O presidente civil de Venezuela mostrou todo seu apoio aos uniformizados para a repressão aos manifestantes
Ewald Scharfenberg | El País
O Governo de Nicolás Maduro deu no último sábado um passo mais que simbólico para a instauração de uma nova ordem na Venezuela, ao convocar uma marcha em Caracas em apoio “à família militar” e “à paz”.
Desde quando, em fevereiro passado, começou a onda de protestos que por mais de um mês manteve em xeque às principais cidades do país, transbordam as acusações sobre as violações dos direitos humanos contra os manifestantes, perpetradas, em sua maioria, por membros da Guarda Nacional. De modo que, em apoio ao corpo de oficiais, um dos componentes das forças armadas venezuelanas – e estas, por sua vez, a principal base de apoio para um regime que costuma se definir como cívico-militar -, organizou um ato no qual os manifestantes eram, principalmente, militares. Ou, ao menos, milhares de pessoas vestidas com fardas.
Na ofensiva militarista do chavismo, que se fez mais marcada, por paradoxo, desde a morte de Hugo Chávez – ele mesmo, um ex-tenente coronel do exército -, o civil Nicolás Maduro se rodeou de servidores públicos militares. Sobre o palanque instalado no Paseo de Los Próceres, em Caracas, um circuito para desfiles militares construído pela última ditadura em Venezuela, a do general Marcos Pérez Jiménez (1952-58), Maduro, com a camisa vermelha característica de seu movimento político, se destacava no meio de um mar de quepes verde oliva. Abaixo, o público formava um tapete também verde, com alguns pingos caqui – a cor das milícias bolivarianas - e vermelho – o dos militantes de base chavistas -.
Em frente a esse público, o governante venezuelano optou por um tom ameaçador e severo. Como comandante em chefe das forças armadas, autorizou publicamente aos uniformizados a responder pelo Twitter a quem publicasse mensagens difamatórios contra a Guarda Nacional ou qualquer outro corpo militar. “Vamos ao combate também pelas redes sociais”, afirmou.
Deu, além disso, um ultimato “de poucas horas” para que os obstinados manifestantes, aos quais o próprio Maduro chamou em público de Chukis – em referência à série de terror de Hollywood -, abandonassem suas posições na praça Altamira de Caracas e em todo o município Chacao ou “irei eu mesmo libertar” esses bastiões da oposição. Disse já ter traçado um plano para liberar a região, onde diariamente se registram confrontos entre jovens manifestantes e agentes antimotins da Guardaa Nacional e da Polícia Nacional.
No início da noite deste sábado em Caracas, a partir esses pontos quentes da capital venezuelana, informava-se sobre uma nova ofensiva das forças militares. Além do arsenal de gases químicos já usual, bem como da exibição de veículos blindados, soube-se que os agentes atuam com a ordem de deter a todos os que se encontrem na rua durante os distúrbios. Não era fácil determinar se já se tratava da aplicação do plano anunciado por Maduro.
Ao mesmo tempo, eram registrados fortes choques nas Torres del Saladillo, no centro da cidade de Maracaibo, capital do estado de Zulia (ocidente de Venezuela).
Maduro assegurou que das 28 mortes que até agora são contabilizadas pelo balanço oficial de vítimas durante a crise, a maioria “são culpa dasguarimbas”, nome crioulo com o qual ele se refere às barricadas de rua. Ele disse ainda que apenas em um caso, que não precisou, se investiga a Guarda Nacional. Esta versão contradiz os múltiplos depoimentos recolhidos por meios de imprensa escritos e organizações de direitos humanos que atribuem uma proporção principal dos assassinatos a esse corpo militar policial e aos chamados “coletivos” ou grupos de choque armados do governo.
O sucessor de Hugo Chávez na presidência venezuelana elogiou o trabalho, que já havia qualificado como impecável, da Guarda Nacional, cuja “atuação firme poupou a Venezuela do que buscava o fascismo, um massacre do povo”.
Citando cifras do Comando Estratégico Operacional da Forças Armadas, Maduro informou que durante os 31 dias de desordens foram usados 20.000 efetivos da Guarda Nacional em todo o país, para um total de 16.000 “atuações”. Que nessa quantidade só tenha havido um único possível excesso é, para o presidente venezuelano, um indício do profissionalismo com o qual os agentes teriam se comportado. “E é preciso ver o que eles têm que aguentar”, disse, referindo-se às provocações que os militares estariam enfrentando em trabalho e através de meios tradicionais e cibernéticos.
No palanque, estavam a viúva e a mãe do capitão Renzor Bracho Bravo, morto na quarta-feira por um disparo enquanto participava do controle dos distúrbios na cidade de Valencia, capital do estado de Carabobo. Maduro abraçou as duas, pouco depois de oferecer a elas condolências. Bracho está entre os três membros da Guardaa Nacional mortos durante o mês de protestos.
Maduro não deixou de apelar durante o evento à veia nacionalista dos uniformizados. Sobre isso, destacou que a Venezuela e a América do Sul serão para os Estados Unidos “muito pior que o Vietnã” se o país se atrever a invadir. Afirmou contar com informação direta de pessoas “ da Casa Branca” preocupadas que a administração Obama cometa o mesmo erro de John F. Kennedy quando em 1961 deu luz verde para a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, com combatentes anticastristas com apoio dos Estados Unidos.
Disse saber por essas mesmas fontes que sobre o escritório do presidente norte-americano aguardava a autorização “para assassinar Nicolás Maduro”. A enésima denuncia de um possível atentado contra ele serviu a Maduro para lembrar aos militares venezuelanos seus deveres de “passar para a outra fase da luta se este governo for derrotado, entendem o que digo?”, repetindo a advertência feita na noite anterior, de que os militares venezuelanos passariam à luta clandestina neste caso.
“O lobby miamero [de Miami] e republicano está propondo sanções contra nossa nação. Bom, tomem as sanções que vocês queiram. Somente digo a você, presidente Obama, que vai meter em um caminho sem volta”, aconselhou a seu colega norte-americano.
Em frente a essas ameaças, Maduro se disse disposto a participar de uma “comissão de alto nível para a paz e o respeito da soberania” que eventualmente reúna um alto representante do Governo dos Estados Unidos, ao presidente do Suriname, Dési Bouterse –em seu atual papel de presidente da Unasul (União de Nações Sul-Américas)- , e a um delegado venezuelano, para mudar o rumo das relações dos Estados Unidos com a Venezuela “e, se possível, com toda América Latina, de aqui até o final do século XXI”.
Como um gesto de boa vontade, Maduro nomeou de imediato como representante venezuelano Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. Cabello, um ex-tenente do exército, é o número dois do chavismo e encabeça uma de suas facções internas, militarista e conectada ao mundo empresarial coloquialmente conhecido na Venezuela como a boliburguesía.
“Fazemos isso por ti, Obama”, disse Maduro. Por enquanto não se conhecem as reações de Washington à proposta.
Na sexta-feira, o chanceler venezuelano, Elías Jaua, chamava John Kerry, secretário de Estado norte-americano de “assassino do povo venezuelano”. Venezuela sustenta que os protestos em todo o país não é mais do que a expressão de um plano para derrotar o Governo de Maduro orquestrado pelos Estados Unidos.
O Governo de Nicolás Maduro deu no último sábado um passo mais que simbólico para a instauração de uma nova ordem na Venezuela, ao convocar uma marcha em Caracas em apoio “à família militar” e “à paz”.
Desde quando, em fevereiro passado, começou a onda de protestos que por mais de um mês manteve em xeque às principais cidades do país, transbordam as acusações sobre as violações dos direitos humanos contra os manifestantes, perpetradas, em sua maioria, por membros da Guarda Nacional. De modo que, em apoio ao corpo de oficiais, um dos componentes das forças armadas venezuelanas – e estas, por sua vez, a principal base de apoio para um regime que costuma se definir como cívico-militar -, organizou um ato no qual os manifestantes eram, principalmente, militares. Ou, ao menos, milhares de pessoas vestidas com fardas.
Na ofensiva militarista do chavismo, que se fez mais marcada, por paradoxo, desde a morte de Hugo Chávez – ele mesmo, um ex-tenente coronel do exército -, o civil Nicolás Maduro se rodeou de servidores públicos militares. Sobre o palanque instalado no Paseo de Los Próceres, em Caracas, um circuito para desfiles militares construído pela última ditadura em Venezuela, a do general Marcos Pérez Jiménez (1952-58), Maduro, com a camisa vermelha característica de seu movimento político, se destacava no meio de um mar de quepes verde oliva. Abaixo, o público formava um tapete também verde, com alguns pingos caqui – a cor das milícias bolivarianas - e vermelho – o dos militantes de base chavistas -.
Em frente a esse público, o governante venezuelano optou por um tom ameaçador e severo. Como comandante em chefe das forças armadas, autorizou publicamente aos uniformizados a responder pelo Twitter a quem publicasse mensagens difamatórios contra a Guarda Nacional ou qualquer outro corpo militar. “Vamos ao combate também pelas redes sociais”, afirmou.
Deu, além disso, um ultimato “de poucas horas” para que os obstinados manifestantes, aos quais o próprio Maduro chamou em público de Chukis – em referência à série de terror de Hollywood -, abandonassem suas posições na praça Altamira de Caracas e em todo o município Chacao ou “irei eu mesmo libertar” esses bastiões da oposição. Disse já ter traçado um plano para liberar a região, onde diariamente se registram confrontos entre jovens manifestantes e agentes antimotins da Guardaa Nacional e da Polícia Nacional.
No início da noite deste sábado em Caracas, a partir esses pontos quentes da capital venezuelana, informava-se sobre uma nova ofensiva das forças militares. Além do arsenal de gases químicos já usual, bem como da exibição de veículos blindados, soube-se que os agentes atuam com a ordem de deter a todos os que se encontrem na rua durante os distúrbios. Não era fácil determinar se já se tratava da aplicação do plano anunciado por Maduro.
Ao mesmo tempo, eram registrados fortes choques nas Torres del Saladillo, no centro da cidade de Maracaibo, capital do estado de Zulia (ocidente de Venezuela).
Maduro assegurou que das 28 mortes que até agora são contabilizadas pelo balanço oficial de vítimas durante a crise, a maioria “são culpa dasguarimbas”, nome crioulo com o qual ele se refere às barricadas de rua. Ele disse ainda que apenas em um caso, que não precisou, se investiga a Guarda Nacional. Esta versão contradiz os múltiplos depoimentos recolhidos por meios de imprensa escritos e organizações de direitos humanos que atribuem uma proporção principal dos assassinatos a esse corpo militar policial e aos chamados “coletivos” ou grupos de choque armados do governo.
O sucessor de Hugo Chávez na presidência venezuelana elogiou o trabalho, que já havia qualificado como impecável, da Guarda Nacional, cuja “atuação firme poupou a Venezuela do que buscava o fascismo, um massacre do povo”.
Citando cifras do Comando Estratégico Operacional da Forças Armadas, Maduro informou que durante os 31 dias de desordens foram usados 20.000 efetivos da Guarda Nacional em todo o país, para um total de 16.000 “atuações”. Que nessa quantidade só tenha havido um único possível excesso é, para o presidente venezuelano, um indício do profissionalismo com o qual os agentes teriam se comportado. “E é preciso ver o que eles têm que aguentar”, disse, referindo-se às provocações que os militares estariam enfrentando em trabalho e através de meios tradicionais e cibernéticos.
No palanque, estavam a viúva e a mãe do capitão Renzor Bracho Bravo, morto na quarta-feira por um disparo enquanto participava do controle dos distúrbios na cidade de Valencia, capital do estado de Carabobo. Maduro abraçou as duas, pouco depois de oferecer a elas condolências. Bracho está entre os três membros da Guardaa Nacional mortos durante o mês de protestos.
Maduro não deixou de apelar durante o evento à veia nacionalista dos uniformizados. Sobre isso, destacou que a Venezuela e a América do Sul serão para os Estados Unidos “muito pior que o Vietnã” se o país se atrever a invadir. Afirmou contar com informação direta de pessoas “ da Casa Branca” preocupadas que a administração Obama cometa o mesmo erro de John F. Kennedy quando em 1961 deu luz verde para a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, com combatentes anticastristas com apoio dos Estados Unidos.
Disse saber por essas mesmas fontes que sobre o escritório do presidente norte-americano aguardava a autorização “para assassinar Nicolás Maduro”. A enésima denuncia de um possível atentado contra ele serviu a Maduro para lembrar aos militares venezuelanos seus deveres de “passar para a outra fase da luta se este governo for derrotado, entendem o que digo?”, repetindo a advertência feita na noite anterior, de que os militares venezuelanos passariam à luta clandestina neste caso.
“O lobby miamero [de Miami] e republicano está propondo sanções contra nossa nação. Bom, tomem as sanções que vocês queiram. Somente digo a você, presidente Obama, que vai meter em um caminho sem volta”, aconselhou a seu colega norte-americano.
Em frente a essas ameaças, Maduro se disse disposto a participar de uma “comissão de alto nível para a paz e o respeito da soberania” que eventualmente reúna um alto representante do Governo dos Estados Unidos, ao presidente do Suriname, Dési Bouterse –em seu atual papel de presidente da Unasul (União de Nações Sul-Américas)- , e a um delegado venezuelano, para mudar o rumo das relações dos Estados Unidos com a Venezuela “e, se possível, com toda América Latina, de aqui até o final do século XXI”.
Como um gesto de boa vontade, Maduro nomeou de imediato como representante venezuelano Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. Cabello, um ex-tenente do exército, é o número dois do chavismo e encabeça uma de suas facções internas, militarista e conectada ao mundo empresarial coloquialmente conhecido na Venezuela como a boliburguesía.
“Fazemos isso por ti, Obama”, disse Maduro. Por enquanto não se conhecem as reações de Washington à proposta.
Na sexta-feira, o chanceler venezuelano, Elías Jaua, chamava John Kerry, secretário de Estado norte-americano de “assassino do povo venezuelano”. Venezuela sustenta que os protestos em todo o país não é mais do que a expressão de um plano para derrotar o Governo de Maduro orquestrado pelos Estados Unidos.