DE BRASÍLIA - FOLHA DE SP
O ministro da Defesa, Celso Amorim, afirma que o acordo sobre energia nuclear alinhavado em 2010 pelo Brasil e pela Turquia com o Irã era mais duro do que o atual, que acaba de ser anunciado.
Em certa medida, a negociação mediada em 2010 atenderia também mais aos interesses dos Estados Unidos do que o acerto do último domingo, assinado em Genebra entre Irã e o chamado P5+1 (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China).
Em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL, Amorim afirmou que "foram três anos perdidos" desde a iniciativa liderada por Brasil e Turquia. "Do ponto de vista dos países ocidentais e dos Estados Unidos, aquele acordo [de 2010] era muito simples, muito matemático. Era tudo muito verificável", diz o ministro da Defesa, que foi durante oito anos (2003-2012) o titular da pasta de Relações Exteriores no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
A diferença básica e mais relevante entre o acordo ensaiado em 2010 e o que foi firmado agora diz respeito a quem faria o enriquecimento do urânio. Há três anos, o Irã havia concordado em outorgar a outro país essa tarefa. Pelo tratado atual, os próprios iranianos ficarão incumbidos dessa operação e depois se submeterão a algum tipo de fiscalização.
"Eu diria que o Irã estava fazendo uma concessão, naquela época, que não precisou fazer agora", afirma Celso Amorim, que participou diretamente de toda a negociação em 2010. Naquele momento, o acordo acabou não prosperando porque o presidente dos EUA, Barack Obama, preferiu não levar as conversas adiante.
Ao analisar a razão pela qual as coisas não andaram há três anos, Amorim afirma ser "tentador dar vários tipos de resposta". O que torna tudo mais difícil de ser interpretado é que Brasil e Turquia obtiveram do Irã "exatamente aquilo que o presidente Obama tinha pedido", diz o ministro da Defesa. O desejo norte-americano foi detalhado em uma carta do próprio Obama a Lula.
Fatores políticos dentro dos EUA acabaram inviabilizando a execução final do acordo em 2010. Barack Obama ainda estava no seu primeiro mandato e precisava garantir o apoio de todas as alas de seu partido à época, inclusive os mais conservadores que enxergavam com reticência um acordo nuclear com o Irã.
"Política interna e política internacional estão ligadas. Então há relacionamentos internacionais dos Estados Unidos que têm reflexo na política interna", declara Amorim. Essa conjuntura acabou sendo "absolutamente preponderante" para o insucesso de três anos atrás.
HAITI
Líder de uma missão militar da ONU no Haiti desde 2004, o Brasil não será "uma guarda pretoriana de nenhum presidente haitiano". O ministro da Defesa afirma, entretanto, que o país não poderá "sair de uma maneira irresponsável" do território haitiano.
"Estamos fazendo uma retirada num ritmo bastante razoável. O Brasil tinha originalmente 1.200 homens. Esse número subiu para 2.300, mais ou menos. Já diminuímos cerca de 700 nos últimos dois anos e meio".
E quando será a retirada completa? "O que é desejável é que depois da próxima eleição [no Haiti], que deve ocorrer em dois, três anos, a gente esteja preparado para sair. E que o Haiti tenha a sua polícia nacional formada", responde o ministro.
COPA DO MUNDO
O Ministério da Defesa deve enviar tropas com cerca de 1.400 homens para cada uma das 12 cidades-sede da Copa do Mundo no ano que vem. Segundo Amorim, esse número pode aumentar, "dependendo da necessidade" e das circunstâncias.
Ele afirma que o tamanho desse contingente é semelhante ao que as Forças Armadas já utilizaram na Copa das Confederações, que o Brasil hospedou na metade deste ano e serviu de teste para o evento de 2014.
Todas as ações ficarão sob a coordenação do Estado-Maior conjunto das Forças Armadas no Ministério da Defesa. Essas tropas são, diz o ministro, "de contingência para a hipótese de as forças de segurança pública não darem conta do recado, digamos, em alguma situação por qualquer motivo que seja".
Amorim explica que as forças de contingência participaram de eventos recentes como a visita do papa Francisco ao Rio, quando houve a decretação do que é chamado tecnicamente de Garantia da Lei e da Ordem -- durante a missa realizada na praia de Copacabana.
"São dois tipos de trabalho: um trabalho que é típico e específico das Forças Armadas e o outro que é de contingência, que é para ser treinado também, porque contingência esperamos que não ocorra mas pode ocorrer, e aí a gente trabalha muito em coordenação com o Ministério da Justiça", explica o ministro.
O orçamento total do Ministério da Defesa para a Copa do Mundo (que já começou a ser gasto na Copa das Confederações) é de R$ 700 milhões. A Polícia Federal recebeu uma verba de aproximadamente R$ 1 bilhão para se preparar para esse evento.
Grande parte desse dinheiro é para aparelhar as tropas e muitas vezes o resultado fica invisível para o público em geral.
"Vou dizer uma coisa muito importante, graças a Deus nunca ocorreu, mas a gente tem que ter: instrumentos para proteção no caso de um ataque químico, biológico ou nuclear", diz.
Durante a Copa das Confederações, "nem tudo foi possível comprar". Agora, as Forças Armadas estão em fase de adquirir mais equipamentos. Um desses equipamentos são baterias antiaéreas que devem ser colocadas próximas aos estádios nos quais serão realizados os jogos da Copa do Mundo.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha/UOL - De que forma as Forças Armadas vão atuar em eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas?
Celso Amorim - Isso não é qualitativamente diferente do que a gente já fez na Copa das Confederações, na visita do papa e na Rio+20. É uma questão de escala, sobretudo no caso da Copa do Mundo, que será mais dispersa. São 12 cidades. No caso das Olimpíadas, ao contrário, será mais concentrado. Será o Rio. Cada um terá a sua característica. Recebemos um orçamento para fortalecer a capacidade
Qual é o valor do orçamento?
Acho que é mais ou menos R$ 700 milhões. A Polícia Federal recebeu outro tanto, mais ainda, R$ 1 bilhão, mais ou menos.
R$ 700 milhões, no caso, para a Copa do Mundo?
Copa do Mundo, não. Copa do Mundo incluindo o que já foi gasto na Copa das Confederações. Agora deixe-me dizer uma coisa. Nós temos dois tipos de trabalho que as Forças Armadas fazem.
Um é dentro da sua missão específica, que é a proteção do país: proteção do espaço aéreo, navios protegendo o litoral, a defesa cibernética, defesa química, biológica. Isso é da competência, não diria total, em alguns casos exclusiva e alguns casos não exclusiva, mas primordial, das Forças Armadas.
Nós temos também um preparo de contingência para a hipótese das forças de segurança pública não darem conta do recado, digamos, em alguma situação por qualquer motivo que seja. Então, nós teremos uma força de contingência que poderá participar. Foi o que ocorreu na visita do Papa, quando houve a decretação, o nome técnico é Garantia da Lei e da Ordem, no Rio de Janeiro, na parte da missa que era prevista para Guaratiba e acabou se realizando em Copacabana.
São dois tipos de trabalho: um trabalho que é típico e específico das Forças Armadas e o outro que é de contingência, que é para ser treinado também, porque contingência esperamos que não ocorra mas pode ocorrer, e aí a gente trabalha muito em coordenação com o Ministério da Justiça.
Há um número para quantificar essa força de contingência?
Na Copa das Confederações eram cerca de 1.200, variava um pouco de lugar para lugar. Cerca de 1.200 a 1.400 homens em cada lugar da Copa. Isso era só de contingência. Não posso garantir o número exato da Copa do Mundo. Suponho que seja semelhante, mas dependendo da necessidade, mais
Essa ação toda das Forças Armadas fica sob a coordenação do Estado-Maior conjunto das Forças Armadas no Ministério da Defesa.
E o orçamento de R$ 700 milhões: a maior parte ficou para a Copa do Mundo ou é mais ou menos equivalente ao usado na Copa das Confederações?
São coisas utilizáveis para as duas. Por exemplo, vou dizer uma coisa muito importante, graças a Deus nunca ocorreu, mas a gente tem que ter: instrumentos para proteção no caso de um ataque químico, biológico ou nuclear. O que serviu para uma, servirá para outra. Mas nem tudo foi possível comprar da primeira, então vamos adquirir mais equipamentos. Refiro-me, sobretudo, a equipamentos.
Acaba de ser anunciado um acordo entre Irã e outras seis potências no mundo: Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha, Reino Unido e França. Esse acordo fez muita gente se lembrar do acordo que foi mediado por Brasil e Turquia, em 2010, e que depois não foi adiante.
Você quer que eu receba isso com um sorriso?
Por que foi para frente agora e não foi para frente em 2010?
É tentador dar vários tipos de resposta aqui. A pergunta, independentemente da comparação, já se fazia por que não foi para frente em 2010 se na realidade o que nós obtivemos do Irã era exatamente aquilo que o presidente Obama tinha pedido que obtivéssemos do Irã.
Houve fatores políticos, dentro dos Estados Unidos. Porque nós não inventamos aquele acordo. É preciso que se diga. O que o Brasil conseguiu junto com a Turquia foi, usando o seu poder de persuasão e de conversa, levar o Irã a aceitar aquilo que os Estados Unidos, eles próprios juntamente com os outros quatro, mais um de agora, já tinham proposto antes.
São fatores políticos. Não gostaria de especular muito, mas talvez o segundo mandato do presidente Obama. Ele se sinta mais livre para ter iniciativas e levá-las adiante.
O sr. acha que no primeiro mandato de Barack Obama ter feito esse acordo, por meio de Turquia e Brasil, seria demeritório para ele, do ponto de vista da política interna?
Acho que ele talvez não achasse isso, mas talvez houvesse gente dentro do governo dele que achasse isso. E ao fazer lá o cálculo de todos os prós e contras...
Estou dizendo aqui uma coisa que ninguém me disse, nem dirá. Mas se ele escreveu para o presidente Lula, três semanas antes da nossa ida, dizendo que era fundamental um acordo naqueles termos e foi obtido um acordo naqueles termos. O acordo, na realidade, esse agora, sob vários aspectos é mais favorável ao Irã do que era aquele. O Irã está muito feliz, por exemplo, com o fato que não vai ter que mandar urânio enriquecido para fora. E o nosso tinha que mandar 1.200 quilos, que era mais ou menos a metade do que o Irã tinha, para fora para ser depositado na Turquia.
O Irã não ia receber nem urânio. Ia receber as pastilhas para o seu reator de pesquisa que produz isótopos medicinais.
Mas eu não acho isso [o acordo atual] ruim. Acho que é excelente. Primeiro deixe-me saudar o acordo.
Fico muito feliz que o acordo tenha chegado a um bom termo. Acho que esse acordo, se for levado adiante, vai criar uma atmosfera diferente que pode ajudar inclusive em outros assuntos do Oriente Médio, como a Síria.
Você querer resolver o problema da Síria sem a participação do Irã é totalmente inviável. Não é questão de ser bom ou mau, de gostar ou não gostar. É uma questão de realidade. Acho que foi muito positivo.
Por outro lado, a declaração [de 2010], naquela época, volto a dizer, era para criar confiança. Teria que continuar falando de inspeções e outros aspectos do qual se não tratava. Mas se tivesse havido aquilo o Irã não estaria hoje com seis ou sete toneladas de urânio levemente enriquecido. Não teria duzentos a trezentos quilos de urânio enriquecido a 20%. Hoje você tem na realidade uma situação mais complicada. Acho que foi fazendo também os Estados Unidos e os demais países verem que era indispensável ter o acordo, porque a única opção é ruim para todo mundo.
A política interna americana foi preponderante para o fracasso de 2010?
Política interna, como você sabe, e política internacional estão ligadas. Então há relacionamentos internacionais dos Estados Unidos que têm reflexo na política interna. Não é só política interna, é política interna e política internacional também. Acho que foi absolutamente preponderante.
Veja, a carta do presidente dos Estados Unidos, tudo que estava lá. O que havia naquela época eram duas linhas que eles estavam perseguindo. Que era a declaração de Teerã, seria mais pacífica, ou as sanções, a intimidação. Naquele momento, o governo americano, o Departamento de Estado, percebeu que talvez ia conseguir o apoio da China e da Rússia para as sanções --em troca de não me pergunte o quê. Quando se chegou a esse ponto talvez eles tenham preferido aquele caminho. Acharam que a declaração então ia atrapalhar. Isso talvez fosse uma visão.
Você sabe que os governos não são monolíticos. Pode ter ocorrido alguma divergência. No final das contas, na dúvida, resolveu se jogar no seguro e o seguro é sempre intimidar e não estimular.
O acordo de 2010 era, em certa medida, melhor do que esse de agora? É isso o que sr. está dizendo?
Não dá para eu fazer essa comparação exatamente. Acho que, do ponto de vista dos países ocidentais e dos Estados Unidos, aquele acordo era muito simples, muito matemático. Então era tudo muito verificável. Era quantidade, tempo e lugar. Então o Irã se comprometia a mandar 1.200 quilos para fora do Irã e, imediatamente
1.200 quilos de urânio?
...De urânio levemente enriquecido. Naquela época, urânio enriquecido a 20% eles mal haviam começado. Claro que depois teria que tratar disso também, como também teria que tratar do estoque acumulado. Então aquilo era abertura para uma criação de confiança em um momento que seria muito melhor porque teria muito menos urânio no Irã, por um lado. Por outro lado, a concordância deles, que foi um dos aspectos mais difíceis de conseguir convencê-los a mandar para fora do Irã, porque eles acharam que isso violava a sua soberania [do Irã]. Agora é difícil dizer porque o momento é outro.
Os termos que foram tratados em 2010 eram mais vantajosos para o ponto de vista americano? É isso que o sr. está dizendo?
É. Em um aspecto, sim. E no momento em que era mais fácil fazer isso. Por outro lado, o acordo agora para ser absolutamente honesto tem cláusulas que dizem respeito a inspeções dentro do Irã. Essas cláusulas não eram tratadas naquele acordo [de 2010]. Por que aquele acordo era para criar confiança, dar um passo muito firme, muito verificável adiante. Aí essas outras questões teriam que ser discutidas, como era óbvio, tanto para o Irã como para os demais.
Então, em algum aspecto, nesse da quantidade de urânio, certamente, o acordo de 2010 era mais favorável. O Irã estava fazendo uma concessão, naquela época, que não precisou fazer agora. Não quero fazer uma comparação matemática porque os momentos são diferentes. As quantidades são diferentes, o envolvimento político também é mais amplo.
Ainda assim, havia um acordo em 2010. Perdeu-se tempo?
Perdeu-se. Disso não tenho a menor dúvida. O fato é esse.
Naquela época o Irã tinha, discute-se, 2.000, 2.400 quilos, pouco mais de duas toneladas de urânio levemente enriquecido. Não tinha praticamente nada enriquecido a 20%. Agora tinha muito mais em todo o sentido. Então foram três anos perdidos.
O Brasil vai comprar três baterias antiaéreas da Rússia e o preço anunciado foi de, aproximadamente, US$ 1 bilhão. Esse valor é adequado?
Isso vai se dar em fases. Não é uma compra de uma única vez. Também não será só compra. A ideia é uma parceira em que se vai, desde o início, utilizar equipamento brasileiro. Por exemplo, radares de comando e controle serão brasileiros. Radares específicos de tiros serão russos por não termos ainda capacidade de fazer.
Mas a compra inicial está mais para um bilhão de reais do que para um bilhão de dólares. É um primeiro passo. O Brasil tem uma grande necessidade de defesa antiaérea e a Rússia tem uma capacidade indiscutível nesse campo. A ideia é de uma parceria. Eles se revelaram, em princípio, dispostos para essa parceria. Não é só uma venda. É transferência de capacidade de produção no Brasil. Futuramente, até talvez algum sistema que possa ser desenvolvido em conjunto. Então nós estamos discutindo isso. Estamos trabalhando de maneira firme. E também com total segurança.
Eu li em uma matéria dizendo "ah não, mas há uma incompatibilidade". Se chegar nessa conclusão de que há uma incompatibilidade com o sistema brasileiro, não vai adiante. Os requisitos são os requisitos comuns que as Forças Armadas apresentaram.
Há informações dando conta de que concorrentes poderiam oferecer um equipamento equivalente por um preço menor. O sr. tomou conhecimento disso?
Eu não tenho essa informação precisa. Também não estou dizendo que não. Mas você sabe que na área de Forças Armadas e de equipamentos de defesa às vezes o barato sai caro.
Esse equipamento corresponde aos requisitos das Forças Armadas que, de maneira nenhuma, foram adaptados para atender à oferta russa. Vai haver uma série de visitas. Tinha uma visita programada para fevereiro. Estou vendo até se antecipo, com as Três Forças e com participação de empresas brasileiras. Elas têm sido informadas de tudo que tem acontecido para até chegar ao ponto em que você possa testar o equipamento e ver que ele serve. Se não servir aí você não vai comprar.
Está em fase de prospecção?
Um pouquinho além de prospecção. Você começa a se debruçar sobre uma hipótese e analisá-la mais a fundo. Nós estamos nessa fase. Há uma autorização para começar a negociar, mas a negociação, propriamente, ainda não começou porque nós fizemos uma série de pedidos baseados nos requisitos operacionais comuns. Tem até um nomezinho, ROC, requisitos operacionais comuns das Forças. Vamos ter resposta, vamos 'in loco' ver a resposta. Isso é um processo que vai se desenvolver.
Em que medida o componente político teve um papel relevante nesse caso de compra das baterias antiaéreas da Rússia, sobretudo porque foi em um momento de uma certa desconfiança maior do Brasil em relação aos Estados Unidos, por conta do episódio da espionagem, ocorrido recentemente?
As pessoas podem fazer as ilações que quiserem. Já tinha havido até missões nossas, do Exército certamente, à Rússia, para ver equipamento antiaéreo.
Mas o primeiro passo mais significativo, como ficou no comunicado conjunto, foi quando a presidente Dilma visitou a Rússia e essa questão americana nem tinha aparecido ainda. Não há nenhum componente político.
Há uma percepção importante para qualquer país, em matéria de relacionamento de defesa: você tem que buscar diversificação. Você não poder botar todos os ovos na mesma cesta. É uma coisa aqui, outra ali. Claro que dentro do que é razoável, dentro do que é compatível, desde que as diferenças de preço não sejam muito grandes e que atendam às nossas necessidades tecnológicas.
Isso não é equipamento de prateleira. Você não vai lá na prateleira e compra: "Olha, esse daqui está com desconto hoje aqui no Walmart". Não é assim. Você vai ter uma parceria, vai ter que desenvolver capacidades nacionais para fazer se não todo, uma grande parte do sistema no futuro. Estou trabalhando com quem se disse disposto a fazer isso. Agora, como diz um ditado anglo-saxão o teste do pudim é na hora de provar. Nós ainda estamos provando.
O que está faltando para ser encerrado o programa da compra dos caças, o chamado F-X2?
Estou muito confiante de que vai ter um bom andamento, mas quanto menos eu falar dele melhor.
O sr. já disse até que o Brasil poderia negociar uma parceira de construção de caças de quinta geração com a Rússia. A Rússia que está desenvolvendo esses modelos de quinta geração. Houve alguma evolução nessa área?
Isso é uma possibilidade para o futuro. Volto a insistir: nós não podemos ter todos os ovos em uma única cesta. Nós não sabemos o que é o futuro do mundo. Nós gostamos de pensar que o mundo é uma coisa certinha, de que todo mundo vai se comportar sempre de uma mesma maneira. Mas não é assim.
Sou de uma geração que viu a Guerra Fria. A Guerra Fria acabou. Não existe mais bipolaridade. Existe multipluralidade de informação. O mundo mudou muito e não sei nesse mundo novo, cheio de incertezas, o que vai acontecer.
Tenho que ter uma diversificação. Acho que isso é essencial para a segurança do Brasil. Sob esse aspecto é que nós estamos abertos a uma cooperação para um caça de quinta geração com qualidades que o de quarta e meia, com dizem, não terá, com a Rússia -- e com, eventualmente, outros.
Não é só com a Rússia. A Rússia sugeriu essa hipótese também. É uma hipótese que nós temos que considerar. De qualquer maneira isso é uma coisa que ainda terá que ser para o futuro porque de imediato nós temos que preencher a necessidade que existe hoje.
Essa necessidade vamos ter que preencher ainda com os caças de quarta geração. Eles dizem quarta e meia porque já estão um pouco melhorados. E é isso que nós estamos tratando de fazer.
Ainda que seja para o futuro, se sair o acordo com a Rússia sobre o caça de quinta geração, isso permitiria uma solução intermediária com o Brasil fazendo, por um tempo, leasing de caças russos de quarta geração?
Não está em consideração.
Não?
Não está em consideração.
Não há essa hipótese?
Não há essa hipótese, tanto quanto eu saiba.
Parece que a Rússia...
Eles gostariam que a gente fizesse um leasing, mas isso não nos dá nada porque nós queremos ter
Seria cancelado o F-X2?
É óbvio que nós não faremos isso. O F-X2 vai se realizar.
Não tem essa história de leasing?
Não.
Qual é o cronograma do F-X2?
Sou sempre muito otimista. Acho que otimismo faz parte da descrição do homem público. Minha expectativa é para que algo muito breve ocorra.
O sr. acha que dentro do governo da presidente Dilma Rousseff, que termina em dezembro do ano que vem, o Brasil vai ter concluído esse programa de compra dos caças?
Veja bem... Entre uma decisão final para comprar determinado caça e a chegada dele no Brasil levará algum tempo. Creio que a decisão final será tomada bem antes disso.
A presidente tem falado para o sr. que vai tomar essa decisão?
Minhas conversas com a presidenta são, do meu ponto de vista, totalmente privadas. Se ela quiser conversar a esse respeito, ela pode. Eu, não.
Em que medida esse episódio aí da espionagem, da NSA, acabou afastando um pouco a possibilidade da Boeing vencer essa concorrência dos caças?
Tanto quanto sei, a decisão sobre esse tema será técnica. Levando em conta os elementos de performance, transferência de tecnologia, inclusive acesso a código fonte, e preço. Três elementos.
Ficaram três países na concorrência. Caças de três países [EUA, França e Suécia]. Quanto a isso não há mais possibilidade de recuo?
Filosoficamente não gosto de falar em coisas absolutas, mas não vejo nenhuma possibilidade de revisão disso. Não está no horizonte, não está nas considerações.
As Forças Armadas têm reclamado de falta de dinheiro. Uma reportagem na Folha mostrou que os dois projetos que mais receberam investimentos do governo dentro do PAC foram: o Prosub, de submarinos, e o KC-390, avião de transporte e reabastecimento aéreo. Ainda assim, há duas semanas os comandantes da força foram ao Congresso reclamar que faltava dinheiro. Como conciliar essas duas coisas?
É interessante. Até achei bom a reportagem porque uma equilibra a outra, uma manda botar um grão de sal na outra e vice-versa. Mas eles não foram lá reclamar. Foram convocados ou convidados.
Mas reclamaram?
Não. Eles foram convidados a comparecer. Definiram uma realidade. Que a realidade da demanda é muito maior do que é, finalmente, obtido.
Só para registrar, eles disseram que há uma diferença de R$ 13,7 bilhões entre o que as três armas consideram como gasto mínimo e o que está previsto...
O gasto em investimento e consumo é importante. Às vezes as pessoas desprezam o consumo nas Forças Armadas: é a munição, é o fardamento, coisas absolutamente necessárias para o desempenho. Ele cresceu continuamente de 2003 para cá. Fiz uma comparação interessante. Tomando 2012, o que foi efetivamente executado é o dobro do que foi pedido em 2003.
À medida que sobem as possibilidades também sobem as demandas. É natural que isso ocorra.
O Brasil tem muitas necessidades na área da defesa. Não posso aqui desmentir o que eles [comandantes das Forças] dizem.
Você gostaria de ter mais investimento nas fronteiras brasileiras? Sim. Gostaria de ter mais investimento em termos de presença humana e de presença tecnológica, para garantir, por exemplo, que não haja até questões que não dizem respeito nem à defesa no sentido de ir contra outro Estado? Claro que queríamos. Você gostaria de ter uma artilharia antiaérea não só de médio alcance, mas de alto alcance, de mísseis? Sim. Gostaria de ter já satélites de defesa mais avançados? Sim.
Então, não há dúvida. Nenhuma dessas necessidades é leviana. Agora, o Brasil é um país que tem muitas necessidades. O Brasil tem necessidades em transporte público, tem necessidades em saúde pública, tem necessidades em educação. E tem necessidades em defesa.
Tem havido um aumento contínuo, com oscilações, naturalmente, mas a curva é ascendente e, sobretudo, a curva em investimento é muito ascendente.
O investimento das forças passou de 1,5 bilhão [de reais] para cerca de 8 ou 9 bilhões [de reais] de 2003 para cá. É muito significativo.
Em relação ao PIB, o sr. defende que o orçamento da Defesa fique ao redor de 2% do PIB. Hoje seria cerca de 1,5%, é isso?
Mais ou menos.
Há disposição política e capacidade orçamentária?
Mas não estou defendendo que seja de uma vez.
Tem que ser uma meta chegar a 2%?
Tem que ser uma meta chegar a 2%.
Ao longo de qual período?
Falei em 10 anos. Mas se não forem 10, forem 12, ou 14, também isso não é uma tragédia. Se for 8, muito melhor.
Isso não é um número abstrato. Não é um número imaginado por mim. Levei em conta quanto gastam os Brics. Claro que alguns Brics têm uma proporção muito maior, e outros têm uma proporção menor, porque depende de muitas coisas.
A média dos Brics é 2,5% [do PIB para gastos com defesa]. Mas a média dos Brics inclui também a África do Sul e o próprio Brasil de hoje. Então, chegar a 2% do PIB é uma média razoável. Aliás, é o que recomenda a Otan. Quando eu fiz esse cálculo, não sabia disso.
Acabar com o serviço militar obrigatório seria uma saída para a profissionalização e racionalização dos recursos das Forças Armadas?
Acho que o Brasil não está nessa fase. Não sei se em algum momento, no futuro, isso pode ocorrer. Não vejo como isso poderia baratear. Acho que é ao contrário: provavelmente no curto prazo encareceria.
Além do mais, o serviço militar, pelo que posso observar agora, como ministro da Defesa, tem também um papel social, integrador. Há um programa que poderia ser talvez mais extenso do que é. É o programa "Soldado cidadão". Além de aprender a servir ao país, defender, o soldado se socializa num ambiente apropriado, é treinado num ofício. Trabalhamos junto com o Senai, com o Senac, com o Ministério da Educação para que saia de lá um mecânico. Pode não ser ultraespecializado, mas é um passo.
O fundamental é aprender a servir ao país. Mas essa socialização é também muito importante num país como o nosso. No momento, você pode até em tese ser defensor de um sistema que seja totalmente voluntário. Mas acho que para o Brasil de hoje, com as carências sociais, e até por razão orçamentária, acho que o serviço militar obrigatório é a solução.
O Brasil comanda a missão da ONU no Haiti para estabilização daquele país, desde 2004. Recentemente, o Uruguai anunciou que deve retirar unilateralmente as suas forças de lá. Qual a sua avaliação desse anúncio do Uruguai?
Não tenho certeza se ele disse "unilateralmente". Tanto que houve preocupação do presidente [Jose] Mujica de conversar com a presidenta Dilma sobre esse assunto. O que eles podem estar é sob mais ou menos pressão... Mas, na realidade, a nossa disposição também não é nos eternizarmos no Haiti. Aliás, foi a primeira coisa que eu disse quando cheguei como ministro da Defesa quando me fizeram essa pergunta.
Agora, também não podemos sair de uma maneira irresponsável. Nós fizemos um investimento grande, humano, político. Perdemos soldados lá, até no terremoto. Agora, estamos fazendo uma retirada num ritmo bastante razoável. Porque o Brasil tinha originalmente 1.200 homens. Esse número subiu para 2.300 mais ou menos depois do terremoto. E já diminuímos cerca de 700 nos últimos dois anos e meio.
Não é uma redução insignificativa. É uma redução importante. E a ideia é de que nós possamos... Eu não gosto muito de fixar prazo porque a gente nunca sabe o que pode acontecer...
Mas o que é desejável?
O que é desejável é que depois da próxima eleição, que deve ocorrer em 2, 3 anos, a gente esteja preparado para sair. E que o Haiti tenha a sua polícia nacional formada.
Agora, eu acho que essa pressão é muito importante. Até o que o presidente Mujica falou, a maneira como ele falou. E a maneira como nós falamos também. Despertou antes já grande inquietação. Veio a ONU nos procurar. Outros nos procuraram. Porque não pode é se criar uma situação de conforto para, seja para o governo haitiano, seja para a comunidade internacional. Porque dizem "ah, o problema do Haiti está resolvido porque estão lá os brasileiros, os sul-americanos. Nós não temos que nos preocupar". Não! Tem que se preocupar, sim. E tem que se preocupar com o desenvolvimento do Haiti.
Eu acho um escândalo --um escândalo!--, que o Brasil tenha posto 40 milhões de dólares, no governo ainda do presidente Lula, num fundo destinado a construir uma barragem, sem o objetivo de ganhar nada. Porque é um projeto estruturante para o Haiti. Porque permitiria inclusive diminuir umas das principais fontes de despesa do orçamento haitiano, que é energia, combustível, petróleo. A gente pôs 40 milhões de dólares na esperança que outros pusessem outros 40, outros 50, para fazer uma barragem que deve custar cerca de US$ 200 milhões. E os outros não puseram. Até hoje estamos tentando estudar como fazer, mas eu fico muito impressionado, eu não quero citar nomes de países, mas países próximos, que sempre tiveram muito interesse no Haiti, que têm grande imigração haitiana, não tenham feito contribuição semelhante.
A comunidade internacional tem um certo comodismo. Então, esses anúncios, e essa ameaça aí, digamos, se é que podemos chamar assim, do Uruguai, tem um efeito positivo. Tem que ter. As pessoas têm que pensar: elas têm que investir no Haiti, no desenvolvimento do Haiti. Se não a gente sai e daqui a 10 anos está lá de novo. É isso que a gente quer evitar.
Mas o Uruguai, pelo que o presidente Mujica falou com a presidente Dilma, vai sair antes do prazo?
Eu acho que ele vai se orientar um pouco. Não posso ser definitivo nisso. Não participei dessa conversa, mas acho que ele vai se orientar junto com o Brasil. Acho. E também não está dizendo que vai tirar de uma vez. Mas está dizendo: "Olha lá, nós não vamos ficar para sempre".
E nós também não.
Ou seja, o risco de o Uruguai retirar as tropas já, de maneira unilateral, é pequeno no momento?
Não falo em nome do Uruguai. Mas de qualquer maneira eu acho que é muito importante haver uma...
Conversei sobre esse assunto também outro dia com meu colega argentino. Acho muito importante uma coordenação da Unasul, porque afinal das contas os países sul-americanos são os principais fornecedores de tropas. E eles devem orientar a decisão final da ONU.
Seria um baque grande se o Uruguai saísse de uma vez...
Acho que nós estamos conversando.
E a expectativa, como o sr. disse, é esperar a eleição no Haiti, que ocorre em cerca de 3 anos, e ter como meta esse prazo para retirada?
E daqui até lá termos demonstrações... É um país complicado. Nós não estamos lidando com um país que estava todo estruturadinho, certinho, em que houve um golpe de Estado e tem que voltar ao que era antes.
Não. É um país que historicamente é muito complicado. Então nós estamos lidando com uma situação que vai ter que avançar, mas isso não é uma avaliação que só eu que vou ter que fazer. Principalmente, obviamente vai ser a presidenta, mas assessorada pelo ministro do Exterior, que pelo que eu entendo tem uma viagem programada também ao Haiti, não sei exatamente quando. Queremos ter demonstrações de que estamos caminhando num sentido efetivamente democrático. Isso envolve a relação do Executivo com o Legislativo. Envolve vários outros aspectos. Não seremos uma guarda pretoriana de nenhum presidente haitiano.
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