C. J. Chivers - The New York Times
Os rebeldes sírios estavam posando casualmente para o vídeo: em pé, ao lado de seus prisioneiros, com suas armas de fogo apontadas para baixo, diretamente para os homens aterrorizados e sem camisa.
Os prisioneiros, sete ao todo, são soldados sírios capturados. Cinco estavam amarrados, com as costas marcadas com vergões vermelhos. Eles mantinham seus rostos pressionados contra o solo poeirento enquanto o comandante dos rebeldes recitava um pungente versículo revolucionário.
"Durante 50 anos, eles foram companheiros da corrupção", disse ele. "Nós juramos ao Senhor do Trono, e este é o nosso juramento: nós vamos nos vingar".
Quando o poema terminou, o comandante, conhecido como "o Tio", disparou uma bala na parte de trás da cabeça do primeiro prisioneiro. Seus homens armados seguiram o exemplo, prontamente matando todos os homens que estavam aos seus pés.
Esta cena, documentada em um vídeo contrabandeado para fora da Síria há alguns dias por um ex-rebelde que ficou revoltado com os assassinatos, oferece um insight sombrio sobre a grande quantidade de rebeldes que passaram a adotar táticas brutais e cruéis, semelhantes às utilizadas pelo regime que eles estão tentando derrubar.
Enquanto os Estados Unidos discutem se devem ou não apoiar a proposta do governo Obama, de acordo com a qual as forças sírias deveriam ser atacadas por terem usado armas químicas contra civis, este vídeo, gravado em abril de 2012, vem se juntar ao crescente conjunto de evidências que mostram um ambiente cada vez mais pontilhado por crimes e povoado por bandos de salteadores, sequestradores e assassinos.
O vídeo também oferece um lembrete sobre o quebra-cabeça da política externa enfrentado pelos Estados Unidos em sua busca por aliados rebeldes, enquanto alguns membros do congresso norte-americano, incluindo o senador John McCain, pressionam para que a oposição síria receba um apoio militar mais robusto.
Nos mais de dois anos de duração da guerra civil na Síria, uma grande parte da oposição local formou uma estrutura flexível de comando que tem encontrado o apoio de vários países árabes e, em um grau mais limitado, do Ocidente. Outros membros da oposição assumiram um matiz extremista e se aliaram abertamente à Al Qaeda.
Em grande parte da Síria, onde os rebeldes que têm apoio ocidental vivem e lutam, áreas fora da influência do governo evoluíram e se transformaram numa complexa paisagem onde grassam as guerrilhas e o crime.
Isso levantou a possibilidade de que uma ação militar norte-americana poderia, inadvertidamente, fortalecer os extremistas islâmicos e os criminosos.
Abdul Samad Issa, 37, comandante rebelde que liderou seus combatentes durante as execuções dos soldados capturados, ilustra bem esse tipo de risco.
Conhecido no norte da Síria como "o Tio", porque dois de seus representantes imediatos são seus sobrinhos, Issa lidera um grupo relativamente desconhecido, formado por menos de 300 combatentes, disse um de seus ex-assessores. Esse ex-assessor, que contrabandeou o vídeo que exibe os assassinatos para fora da Síria, não será identificado aqui por razões de segurança.
Comerciante e pastor de gado antes da guerra, Issa formou um grupo de combate no início do levante usando seu próprio dinheiro para comprar armas e cobrir as despesas dos combatentes.
A motivação de Issa, segundo o ex-assessor, era exatamente aquela explicitada pelo poema recitado por ele: vingança.
Na quarta-feira passada, em Washington, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, abordou a questão dos rebeldes radicalizados durante um debate com o deputado Michael McCaul, republicano do Texas. Kerry insistiu: "Existe uma verdadeira oposição moderada na Síria".
Kerry disse que há entre 70 mil a 100 mil "oposicionistas" na Síria. Destes, segundo ele, aproximadamente de 15% a 20% são "bandidos" ou extremistas.
McCaul respondeu dizendo que ele havia recebido relatórios informando que metade dos combatentes da oposição síria é formada por extremistas.
Grande parte da preocupação das autoridades norte-americanas concentra-se sobre dois grupos que admitem manter laços com a Al Qaeda. Esses grupos --a Frente Nusra e o Estado Islâmico do Iraque e da Síria-- têm atraído jihadistas estrangeiros por meio de táticas terroristas e de promessas relacionadas à criação de uma sociedade na Síria, que seria governada de acordo com sua rígida interpretação da lei islâmica.
Esses grupos estabeleceram uma presença sólida em partes das províncias de Aleppo e Idlib, na capital provincial de Raqqa, localizada no norte do país, e em Deir al-Zour, situada a leste, na fronteira com o Iraque.
Apesar de os jihadistas afirmarem que são combatentes de qualidade superior e de eles terem colaborado com os rebeldes seculares sírios, alguns analistas e diplomatas também observaram que eles aparentemente estão menos focados em derrubar o presidente Bashar al-Assad. Em vez disso, segundo os analistas, eles estão mais concentrados em estabelecer uma zona de influência que abrangeria a província iraquiana de Anbar e as áreas desérticas do leste da Síria. Por fim, esses jihadistas criariam um território islâmico governado por eles.
Outras áreas da Síria estão sob um controle mais secular, incluindo os subúrbios de Damasco. Em East Ghouta, por exemplo, região suburbana a leste da capital onde ocorreram os ataques com armas químicas, os jihadistas não são dominantes, de acordo com as pessoas que vivem e trabalham ali.
E, apesar de os Estados Unidos terem dito que desejam implementar políticas que fortaleçam os rebeldes seculares e isolem os extremistas, a dinâmica em campo, como pode ser visto no vídeo da execução dos soldados em Idlib e em uma série de outros crimes documentados, é mais complicada do que uma disputa entre grupos seculares e religiosos.
O pai de Issa fez oposição ao presidente Hafez al-Assad, pai do atual presidente da Síria. Ele desapareceu em 1982, de acordo com as contas de Issa.
De acordo com seu assessor, Issa acredita que seu pai foi morto durante uma ação repressiva levada a cabo naquele ano pelo governo sírio contra a Irmandade Muçulmana. Essa ação, que durou 27 dias, ficou conhecida como o massacre de Hama.
Ao se tornar adulto, o jovem Issa era veementemente contra o governo, tendo sido detido e preso por duas vezes e passado um total de nove meses na prisão, disse o assessor.
Quando a revolta contra Bashar al-Assad começou, dois anos e meio atrás, a família dele viu o levante como um meio para tentar acertar velhas contas.
A princípio, segundo as pessoas que conhecem Issa, ele era um manifestante. Em seguida, ele passou a liderar combatentes durante pequenos conflitos. No ano passado, ele já estava administrando um campo de treinamento na região montanhosa próxima da Turquia.
Segundo seu assessor, este ano Issa passou a coletar armas de parentes e de empresários árabes com os quais lidava quando atuava como comerciante. E ele teria, pelo menos em uma ocasião, recebido armas do Conselho Militar Supremo do Exército Livre da Síria, as forças rebeldes apoiadas pelo Ocidente.
(Dois representantes do conselho militar se recusaram a fazer comentários sobre a colaboração militar do conselho ou sobre o apoio logístico concedido ao grupo de Issa. Procurado durante dois dias desta semana, Issa não pôde ser contatado para comentar o assunto.)
Durante a primavera deste ano, o grupo de Issa adotou um nome significativo: Jund al-Sham, denominação compartilhada com três grupos terroristas internacionais e com outro grupo da Síria.
Sua relação -- se é que existe alguma relação -- com esses outros grupos não ficou clara.
O ex-assessor de Issa e outros dois homens que o conheceram ou o investigaram disseram que ele parece assumir identidades de acordo com sua própria conveniência.
Mas, segundo eles, uma de suas táticas tem sido prometer a seus combatentes o que ele chama de "o extermínio" dos alauítas --a seita islâmica minoritária à qual a família de Assad pertence e que Issa culpa pelo sofrimento da Síria.
Este sentimento pode ter levado Issa a decidir executar seus prisioneiros no vídeo, disse seu ex-assessor. Os soldados foram capturados quando os combatentes de Issa invadiram um posto de controle do governo, ao norte de Idlib, em março passado.
Segundo o ex- assessor, os celulares dos homens capturados continham vídeos de soldados estuprando civis sírias e realizando saques.
Issa disse que todos eles foram declarados criminosos e que um julgamento revolucionário foi realizado. Eles foram considerados culpados.
Ainda de acordo com o ex-assessor, em seguida Issa providenciou para que a execução deles fosse gravada em vídeo em abril para que ele pudesse mostrar seu trabalho contra Assad e seus militares aos doadores e obter mais financiamento.
O vídeo termina abruptamente, após os combatentes de Issa jogarem os corpos feridos dos soldados em um poço.
Um dos participantes, um jovem vestindo uma jaqueta de lã roxa, olha para a câmera e sorri.
Karam Shoumali contribuiu com a reportagem de Antakya, na Turquia; Anne Barnard, de Beirute, no Líbano, e Michael R. Gordon, de Washington.
NYT revela vídeo de rebeldes assassinando soldados sírios capturados
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