Por Redação, com DW - de Damasco
Toda vez que o regime do presidente sírio Bashar al Assad precisa de reforços, a organização xiita Hisbolá envia, através da fronteira libanesa, milhares de seus combatentes, equipados pelo Irã. Com essa ajuda, nos últimos dias as tropas sírias têm avançado sobre os arredores das metrópoles Damasco e Aleppo, até então sob domínio dos rebeldes.
Embora de maneira menos organizada e decisiva, grupos sunitas libaneses oferecem, por sua vez, apoio à oposição síria. Assim, o Líbano está profundamente envolvido na guerra no país vizinho. Somente a lembrança de sua própria guerra civil, de 1975 até 1990, tem impedido que o conflito da Síria se alastre pelo país, avalia Bente Scheller, diretora da Fundação Heinrich Böll na capital libanesa, em entrevista à Deutsche Welle.
“Palco para mensagens políticas”
Desde que pelo menos 23 pessoas foram mortas num ataque duplo à embaixada iraniana no sul de Beirute, na última terça-feira, os políticos libaneses têm encontrado palavras para protestar contra a situação. O primeiro-ministro Najib Mikati disse ser inaceitável “usar o Líbano como palco para enviar mensagens políticas numa direção ou na outra”.
Em comunicado, a aliança partidária de fundo sunita Quatorze de Março declarou que o Líbano paga o preço por o Irã ter se colocado do lado do regime criminoso da Síria. Os ataques foram reivindicados pelas Brigadas Abdullah Azzam, também sunitas e ligadas à Al Qaeda. Como motivo dos ataques, o grupo extremista alegou a participação do Hisbolá na guerra civil síria. Em mensagem no Twitter, o grupo ameaçou novos ataques, caso a milícia xiita não se retire da Síria.
Sunitas contra xiitas?
O mais tardar desde maio de 2013, quando veio a público que a milícia do Hisbolá no Líbano luta no conflito sírio do lado do regime Assad, fala-se repetidamente de uma guerra religiosa crescente entre xiitas e sunitas. De um lado estariam o governo xiita iraniano, o Hisbolá e o regime alauita sírio (os alauitas também são xiitas); do outro, a potência sunita Arábia Saudita, o Catar e a Turquia.
Bente Scheller ressalta que, apesar das diferenças permanentes, a história mostra que xiitas e sunitas têm convivido pacificamente durante longos períodos. Portanto, a presente escalada seria, antes, “uma consequência da atual distribuição de poder, em que o Irã e a Arábia Saudita se defrontam”, diz a especialista.
A partir da Revolução Islâmica no Irã em 1979, que acarretou uma islamização da política e da sociedade, a Arábia Saudita vê no Irã um país que tenta expandir seu poder hegemônico pelo Oriente Médio portanto os sauditas se esforçam por deter qualquer influência iraniana.
Por outro lado, o Irã tem uma relação histórica com os xiitas da região que é difícil de podar, ressalva o estudioso de assuntos islâmicos Walter Posch, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP, na sigla original), sediado em Berlim.
O Hisbolá foi criado em 1982, com iniciativa decisiva iraniana e sob forte influência da ideologia da Revolução Islâmica. Isso marcou a primeira ligação direta da República Islâmica para com o resto da região, legitimando o papel do Irã dentro desta, explica Walter Posch. Por mais de três décadas, a Síria tem sido um dos aliados mais próximos de Teerã no mundo árabe, num pacto que remonta à guerra entre o Irã e o Iraque (1980-1988).
Teerã age taticamente
Enquanto a Arábia Saudita apoia os rebeldes sírios contra o regime Assad, o Irã e o Hisbolá apoiam o ditador na teoria e na prática, abastecendo Damasco com dinheiro, armas e consultores militares. Afinal, é grande em Teerã a preocupação de que o governo em Damasco seja derrubado.
- Caso os extremistas sunitas consigam tomar o poder na Síria, o Hisbolá ficaria claramente isolado: de um lado uma Síria predominantemente sunita; no Líbano, grupos extremistas sunitas; enquanto ao sul ainda estaria Israel – diz Posch, do SWP. Com o Hisbolá enfraquecido e com a queda do regime Assad na Síria, ficaria difícil o Irã manter sua influência na região.
Tanto Teerã quanto o Hisbolá têm responsabilizado Israel pelo ataque contra a embaixada iraniana em Beirute, apesar de as Brigadas Abdullah Azzam haverem assumido a autoria por escrito. “O Irã não quer admitir que caiu num conflito religioso devido a sua interferência na guerra síria, e que agora tem de encarar um novo inimigo: os extremistas sunitas “, avalia o analista israelense no Oriente Médio Meir Javedanfar.
Walter Posch interpreta essa primeira reação iraniana como um recurso tático, “para evitar acusar publicamente a Arábia Saudita”, até porque Teerã vem tentando melhorar suas relações com Riade. E o país tem bons motivos para tal, observa Bente Scheller, da Fundação Heinrich Böll: se a situação no Líbano continuar escalando, as consequências para o Irã e o Hisbolá podem ser incalculáveis. “O Irã não tem interesse em outro grande foco de conflito: a Síria já basta.”