Após a crise na Ucrânia, a comunidade internacional voltou a prestar atenção à situação de segurança no espaço pós-soviético, algo geralmente ignorado pelo Ocidente, exceto casos específicos em que os conflitos congelados reemergem com força, como aconteceu com a guerra russo-georgiana em agosto de 2008.
Francisco J. Ruiz, especial para Gazeta Russa
É paradoxal observar que as disputas entre Moscou e Kiev em torno da Crimeia pareciam resolvidas desde 1997, ao contrário dos contínuos conflitos entre a Armênia e o Azerbaijão sobre a região de Nagorno-Karabakh, considerados muito mais perigosos e difíceis de resolver.
A Rússia desempenhou um papel importante nessa disputa, tanto na fase da guerra aberta entre 1991 e 1994, como nos esforços empreendidos pela comunidade internacional para alcançar a paz duradoura.
A União Soviética realizou uma política de contínuo redesenho das fronteiras administrativas internas, com o objetivo de filtrar as diferenças entre os povos e impedir quaisquer conflitos.
Na sequência, Nagorno-Karabakh, onde os armênios de etnia indo-europeia e religião cristã constituem mais de 75% da população, foi integrado como território autônomo na República Socialista Soviética do Azerbaijão, cuja população é etnicamente altaica e de religião muçulmana.
O conflito era inevitável. Assim, em 1988, durante o período da Perestroika, a assembleia local de Stepanakert aprovou uma resolução solicitando a reunificação com a Armênia.
Essa decisão foi rejeitada pelo Azerbaijão, que, em 1991, começou uma operação militar contra os separatistas. A guerra durou até 1994, com os armênios não só mantendo o controle do enclave, mas também conquistando os sete distritos circunvizinhos, cerca de 20% do território do Azerbaijão.
Um total de 25 mil pessoas foram mortas e cerca de 600 mil tiveram que abandonar suas casas por causa dos combates. A linha de separação entre armênios e azeris é uma das mais militarizadas do mundo e até agora dezenas de pessoas morrem a cada ano nesse território.
Os interesses e o papel da Rússia
O papel da Federação Russa nesse conflito foi especialmente complexo, porque o país tem fortes laços históricos tanto com a Armênia (entia e religião), como com o Azerbaijão (recursos energéticos do Cáspio).
A posição oficial da Rússia durante o conflito era neutra; na prática, o país forneceu equipamentos militares a ambas as partes do conflito.
Além disso, a Rússia tem 102 bases militares no território da Armênia e suas tropas controlam a fronteira com a Turquia e com o Irã. No Azerbaijão, a Rússia tem o radar Qabala, destinado a detectar o lançamento de mísseis balísticos do oceano Índico. No entanto, o radar foi abandonado em 2013 devido a discordâncias com Baku sobre o preço do aluguel.
Entre 2008 e 2011, o então presidente russo, Dmítri Medvedev, realizou nove reuniões trilaterais para resolver o conflito. Com o retorno de Pútin ao Kremlin, a Rússia começou uma política de dividir e reinar entre Baku e Erevan de novo, mantendo um equilíbrio complexo de interesses russos.
Isso tornou-se evidente em agosto de 2013, quando o presidente russo visitou o Azerbaijão, elogiando o crescimento econômico e a modernização do país e assinando novos e importantes acordos comerciais.
O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, aproveitou a oportunidade para protestar contra a ocupação armênia de parte do seu território, mas Pútin não comentou o protesto.
Poucos dias depois dessa visita, o presidente armênio, Serzh Sargsian, declarou em Moscou que o seu país iria se juntar à União Aduaneira da Rússia, Bielorússia e Cazaquistão. Isso significava na prática a renúncia ao Acordo de Associação com a União Europeia, cuja assinatura foi prevista para a Cúpula da Associação Oriental em Vilnius, em novembro.
Em dezembro, durante a visita oficial de Pútin à Armênia, as partes ratificaram a nova direção da política externa, assinaram novos acordos econômicos, reduziram os preços do gás e do petróleo e afirmaram que o comércio aumentará em 22%.
No entanto, o mais importante é a completa dependência armênia da Rússia no âmbito da segurança. Ao contrário do Azerbaijão, a Armênia pertence à Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que inclui uma cláusula de defesa mútua em caso de ataque a um dos seus membros, um compromisso também assumido pela Rússia nos acordos bilaterais em 2010.
Conclusões
Os princípios da resolução desse conflito foram estabelecidos pelo Grupo de Minsk, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa: a devolução dos sete distritos do Azerbaijão, estatuto provisório que garantia a segurança e o autogoverno da região, manutenção de um corredor que une fisicamente a região com a Armênia, a realização de um referendo sobre o estatuto final do enclave e o regresso das pessoas deslocadas às suas casas.
No entanto, a Armênia e o Azerbaijão não concordam com a forma de implementar essas medidas e o conflito arraigado continua a existir.
Agora, a Rússia tenta manter o status quo, porque um possível ataque a obrigaria a intervir militarmente, o que quebraria os laços comerciais com Baku.
Nas condições de sanções econômicas, a Rússia obviamente vai tentar excluir essa possibilidade.
Muito bom esses artigos postados sobre a crise da Crimeia. Gostei muito deste artigo, em particular, que corrobora o anterior, chamado "O sonho da supremacia norte-americana foi enterrado na Crimeia", que é também excelente e desvelador.
ResponderExcluirParabéns pelo blog!
Valeu, Sérgio. Mui grato. Procuro mostrar outros pontos de vista sobre um mesmo tema.
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