação de uma joint venture especializada na produção de veículos blindados. Mas o maior sucesso no país se deu graças ao seu programa espacial.
Em 2011, suplantando os interesses da Agência Espacial Federal Russa (Roscosmos), os ucranianos conseguiram chegar a um acordo com as autoridades locais sobre a construção conjunta de uma base de lançamentos de foguetes e sobre o lançamento de um veículo de lançamento de foguetes ucraniano, o "Ciclone-4".
Como observou o ex-primeiro-ministro Azarov, a parte ucraniana participaria diretamente de todas as fases da elaboração do projeto e da construção da base espacial. O lançamento do primeiro satélite havia sido programado para 2010. Mas a Rússia, que é parceira na produção do veículo de lançamento de foguetes, interveio, e o projeto foi adiado para 2013 ou 2014.
Futuro
Após a mudança de poder em resultado da reviravolta em Kiev, a futura cooperação com Moscou parece nebulosa. No momento atual, a “Ukroboronprom” (associação pública de empresas ligadas à indústria da defesa da Ucrânia) interrompeu as entregas de armas e equipamentos militares para a Federação Russa. As relações neste domínio entre a Rússia e a Ucrânia permanecerão congeladas até o momento em que o conflito seja contido.
Nos últimos anos, a Rússia tomou uma série de medidas para livrar o seu VPK da dependência ucraniana. Em particular, o fornecimento de motores para helicópteros provenientes da Ucrânia começou a ser substituído pela produção interna. De acordo com dados do Ministério da Indústria e do Comércio da Rússia, serão necessários cerca de dois a dois anos e meio para a substituição completa.
A Rússia começou a produção de motores para os aviões de treinamento Iak-130, anteriormente também produzidos na Ucrânia. Os mísseis balísticos modernos Topol-M, Iars e Bulava são desenvolvidos e fabricados pela Rússia sem a participação do Design Bureau Iujnoie (empresa ucraniana desenvolvedora de mísseis e tecnologia espacial).
Durante a criação do novo helicóptero Ka-60, a Rússia abandonou os motores de helicóptero fabricados pela Motor Sich. Ao contrário do sistema de mísseis antiaéreos S-300, no S-400 Triunfo já não são utilizados componentes ucranianos. A Rússia também adquiriu da Ucrânia o direito para a versão de transporte militar dos aviões An-140, que são montados na indústria Aviakor, em Samara.
Na atual situação de confronto, as ameaças de suspender a cooperação técnico-militar podem se transformar em uma ferramenta conveniente para pressão mútua, mas a ruptura definitiva do corpo comum dos gêmeos siameses irá ferir profundamente a indústria russa e trará consequências letais para um grande número de empresas ucranianas.