Andrei Netto - O Estado de SP
Enviado Especial São Petersburgo, Rússia
A guerra civil na Síria roubou a cena do primeiro dia de reuniões entre chefes de Estado e de governo do G-20, aberto ontem, em São Petersburgo, na Rússia. EUA e França defenderam a intervenção militar como forma de punir o regime de Bashar Assad pelo uso de armas químicas, enquanto a Rússia recebeu oficialmente o apoio da China contra os ataques.
As divergências expuseram a dificuldade para que um acordo sobre o assunto seja costurado ainda hoje, último dia da reunião de cúpula do G-20. Europeus e a ONU se dividiram entre exigir o julgamento do ditador e a realização de uma conferência de paz em Genebra.
Ontem, os debates sobre a situação da Síria e a intervenção militar foram levados ao jantar de presidentes e primeiros-ministros, realizado no Palácio Constantino, sede do evento. O resultado das discussões, porém, ainda não era conhecido até a madrugada de hoje.
As declarações mais eloquentes, feitas pelos líderes políticos antes da reunião, indicavam, no entanto, que o acordo estava distante. A tarde, o presidente americano, Barack Obama, recriminou Assad pelo uso das armas químicas contra a população civil, em 21 de agosto - uma atitude que, segundo ele, deve ser punida.
"O mundo estabeleceu uma linha vermelha quando governos que representam 98% da população mundial disseram que o uso de armas químicas deveria ser abolido", argumentou.
Obama recusou-se a se responsabilizar pela "linha vermelha" imposta ao regime sírio. "Minha credibilidade não está na mira. É a credibilidade da comunidade internacional que está na mira, porque nós decidimos que essas normas eram importantes", afirmou, falando ainda na Suécia, última etapa antes de sua chegada à Rússia. "Lembrem-se: eu fui alguém que se opôs à guerra do Iraque, e eu não estou interessado em repetir os erros com base em falhas de inteligência."
Em paralelo, em São Petersburgo, a embaixadora americana no G-20, Samantha Power, acusou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de "sequestrar" o Conselho de Segurança das Nações Unidas ao bloquear resoluções sobre a Síria, o que teria estimulado Assad a empregar as armas químicas.
Aliado de Washington na questão, o presidente da França, François Hollande, se encontrará hoje à tarde com Obama, com quem discutirá a possível operação. Hollande não depende de autorização parlamentar para ordenar o ataque, mas o Palácio do Eliseu informou, na quarta-feira, que não pretende agir sozinho, caso o Congresso americano bloqueie a intenção da Casa Branca. Hollande afirmou que europeus e o G-20 estavam unidos "na condenação do uso das armas químicas" por Assad.
Enquanto os dois parceiros sintonizavam a retórica de guerra, Putin, o anfitrião do G-20, advertiu que pode agir caso a operação militar seja lançada contra a Síria. "Nós temos as nossas ideias sobre como nós vamos proceder caso a situação evolua em direção ao uso da força", disse Putin à Associated Press. "Nós temos nossos planos."
O discurso de Putin foi reforçado horas antes do início do G-20 pela China, um dos cinco países que têm assento permanente e direito a veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na posição de portavoz do governo, o ministro-ad-junto das Finanças, Zhu Guang-yao, afirmou que o país é contrário ao ataque e a ofensiva seria prejudicial à economia. "A ação militar teria um impacto negativo na economia global, em especial nos preços do petróleo, justificou Guangyao, defendendo uma solução "política e diplomática" para o conflito.
Entre os blocos, formados por EUA e França de um lado, e por Rússia e China de outro, os demais europeus voltaram a propor soluções alternativas. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Guido Wester-welle, afirmou que a chanceler Angela Merkel pressionaria o G-20 para que o Conselho de Segurança dê mandato ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para investigar o ataque químico na periferia de Damasco.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, voltou a insistir em uma conferência de paz.
"Nós devemos pressionar ainda mais para que a conferência internacional sobre a Síria ocorra em Genebra", insistiu. "A solução política é a única saída."