Adriana Carranca - O Estado de S.Paulo
Seus filhos têm a idade da guerra, que parecia distante até bater à porta, em março de 2012. Nos 18 meses desde então, S.B., de 40 anos, fugiu quatro vezes, fazendo malas às pressas e mudando-se sempre em direção a Damasco - a última vez, para um hotel perto do palácio presidencial, área cercada pelas forças de Bashar Assad e supostamente mais segura. Mas o conflito parecia segui-lo. Na semana passada, desembarcou no Brasil. "Não existe mais lugar seguro na Síria, só o cemitério!"
S.B. escapou de dois atentados a bomba e viu sua rua convertida em campo de batalha. O basta veio com o ataque químico de 21 de agosto, que matou 1.429 pessoas, entre elas 426 crianças, em Ghouta, a 2 km da casa onde cresceu e para a qual tinha decidido voltar sozinho.
Naquele março de 2012, um bombardeio atingiu a frente do prédio; com o impacto, a mãe caiu e quebrou as costelas. Foi a primeira vez que presenciava o conflito tão perto. Ele levou a família a um local mantido em segredo e, desde então, não vê os pais, a mulher e os filhos, agora com dois anos e meio.
"Fiquei sozinho. No início, ia vê-los de avião, mas avenida até o aeroporto ficou perigosa demais, com confrontos e bombardeios diários. Era a avenida mais bonita de Damasco, hoje é uma terra de ninguém", diz. "Comecei a visitá-los carro, mas os conflitos bloqueavam as estradas e há gangues que roubam e sequestram os motoristas. Sobreviver em Damasco, hoje, é questão de sorte."
S.B. passou a atravessar para o Líbano, onde podia pegar estradas mais seguras, para então entrar novamente na Síria - o percurso de 4 horas levava 20. "Mas a situação se complicou com tantos refugiados e o Líbano restringiu a entrada."
Ele pediu visto a países do Golfo. "Mas estes países fecharam as portas aos sírios e não obtive o visto. É estranho que só encontraria uma chance de viver com segurança e paz a 30 mil quilômetros de casa", diz.
A fuga de 2 milhões no total provocou tensões políticas na Jordânia, Líbano e Turquia. A ONU negocia o reassentamento em países como o Brasil.
Pelo menos 242 sírios já pediram refúgio ao Brasil desde o início da guerra civil, segundo a ONU. Mas estima-se que muitos mais estejam no país como turistas, abrigados em casas de famílias. E, como S.B., temem pedir refúgio. "Poderia significar uma espécie de traição ao governo de Assad", diz.
POR QUE?
"Eu fumava um cigarro com um amigo e ele comentou sobre as crianças de Daraa (cidade síria onde pelo menos 15 foram presas por pichações antigoverno nos muros de uma escola, em 2011, dando início aos protestos). Perguntei: o que tem Daraa? Eu tinha me esquecido! Nós nos esquecemos de como tudo isso começou! Ambos os lados do conflito se esqueceram de por que estão lutando. Só estão preocupados em eliminar o outro e deixaram de lado o povo", diz. "Não é mais sobre democracia e liberdade!"
Para ele, a Primavera Árabe falhou. "Líbia e Tunísia continuam voláteis e o Egito... Odeio a Irmandade Muçulmana, tudo o que são e dizem, eu os acho uns tolos! Mas (Mohamed) Morsi foi eleito. E o que aconteceu? De seu lado, tentou impor um governo islâmico ignorando parte da população que não queria isso. Então, o que fez a oposição? Voltou para as ruas, ignorando outra parcela da população e o derrubou de forma tão antidemocrática. Isso não é primavera, é o inferno árabe!"