A República da Crimeia e a cidade de Sevastopol regressaram para a Rússia. Já correm relatos de que os trabalhadores da república do Mar Negro receberão o mesmo salário que seus colegas de outras regiões da Federação Russa, que a aposentadoria dos veteranos duplicará, que as escolas e universidades vão passar a lecionar de acordo com os programas russos... É com otimismo que se espera por muitos acontecimentos naquela república. Embora ainda existam problemas sérios para resolver.
Víktor Litóvkin, especial para Gazeta Russa
Um deles é o destino dos oficiais, membros da Marinha e alferes das Forças Armadas ucranianas que servem na Crimeia. Por um lado, Kiev ordena não abandonar as suas unidades militares, mesmo se a vida e a saúde dos soldados corra perigo, e ordena o uso das armas se necessário. Por outro, alguns políticos na capital ucraniana falam da necessidade da retirada das unidades militares ucranianas do território da península e da criação de uma zona desmilitarizada na região. Acredita-se que essa é precisamente a proposta que o Ministério dos Assuntos Exteriores da Ucrânia está preparando para apresentar no Conselho de Segurança da ONU.
O que vai acontecer com os militares ucranianos?
As autoridades da república da Crimeia dizem que os mais de 20 mil militares ucranianos na região têm duas opções. A primeira seria se demitirem do Exército da Ucrânia e passarem para o serviço das forças de autodefesa da Crimeia e, posteriormente, serem integrados ao Exército russo e à frota do Mar Negro, mantendo a mesma patente militar e um soldo bem maior do que aquele recebido no Exército ucraniano. Para os que não querem servir a Crimeia e à Rússia há outra saída: voltar para a Ucrânia.
Aos soldados que desejam deixar a Crimeia, as autoridades de Simferopol estão prontas para pagar um subsídio correspondente a três meses de salário e comprar o bilhete de trem para a cidade de destino. Mas existe um obstáculo sério à implementação desta proposta: nenhum oficial ucraniano, membro da Marinha ou alferes pode deixar o seu posto, a menos que receba uma ordem de Kiev. Caso contrário, será considerado desertor, com todas as consequências daí decorrentes.
Qual a saída para esta situação? As autoridades da Crimeia teriam que entregar a cada um desses militares do Exército ou da Marinha ucraniana uma notificação de deportação por eles servirem um Exército que se encontra agora ilegalmente no território da península. Este documento serviria como uma espécie de indulto para o caso de haver futuras acusações da procuradoria ucraniana.
É verdade que os militares ucranianos (exceto os soldados do serviço de emergência) têm uma terceira opção. Aqueles que não querem mais servir no Exército russo ou ucraniano podem escrever uma carta de renúncia e pedir demissão das Forças Armadas. Essa possibilidade está ao alcance de todos aqueles que têm residência na Crimeia e que já serviram durante o período mínimo para a aposentadoria, que lhes seria garantida pela lei russa.
Equipamento militar
Mas, além dos mais de 20 mil soldados ucranianos, na Crimeia ficou também bastante equipamento militar pertencente ao Exército da Ucrânia. De acordo com diferentes estimativas, estaríamos falando de no mínimo 30 navios de guerra e embarcações de apoio, 150 veículos blindados e 50 tanques, 60 caças MiG-29 e aeronaves de treinamento L-39, 20 helicópteros, 60 mísseis antiaéreos de longo alcance S-300 e 40 mísseis antiaéreos de médio e curto alcance Buk-M1 e Thor, além dos sistemas de defesa costeira... Fica difícil dizer se tudo isso ficará ou não como "herança" para o Exército russo.
Ao longo dos últimos 20 anos, não houve qualquer modernização no armamento do Exército ucraniano, inclusive daquele que está na Crimeia. A julgar pelas palavras dos próprios pilotos militares ucranianos, dos 40 caças MiG-29 estacionados na base aérea de Belbek, perto de Sevastopol, apenas cinco estão em condições de voar.
O estado dos navios da Marinha de guerra da Ucrânia e de suas embarcações de apoio requer uma discussão à parte. Hoje, a maioria desses barcos está bloqueado nas baías de Sevastopol. Por exemplo, as corvetas Ternopil e Lutsk, os navios de comando Slavutich e o único submarino da Ucrânia, o Zaparojie, acabaram ficando “prisioneiros” no local. Na base naval militar do sul, no lago Donuzlav, perto de Evpatoria, estão atracados junto ao muro a grande lancha de desembarque Konstantin Olshanski, a lancha média de desembarque Kirovograd, a corveta Vinnitsa, o transportador Gorlovka, os navios mineiros Tchernigov e Tcherkasi, o navio varredor costeiro Guenitchesk e uma dúzia de outras embarcações. Todos eles têm a saída para o mar barrada pelo navio antissubmarino Otchakov e pelo rebocador Shakhtar, que esperam a desmontagem para aproveitamento do metal e que, entretanto, foram afundados no estreito.
É evidente que eles podem ser retirados dali, mas isso exige tempo e gastos consideráveis, e não se sabe ainda a quem caberá essa tarefa. Caso Moscou decida devolver a Kiev as embarcações bloqueadas, essa função caberá à Marinha ucraniana. Mas se eles ficarem na Crimeia como troféu, será a frota russa do Mar Negro quem terá que levá-los. Tudo isto será objeto de negociação, mas, depois de as novas autoridades ucranianas, sem acordo prévio, terem capturado dezenas de caminhões Kamaz russos que se destinavam ao Cazaquistão, o destino dos navios na baía de Sevastopol pode não ser tão óbvio quanto parece.
Vale ressaltar que alguns desses navios são bastante antigos e necessitam de sérias reparações e modernização, mas só se poderá falar disso depois que seu destino for decido. E há ainda a questão de onde reparar esses navios, bem como os navios da frota do Mar Negro. Na Crimeia existem algumas empresas de construção e reparação naval que, embora bem decentes, se encontram muito negligenciadas. Entre elas está o 13º estaleiro de Sevastopol, o estaleito Zaliv, em Kertch, e o estaleiro Môrie, em Feodosia.
Um desses exemplos é o estaleiro de Sevastopol, que tempos atrás empregou 12 mil pessoas e hoje conta com uma equipe de apenas 200 especialistas. Até recentemente, a empresa não aceitava embarcações da frota do Mar Negro para reparação, e marinheiros de guerra russos eram obrigados a reparar seus barcos até mesmo na Bulgária, que aderiu à Otan.