No século 20, o destino dos cossacos foi trágico: eles estiveram tanto entre as vítimas como entre os algozes. Divididos por guerras e revoluções, realizaram muitas proezas e cometeram muitas das atrocidades. A Gazeta Russa traçou a história dos cossacos após a revolução de 1917, na Rússia e no exterior.
Gueórgui Manaev | Gazeta Russa
Em um dia quente de verão no ano de 1914, foi dado o alarme nas aldeias de cossacos da Rússia. Eles saíram cavalgando levando na mão uma pequena bandeira vermelha, o sinal de que a mobilização começara. Ao vê-los, as pessoas deixavam o seu trabalho no campo e se apressavam em voltar para casa a fim de equipar-se para a campanha da Primeira Guerra Mundial, que mudou o destino de toda a Rússia.
“Não queremos defender os grandes senhores de terras”
Os cossacos, que no início do século 20 somavam aproximadamente 4 milhões de pessoas, desde tempos imemoriais mantiveram uma tradição militar em suas famílias: eram excelentes cavaleiros e guerreiros ágeis e destemidos. Sua lealdade ao governo foi assegurada pela isenção de quase todos os impostos e taxas, além de educação e saúde gratuitas. No entanto, a maioria dos cossacos comuns vivia na pobreza. A única fonte de renda era a terra que eles cultivavam ou arrendavam.
Os cossacos, que consideravam que o herdeiro do trono era o seu líder supremo (ataman), eram um dos principais pilares do poder na Rússia. Eles foram usados ativamente para dispersar manifestações e reprimir os camponeses e trabalhadores durante a revolução de 1905. Mas parte deles se recusou a ir contra o povo e defender os grandes proprietários de terras. Em algumas aldeias, oprimidos pela pobreza, os cossacos até se atreveram a se manifestar contra o governo. E, então, veio a Primeira Guerra Mundial.
Proeza desperdiçada
A notícia sobre o cossaco Kozma Kriutchkov, que juntamente com três companheiros devastou um pelotão de 27 pessoas da cavalaria alemã, se espalhou por toda a Europa. Na Primeira Guerra Mundial, Kriutchkov se tornou a primeira pessoa a ser condecorada por bravura com a Cruz de São George e, ao todo, mais de 120 mil cossacos receberam as condecorações de São George ao longo da guerra.
Enquanto isso, as aldeias, que ficaram sem os pais de família, estavam entrando em decadência. O governo perdeu totalmente o apoio dos cossacos –quando aconteceu a revolução de fevereiro de 1917, algumas unidades de cossacos, direcionadas para a dispersão de manifestantes, não só se recusavam a cumprir ordens, como também passaram para o lado dos rebeldes. Em outubro de 1917, o Governo Provisório, liderado por Kerenski, foi derrubado pelos bolcheviques, sendo que muitas unidades de cossacos de São Petersburgo passaram para o lado deles.
A revolução dividiu os cossacos. Os primeiros decretos dos "vermelhos" foram recebidos com aprovação pela massa de cossacos pobres – os bolcheviques anunciaram que a Rússia havia saído da guerra e prometeram dar terra aos cossacos e não interferir nos seus assuntos, caso eles não se manifestassem contra o poder soviético. No entanto, o principal foco de resistência aos Sovietes surgiu precisamente no coração da Rússia dos cossacos, nas margens do Rio Don.
Em 1918, o General Piotr Krasnov, que vinha de uma antiga estirpe de cossacos, liderou a resistência do exército do Don, o exército cossaco mais temível e independente. Krasnov anulou os decretos dos bolcheviques e declarou que as terras em que estava o exército constituíam um Estado independente e que ele era o seu ditador. Foram fuzilados de 25 mil a 40 mil cossacos “vermelhos” e outros 30 mil foram deportados.
Krasnov enviou um telegrama ao imperador alemão com a proposta de cooperação em troca do reconhecimento de seu "Estado". Berlim enviou muitos vagões de armas para Krasnov, mas após a retirada da Alemanha, o “reino” de Krasnov se desintegrou e ele foi forçado a fugir. Em 1920, a resistência dos cossacos já havia sido eliminada.
Os bolcheviques começaram a eliminação dos cossacos como uma classe hostil ao poder soviético. Os cossacos eram fuzilados, e famílias inteiras eram transferidas para outros territórios para "diluir" a sua comunidade social. Em 1922, as terras que haviam pertencido às tropas cossacas passaram a integrar as repúblicas soviéticas. Mas isso estava longe de ser o fim dos cossacos.
O inimigo interno
No final dos anos 1930, a União Soviética começou a se preparar para a guerra. Foram revogadas as restrições que impediam os cossacos de servir no exército vermelho e eles foram autorizados a usar o uniforme de cossaco. Empobrecidos, iam para a guerra com armas brancas e com os cavalos exaustos dos kolkhozes (fazendas coletivas). Mas isso não os tornava desprovidos de coragem: eles saltavam das selas sobre os tanques blindados, tapavam as fendas para a visão com as fardas e, usando uma solução inflamável, ateavam fogo aos tanques.
Antes da Segunda Guerra Mundial, algumas divisões da cavalaria receberam o status de “dos cossacos”, apesar do fato de os cossacos serem uma minoria em sua composição. Até mesmo a palavra "cossaco" fazia com que o inimigo ficasse aterrorizado.
No entanto, eles não lutaram somente do lado da União Soviética. A propaganda alemã seduzia os cossacos com a ideia de uma revanche pela guerra civil perdida e a promessa de criação de um Estado cossaco independente, a Kazakia. Os cossacos que haviam emigrado e a população de cossacos das áreas capturadas entraram para as fileiras das tropas do Reich. A eles se juntou o General Krasnov.
Em maio de 1945, a Alemanha se rendeu. O corpo independente de cossacos recebeu a ordem de atravessar os Alpes e ir para a Áustria para render-se aos britânicos. Churchill, Stálin e Roosevelt combinaram que os ex-cidadãos da URSS capturados pelos aliados e que haviam lutado ao lado do inimigo deveriam ser entregues às tropas soviéticas.
Após a travessia dos Alpes sob a liderança de Krasnov, os cossacos entregaram as armas e foram alocados em campos de prisioneiros de guerra, perto da cidade de Lienz. A "extradição" começou no dia 28 de maio. Durante um serviço religioso oferecido para a massa de prisioneiros, as tropas britânicas lançaram-se sobre os cossacos e, espancando-os cruelmente, começaram a colocá-los em caminhões que transportavam os prisioneiros para o território ocupado pelos soviéticos. Isso durou duas semanas. De acordo com diferentes dados, foram entregues entre 40 mil e 60 mil pessoas, sendo que mais de 1.000 foram mortas por oferecerem resistência.
Os líderes dos cossacos que lutaram do lado dos alemães, Krasnov, Andrêi Shkuro, Von Pannwitz e outros, foram enforcados em Moscou, em 1947. Os prisioneiros que foram entregues, incluindo as mulheres, foram enviados para os campos soviéticos e submetidos a pesados trabalhos correcionais. Em 1955, os sobreviventes receberam anistia. Eles viveram e trabalharam na URSS, escondendo cuidadosamente o seu passado.