O presidente da República Sérvia da Bósnia, Milorad Dodik, concedeu uma entrevista exclusiva à Voz da Rússia. Ele compartilhou a sua opinião sobre a situação na Ucrânia e o referendo na Crimeia.
Timur Blokhin | Voz da Rússia
Milorad Dodik acaba de chegar a Moscou a fim de encetar conversações com os dirigentes políticos e representantes dos círculos de negócios, assim como para assistir à cerimônia da entrega do prêmio do Fundo Internacional da Unidade dos Povos Ortodoxos "Pelo estabelecimento e promoção dos valores cristãos na vida da sociedade". Este prêmio já foi conferido a Vladimir Putin, Dmitri Medvedev, Emir Kusturica e Novak Djokovic.
– O que espera do referendo na Crimeia?
– A chamada "revolução laranja" apoderou-se da Ucrânia. Os que conduziram o país à situação que temos hoje guiaram-se por interesses geoestratégicos e pelo desejo de substituir as legítimas autoridades de Kiev. Note-se que a Ucrânia tem estado na zona de turbulência logo desde o momento do desmoronamento da União Soviética. A Ucrânia é um Estado de composição complicada com diversos grupos étnicos e valores políticos. Por isso, este modo de solução dos problemas resulta muito perigoso. Foi também por isso que a chamada "revolução laranja" não proporcionou nada de bom a ninguém - da mesma maneira que no norte de África. As desordens na Ucrânia eram apoiadas de fora. Uma prova disso são os chamados "encontros de coordenação" no auge dos protestos entre a oposição local e altos representantes da União Europeia e dos EUA.
Soubemos das palestras de dignitários da União Europeia que os atiradores furtivos de Kiev foram obra dos próprios organizadores dos protestos. Se esta informação for confirmada, ficará claro que todo o processo na Ucrânia foi totalmente ilegítimo e imposto de fora.
Quanto à Crimeia, esta península pertencia historicamente à Rússia e foi entregue à Ucrânia mediante uma decisão aventureira de Khrushchev. Esta decisão foi evidentemente errada. Por alguma razão o Ocidente não teve pejo de adotar esta decisão dos líderes comunistas como algo consumado, mesmo se ela não correspondesse à situação real e pudesse gerar problemas nas futuras relações.
Está absolutamente claro que o povo da Crimeia quer liberdade, especialmente se levarmos em consideração que as decisões e leis das novas autoridades da Ucrânia são francamente discriminatórias em relação a ele. Estou a favor de que a Crimeia resolva, ela própria, como ela quer viver. Eu, pessoalmente, considero o referendo como manifestação legal da vontade do povo e o seu resultado será absolutamente legítimo.
– A Rússia advertiu reiteradas vezes que o caso de Kosovo foi um precedente. Agora assistimos a processos que confirmam a justeza da posição de Moscou?
– Certamente, o Kosovo é um precedente. A chamada independência foi proclamada por um grupo informal, chamado de "skupschina" do Kosovo. Neste país não houve qualquer referendo, a sua realização era, inclusive, impossível na parte norte do país, pois os sérvios que a habitam não participariam dele.
A República da Sérvia optou pela estratégia duradoura de luta pelos seus direitos. Um dia vamos promover certamente o referendo, mas é preciso escolher o momento com cuidado. A nossa situação é muito delicada: é preciso aguentar e esperar, é preciso saber renunciar muita coisa.
– Num certo sentido, a Crimeia é modelo para vocês?
– O próprio fato de realização do referendo na Crimeia é prova de que se confirma o princípio de autodeterminação, que constitui um dos fundamentos da ONU, e que foi violado tantas vezes. Os grandes jogadores mundiais exigem, quando necessitam da integridade territorial, a sua observância, mas quando necessitam do princípio de autodeterminação, afirmam que a independência do Kosovo é um fenômeno normal. No caso da Crimeia, eles insistem na observância do princípio de integridade territorial.
Tudo depende dos interesses geoestratégicos da Europa e da América. O mundo da grande política sabia há muito que a Crimeia é um ponto doloroso. Todos souberam sempre que a Crimeia quer uma integração maior com a Rússia ou, inclusive, passar a ser parte integrante da Rússia. Quando na Ucrânia começaram as desordens, este problema veio à tona novamente. O caso da Crimeia vai criar uma nova prática no mundo. Já vemos processos similares que se passam em diversos territórios, desde a Catalunha até à Escócia.
Acredito na capacidade da população da Crimeia de promover o referendo pacificamente. Quem não reconhecer os seus resultados, vai afirmar em qualquer hipótese que o referendo não foi honesto. Por isso, é preciso que haja um número possivelmente maior de observadores eleitorais imparciais que constatem que as pessoas votaram por sua livre e espontânea vontade e que ninguém foi vítima de pressão política.