Lealdade política e filiação étnica estão interligadas no país, e líderes tiram proveito dessa situação. Verdadeira causa da violência são as reservas de petróleo, afirmam especialistas.
Deutsch Welle
Diante do massacre de centenas de pessoas na cidade sul-sudanesa de Bentiu, resta a pergunta se a intenção dos dois grandes grupos étnicos dos país é liquidar um ao outro. Depois de o conflito entre o presidente Salva Kiir e seu ex-vice Riek Mashar ter evoluído para um violência brutal, com milhares de mortos e dezenas de milhares de refugiados, houve uma radicalização dos grupos rivais.
De acordo com a Missão da ONU no Sudão do Sul (Unmiss), os rebeldes de Mashar atacaram e mataram centenas de civis que se refugiaram numa mesquita, numa igreja e num hospital na semana passada. Somente na mesquita, calcula-se que houve 200 mortos. Muitos deles pertenciam à etnia dinka – a maior do Sudão do Sul e a mesma de Kiir, adversário de Mashar. Este, por sua vez, pertence ao grupo étnico nuer.
Ao mesmo tempo, jovens membros da etnia dinka atacaram um acampamento da Unmiss onde se encontravam principalmente membros do grupo étnico nuer. Ao menos 50 pessoas foram mortas, outras cem ficaram feridas.
Lealdade étnica e interesses políticos
Apesar disso, não se trata em primeira linha de um conflito entre os dinka e os nuer, opina Sarah Tangen, representante da Fundação Friedrich Ebert (ligada ao Partido Social-Democrata da Alemanha) no vizinho Uganda, também responsável pelo Sudão do Sul.
Para ela, o verdadeiro estopim da violência é o conflito político. "No Sudão do Sul, lealdade política e filiação étnica sempre estiveram ligadas. Por esse motivo, é muito difícil separar a dimensão étnica das rivalidades políticas", afirma Tangen.
"Fatores étnicos são facilmente mobilizados em prol de interesses políticos e econômicos e, por essa razão, frequentemente se tira proveito deles para esse fim." E quem faz isso não leva em conta o sofrimento que isso acarreta para a população, comenta Tangen.
Assim, o conflito não teria origem na hostilidade entre as etnias, mas na hostilidade entre os líderes políticos. O pano de fundo é o acesso às grandes reservas de petróleo no norte do país, responsáveis por quase toda a receita do Sudão do Sul. O objetivo dos rebeldes é assumir o controle dessas reservas.
Mas é verdade que há ressentimentos entre os dois grupos étnicos: os nuer se sentem desfavorecidos frente aos dinka (que são numericamente superiores) desde a independência do Sudão do Sul, há quase três anos – por exemplo, na divisão dos cargos políticos e das terras cultiváveis.
Apesar disso, também Ulrich Delius, da ONG Sociedade de Povos Ameaçados, disse acreditar que o conflito não está baseado no ódio entre as etnias. No entanto, devido à violência dos últimos meses, cada vez mais os membros de uma etnia veem as pessoas do outro grupo étnico como agressores. "O problema é que, para as pessoas comuns, tudo isso se apresenta como um conflito étnico", diz Delius.
O resultado é que as pessoas somente se sentem seguras no ambiente da própria etnia, o que eleva a importância do fator étnico na definição da identidade pessoal e também alimenta o ódio à outra etnia – um círculo vicioso fatal.
Mashar se apresenta como conciliador
O líder rebelde Mashar apresenta a situação de uma maneira bem diferente. Há poucas semanas, ele declarou em entrevista à DW: "Com mais de 60 povos, o Sudão do Sul é um país de grande diversidade étnica. Nós queremos reunir essa diversidade para formar um Estado viável."
Tangen diz ver nessas declarações uma retórica inteligente para tranquilizar os países estrangeiros. "Eu não acredito que ele tenha interesse em pacificar o país." Se quisesse mesmo evitar uma espiral de violência, Mashar teria sinalizado disposição para conversar desde o início dos confrontos. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário, argumenta Tangen.
Enquanto isso, representantes do governo sul-sudanês e dos rebeldes se encontram na vizinha Etiópia. Em Adis-Abeba, eles deverão dar prosseguimento às negociações interrompidas no mês passado. É improvável que as discussões levem a um acordo: até agora, as partes conflitantes não puderam chegar nem mesmo a uma agenda comum. A União Africana fixou um prazo até 30 de abril para que se chegue a um acordo, mas não há ameaças de sanções em caso de fracasso.