O jornalista especializado em assuntos militares revela o prejuízo que o atraso na definição do vencedor do programa “F-X2” causou à Força Aérea. E como esse dano irá se revelar, a partir do final de 2016.
Roberto Lopes | DefesaNet
A fixação do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva em comprar aos franceses o caça que deveria renovar a aviação de combate da Força Aérea Brasileira – ainda que o modelo fosse caríssimo e, possivelmente, de operação inviável no país (devido precisamente aos custos) –, e a inapetência de sua sucessora para resolver o problema, produziram uma indiscutível vulnerabilidade para a Defesa Nacional. Um dano que, segundo planejadores do Comando da Aeronáutica, irá se manifestar, de forma gradual e crescente, entre o fim de 2016 e a primeira metade da década de 2020.
De acordo com esse raciocínio, dentro de mais dois anos tudo o que os esquadrões de caça terão de efetivamente moderno será uma dúzia de caças suecos Gripen usados, alocados por empréstimo à Base Aérea de Anápolis (GO), um dos pilares do esquema de proteção do Distrito Federal.
A frota de jatos supersônicos F-5 modernizados hoje disponível na Aeronáutica – menos de 50 aparelhos – terá, por aquela época, começado a sentir o desgaste de um período de uso excessivamente longo.
Fabricados nos Estados Unidos na década de 1970, esses aviões começaram a ser reformados em 2001. Os primeiros aparelhos submetidos ao processo de atualização foram devolvidos à FAB a partir de setembro de 2005, e os últimos em março de 2013. Resta recuperar um pequeno lote de jatos F-5 procedentes da Jordânia – pouco mais de dez.
As quantidades magras para guarnecer os céus de um território de dimensões comparáveis às de um continente não são, entretanto, o único problema. E nem, talvez, o mais grave.
Poucos sabem, mas a área de material da Aeronáutica acumula indícios de que a reforma dos F-5 não ficou 100% (limitações que, por motivos óbvios, são mantidas sob sigilo). Além disso, vários modelos de jatos executivos modernos alcançam uma rapidez de deslocamento muito próxima à velocidade de cruzeiro dos antiquados caças de origem americana.
Sobram, claro, aos militares brasileiros, os aviões de ataque AMX (A-1), que em 2016 também estarão sendo revitalizados, mas esses são aparelhos subsônicos – bons, por exemplo, para reconhecimentos aéreos e bombardeios a baixa altitude –, e não jatos de alta performance, próprios para a interceptação de outras aeronaves.
Então, no fim de 2016, os primeiros F-5 começarão a emitir sinais indisfarçáveis de cansaço, e precisarão ser groundeados – deixados no chão. Mantê-los em operação acarretará risco desnecessário para os pilotos (como já aconteceu, anos atrás, no caso do fim da vida útil das aeronaves Xavante) e rotina de manutenção antieconômica.
O problema vai se agravar em 2017, e mais ainda em 2018, quando, na melhor das hipóteses, receberemos diretamente da Suécia quatro ou cinco Gripen Next Generation (Próxima Geração), do tipo que venceu a concorrência F-X2 – um agrupamento ínfimo de caças “no estado da arte” para a tarefa de vigiar o vasto espaço aéreo brasileiro.
O cobertor continuará encurtando em 2019 e por todo o início dos anos de 2020 – quando os F-5s já estiverem sendo desativados em um ritmo crescente, e os Gripen (agora fabricados pela Embraer) pingando nos esquadrões da Aeronáutica com a velocidade de um conta-gotas...
O que Lula e Dilma fizeram foi, portanto, errar no timing da renovação da aviação de combate da FAB. Mas é preciso dizer que eles não são os únicos responsáveis pelo estrago.
A renovação do elemento de combate da FAB poderia ter sido concluída no começo da década de 2000 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, não fosse ele ter capitulado aos argumentos do então ministro da Fazenda, Pedro Malan – um intrépido adversário dos gastos militares. É exemplar o episódio do fim dos anos de 1990, em que o Comando da Marinha solicitou que o BNDES fornecesse crédito para o governo da Namíbia encomendar um navio-patrulha à indústria naval nacional, e Malan (do alto de seus conhecimentos sobre geopolítica) negou peremptoriamente a ajuda, sob a alegação de que o empréstimo não era “de valor estratégico” para o Brasil.
Satisfeito por evitar contrair para o Tesouro uma dívida de bilhões de dólares na compra dos caças, FHC arranjou uma esquiva semântica e legou a batata quente ao sucessor.
Uma forma de o governo brasileiro sanar a vulnerabilidade que se abrirá nos céus do país durante o período do esgotamento dos caças F-5 modernizados e de entrada em operação dos Gripen NG (F-X2) seria fazer, logo no início de 2015, uma compra direta (com dispensa de concorrência) de algum jato supersônico de 3ª geração, usado – mas de aviônica consideravelmente atualizada –, com valor unitário baixo, na faixa dos 20 a 30 milhões de dólares. Mediante o compromisso de o fornecedor entregar os aparelhos no prazo máximo de 15 a 18 meses após a assinatura do contrato.
Uma dúzia dessas aeronaves sediada entre a Amazônia e o centro-oeste do país daria mais consistência ao escudo de defesa da Amazônia Ocidental – que a FAB montou sobre o arco geográfico São Gabriel da Cachoeira-Eirunepé-Vilhena – e à proteção dos 6.418 km de fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia.
Mas o acolhimento dessa linha de ação parece muito improvável, especialmente entre governantes que levaram quase três mandatos para dar um desfecho ao Programa F-X2...
É preciso, contudo, enfatizar, que a alternativa aventada não implicaria em incentivo a uma corrida armamentista na América do Sul, até porque a inferioridade do elemento de combate da aviação militar brasileira é conhecida há mais de 20 anos. O Brasil, sétima economia de maior vitalidade do planeta, tem, hoje, equipamentos de defesa aérea de menor sofisticação que os de Chile, Peru ou Venezuela.
Além do mais, três nações vizinhas do Brasil já anunciaram sua intenção de, nos próximos três ou quatro anos, adquirir novos caças: o Peru – que tem uma oferta de modelos Typhoon dos estoques espanhóis; a Colômbia, cujos pilotos já foram, inclusive, experimentar os F-16 americanos; e a Venezuela, que apregoa seu interesse pelo caro Rafale (mas deve optar por um modelo russo ou chinês).
Há quase meio século governantes civis e militares não conseguem pensar a Força Aérea Brasileira dentro de um conceito efetivo – puro – de Força.
Alguns brigadeiros colaboraram decisivamente para esse equívoco, ao defenderem que sua corporação se metesse a gerenciar limpeza de aeroporto, repartição da malha aeroviária entre as companhias aéreas e investigação de acidentes aeronáuticos (tarefa que, desde a década de 2000, já deveria ter sido transferida à responsabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil).
Historicamente, o que tem predominado é a ênfase na “Força Brasileira de Transporte Aéreo”, distorção derivada do convencimento de que “o Brasil não tem inimigos” – e que nos anos da ditadura militar evoluiu para o conceito voluntarista de “Força Aérea de Integração Nacional”.
A questão é que a FAB precisa ser vista (no país e, especialmente, fora dele) como um martelo voador.
Recentemente o comandante da FAB, brigadeiro Juniti Saito, admitiu: os Gripen NG “não são aviões que assustem, mas eles saberão se fazer respeitar”.
Antigo piloto de caças a jato da década de 1970 e 80, Saito sabe, perfeitamente, que já passou da hora de a Força Aérea se impor, e dissuadir traficantes de tóxicos, pilotos do crime transnacional (que servem ao contrabando de armas e à evasão de valores e de fugitivos da Justiça) e vizinhos atrevidos.
Enfim, é preciso assustar.
Roberto Lopes
Jornalista especializado em assuntos militares. Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, em Washington (Fort Leslie F. McNair). É também pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Etnicidade, Racismo e Discriminação da Universidade de São Paulo.Autor de vários livros, em maio de 2001 publicou a monografia“Oportunidade para Civis na Condução dos Assuntos da Defesa Nacional: o Caso do Brasil”.