José Niemeyer comenta opção brasileira pelo caça Gripen da Suécia

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A opção brasileira pelos aviões de caça suecos na licitação que contrapôs caças americanos e franceses e, no início, também os russos Sukhoi mostra, além de uma disputa técnica, também uma nova atitude de política externa do Brasil. 


Arnaldo Risemberg | Voz da Rússia


Esta é a opinião do Professor José Niemeyer, diretor dos cursos de Relações Exteriores do Ibmec, prestigiado instituto de economia do Brasil. O Professor Niemeyer fala também dos bastidores da política brasileira nas ações que resultaram na compra dos 36 aviões Gripen, da fábrica sueca Saab.

– Como você analisa a escolha pelo governo brasileiro do avião Gripen da Suécia para o fornecimento dos aviões militares e renovação da Força Aérea Brasileira?

– Não era uma escolha esperada, na verdade a maior expectativa era em relação a uma parceria com a França. Houve uma mudança no rumo das negociações que não ficou muito clara. Acho importante a gente pensar esse acordo entre Brasil e Suécia por duas perspectivas.

Primeiramente, pela perspectiva estratégico-militar, visto que o Gripen é um avião menor, mais leve, com menor autonomia de combate. Ele vai ficar localizado em Anápolis e a gente tem que entender que de Anápolis ele terá uma autonomia que vai chegar às margens da fronteira com a Venezuela, às margens da costa brasileira, às margens da Amazônia, e também ao sul do país. Ou seja, o raio dele vai ser um raio de menor alcance comparado, por exemplo, ao Sukhoi que foi cogitado no começo da licitação, tendo também uma autonomia menor do que o avião norte-americano e que o avião francês.

Do ponto de vista técnico, tem uma outra questão que é a troca de tecnologia, que foi uma variável estratégica para a aeronáutica brasileira. A troca de tecnologia no setor militar sempre foi muito importante, mas hoje ganha uma importância especial porque o mundo caminha para o que a gente chama de sistema multilateral aberto, então não faz muito sentido países que não detêm tecnologia aceitarem uma imposição de não haver troca de tecnologia. Se o mundo caminha para um multilateralismo aberto, ficou mais fácil do ponto de vista diplomático para os países que não detêm tecnologia negociar tecnologia, tanto no campo civil quanto no militar, para acabar um pouco com aquele engessamento norte-sul entre os possuidores de tecnologia e dos não possuidores de tecnologia.

Tem uma questão importante também, além da troca de tecnologia, é o tamanho do contrato. Parece que durante o termo do contrato, a compra pode chegar a 160 aeronaves. Então é um acordo interessante do ponto de vista da quantidade e da qualidade do recurso de poder, que no caso é o avião. Agora partindo do aspecto da viabilidade política do acordo, esse acordo terá que ser melhor analisado no tempo e no espaço. Pois o Brasil optou por um avião sueco, e não por um avião norte-americano ou francês.

Nesse caso, a ação brasileira é uma ação alternativa, pois os Estados Unidos sempre foram parceiros estratégicos do Brasil, principalmente no campo da Segurança do Estado e segurança regional. E a França, que foi, principalmente durante o segundo mandato do governo Lula, tratada como principal parceiro do Brasil, inclusive há um acordo entre Brasil e França para construção e aprimoramento dos nossos submarinos convencionais, os Tucuna. Ou seja, a França já tem uma parceria com o Brasil no campo militar, assim como a Itália teve no passado.

– Aliás, Brasil já comprou à França os porta-aviões São Paulo.

– Há um acordo para a melhoria e produção de submarinos convencionais entre Brasil e França. Portanto, era esperado que o avião fosse o francês, mas o Brasil escolheu o caminho do meio, e isso não tem jeito, nas relações internacionais isso implica um risco. Até porque tem um outro complicador, pois a França e os Estados Unidos são competidores no campo estratégico militar. A França não acompanha os Estados Unidos em todas as decisões no Conselho de Segurança da ONU. A França tem uma autonomia militar desde a Segunda Guerra Mundial. A França faz testes nucleares, e tem uma forma muito controlada de realizar esses testes, o que sempre incomoda os Estados Unidos e vice-versa. A França investe muito em energia nuclear para fins civis.

Portanto, quando a gente analisa o que a França e os Estados Unidos pensam em relação à potência do Estado, os dois países não são necessariamente países parceiros. Eles têm agendas no campo da potência do Estado muito específicas. Foi uma ação alternativa o Brasil buscar um avião sueco. Agora, é um avião europeu.

– Por que motivo, na sua opinião, foram necessários cinco mandatos presidenciais brasileiros, dois do Fernando Henrique Cardoso, dois do Lula e um da presidente Dilma Rousseff, para a escolha do avião sueco para a substituição da Força Aérea brasileira? Você partilha da opinião de que os Estados Unidos foram descartados em função das denúncias do Edward Snowden de que o Brasil foi espionado pelos Estados Unidos?

– Eu vou começar pela segunda pergunta. Acho que a questão do Snowden foi fundamental para a decisão de não comprar o avião norte-americano. Os militares brasileiros devem ter começado a perceber que seria muito fácil para o setor de segurança e informação americano conseguir ter algum controle sobre a forma de como o Brasil utilizaria os aviões, pois a aviônica de uma aeronave está muito ligada à questão da comunicação. Se o Brasil está sendo investigado naquele nível, também não é difícil controlar um meio militar.

E a primeira questão tem a ver com algo até hoje se discute no Brasil, que é como a sociedade brasileira entende o gasto militar. Portanto, quando temos outras questões da área das políticas públicas para serem resolvidas, na área da educação, saúde, segurança pública, talvez o tempo que se levou para tomar a decisão tenha muito a ver com esse cuidado com a opinião pública.

– Qual seria a repercussão?

– A opinião pública poderia não gostar do gasto, pois é um gasto considerável. Outro ponto importante também é que a compra do avião sueco mostra uma leve divisão dentro do executivo federal, dentro do governo brasileiro.

Pois o ministro da Defesa, Celso Amorim, é uma pessoa de inteira confiança de Lula. Foi ministro das Relações Exteriores quando a França foi colocada como principal parceira no acordo de compra dos caças, depois volta como ministro da Defesa, mas parece que o que prevaleceu foi a decisão da equipe técnica da Força Aérea. Acho que aí tem uma disputa muito interessante dentro do governo, dentro dos grupos que formam o governo.

Por exemplo, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, que foi ministro do Trabalho no governo Lula, é considerado um nome muito forte como uma futura presidência, e a informação que eu tenho é que já há uma fábrica da Saab, montadora que de caminhões e que monta o Gripen, ali naquela região do ABC paulista. Eu soube que Marinho fazia um movimento já há algum tempo para o Gripen fosse o vencedor da licitação. Inclusive, até criando numa Universidade, em São Bernardo, um grupo pra se estudar as questões ligadas à defesa nacional, estudos estratégicos, para já começar a mostrar dentro da cidade a importância da compra desses aviões. Ele foi à Suécia pessoalmente fazer um lobby, visitando a Rainha da Suécia, o Rei da Suécia. E essa foi uma vitória de Luiz Marinho, porque o avião vai ter que ser montado, você terá que fabricar algumas peças, vai criar toda uma indústria direta e indireta pra esse processo, e isso vai ficar centrado ali em São Bernardo. Portanto, é uma grande vitória de Luiz Marinho, inclusive eu diria que, do ponto de vista político, é o maior vencedor.

Então isso é importante, porque a gente começa a perceber que no PT começa a surgir uma nova geração de lideranças que vai se colocar à disposição do Partido e Luiz Marinho é um deles. Outro ponto importante é discutir por que o Brasil decidiu essa ação mais alternativa de comprar um avião sueco. Será que Ministério da Defesa, a Abin (Agência Brasileira da Inteligência), a presidência da república, o gabinete de segurança nacional, o conselho de defesa nacional, perceberam que o Brasil tem espaço nesse mundo que caminha para um multilateralismo aberto, que o Brasil tem espaço pra ocupar, e que seria mais interessante que Brasil tivesse mais autonomia em um momento como esse? E a compra do Gripen traz mais autonomia para o Brasil? Isso tem que ser pensado.

No último domingo, na Folha de São Paulo, o Fernando Henrique escreveu um artigo interessante, no qual ele defendeu que o Brasil volte a ter um relacionamento mais próximo com os Estados Unidos e com a Europa, e que não fique tratando a política externa como uma política pública, uma política de estado destop and go, de se aproximar de alguns países, aí depois volta, se aproxima, tenta recuperar o Mercosul, ao mesmo tempo quer uma aproximação com os países do norte do continente, depois tem alguns acordos com a Europa, mas ao mesmo tempo não abre mão de ter um relacionamento com a China e com a Índia. E isso faz parte do multilateralismo aberto que eu falo, porém o Fernando Henrique quer deixar claro, e eu concordo com ele, que em diplomacia o tempo e recursos são esgotáveis. Nós não temos diplomatas suficientes para fazer acordo com todo e qualquer país. Também não temos tempo pra isso. A negociação exige tempo.

Isso mostra bem o que o PSDB pensa em relação à política externa se voltar ao poder. O PSDB tem uma visão mais focada de política externa, principalmente com os seus parceiros tradicionais, Estados Unidos e Europa, e tentar melhorar as relações do Brasil com os países do Sul, principalmente a partir do Mercosul. E a compra do Gripen, se a gente for analisar as notícias da imprensa argentina, pode mostrar pro nosso principal parceiro no sul, que é a Argentina, e também a Venezuela (agora também no Mercosul), que o Brasil está buscando uma autonomia de criar um autonomia de acordos com países alternativos, e não com França e Estados Unidos. E isso pode incentivar Argentina e Venezuela a fazerem o mesmo, ou incentivar, por exemplo, a Argentina a ter uma postura mais próxima dos Estados Unidos. Então, a Venezuela pode pensar o seguinte: o Brasil tá buscando uma postura mais alternativa se aproximando da Suécia, então o governo venezuelano pode solidificar ainda mais a sua parceria com a Rússia no campo estratégico-militar.

Então a ação como essa do Brasil pode fazer com que outros países da América Latina, principalmente Argentina e Venezuela, comecem a buscar também acordos alternativos no campo da segurança e da defesa nacional. Então por mais que o Brasil não seja um player relevante no campo da segurança internacional, e definitivamente não é, e Suécia também não é, pois é uma fornecedora de tecnologia militar, eu sinto que nós vamos precisar de um bom tempo para ver como ficam as relações Brasil-Estados Unidos, pois acordos como esses refletem também em acordos de comércio, acordos de cooperação econômica, acordos de troca de tecnologia no campo civil.

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