RODRIGO CRAVEIRO - CORREIO BRAZILIENSE
A milícia xiita Hezbollah atravessou a fronteira sudoeste do Líbano para ajudar as forças do ditador Bashar Al-Assad a combaterem os rebeldes. A leste, militantes da rede terrorista Al-Qaeda vez ou outra invadem o território sírio, semeiam o caos e retornam ao Iraque para impulsionar a campanha de ódio contra os xiitas. Mais ao norte, as tropas do regime travam batalhas isoladas contra soldados do governo de Recep Tayyip Erdogan, enquanto a Turquia já recebeu 444 mil cidadãos refugiados do país vizinho — 481 mil buscaram abrigo na Jordânia e 606 mil no Líbano. Antes mesmo de o primeiro míssil Tomahawk ser lançado pelos destróieres e pelos caças dos EUA contra o regime de Damasco, quase todo o Oriente Médio já está involuntariamente envolvido na guerra civil da Síria. Em entrevista ao Correio, analistas alertaram que, além de ser inócua, uma intervenção militar, a depender da duração e da intensidade, pode agravar a instabilidade regional.
Especialista do instituto The Atlantic Council of Canada, Alexander Corbeil admite que o risco de caos no Oriente Médio aumentou drasticamente nos últimos cinco meses. “O regime de Damasco tem feito repetidos alertas de que buscará estender o conflito para além de suas fronteiras, no caso de uma ofensiva do Ocidente. Apoiada pelo aliado Irã, a Síria tem a capacidade de fazê-lo e buscará uma resposta assimétrica”, adverte. “Se Al-Assad se sentir ameaçado, poderá acionar aliados sunitas e esquerdistas a fim de promoverem uma campanha de atentados para desestabilizar o Líbano”, exemplifica. No último dia 15, duas explosões de carros-bomba diante de mesquitas de Trípoli enviaram um sinal de que Damasco é capaz de usar sua rede de simpatizantes para ampliar as tensões sectárias.
De acordo com Corbeil, a condição de membro da aliança militar ocidental funciona como uma espécie de escudo para a Turquia, ferrenha defensora de uma intervenção no vizinho. Ele explica que qualquer resposta vigorosa da Síria dirigida à Turquia resultaria na promulgação do artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, segundo o qual um ataque contra um membro da Otan é uma agressão a todos os 28 integrantes da organização. No entanto, quase todo o Oriente Médio é vulnerável. Aviv Oreg, ex-chefe do Departamento de Jihad Global e Al-Qaeda da inteligência militar israelense, acredita que os Estados Unidos precisarão mensurar bem o poder de fogo contra Damasco, sob o risco de detonarem uma guerra generalizada na região.
Retaliação
Apesar de considerá-lo improvável, Oreg vislumbra um cenário no qual o Hezbollah abriria uma frente contra Israel, levando a uma retaliação por parte do Estado judeu. “Os militares do Egito seriam desafiados pelos islamistas a se unirem à Síria contra as forças não muçulmanas e contra Israel. O Hamas abriria fogo contra civis, e toda a região ficaria em chamas, o que teria grande potencial de deterioração, até o uso de armas não convencionais”, explica o israelense. O resultado seria um impacto econômico global, com a inflação no preço do petróleo e a limitação da exportação do produto. “Imensas hordas de refugiados se deslocariam para Turquia, Iraque, Jordânia e Arábia Saudita. Nem mesmo Al Assad tem interesse nesse cenário, pois ele aposta que sobreviverá à guerra civil”, sustenta Oreg. “O risco é o de que a situação seja tão volátil que um simples erro tático numa intervenção possa ocasionar chamas incontroláveis.”
O alemão Guenter Meyer, diretor do Centro para Pesquisa sobre o Mundo Árabe da Universidade de Mainz, acredita que uma intervenção rápida na Síria, restrita ao lançamento de mísseis contra a infraestrutura militar de Damasco, terá impacto limitado. “O ataque vai enfraquecer a capacidade das forças sírias, e os rebeldes aproveitarão para intensificar a batalha. Bashar Al-Assad permanecerá no poder, e a guerra civil vai prosseguir, com muito mais mortos”, prevê. Como consequência, o aumento no número de refugiados rumo ao Líbano vai contribuir com a tensão crescente entre o Hezbollah xiita, no sul do Líbano, e os guerrilheiros sunitas anti-Assad, no norte.
Meyer não vislumbra mudanças significativas no Iraque. Segundo ele, os jihadistas sunitas — afiliados à rede Al-Qaeda — manterão os ataques com carros-bomba contra os xiitas. “Muitos deles se uniram às forças do Estado Islâmico do Iraque e estão lutando contra os curdos, no nordeste da Síria, pelo controle dos poços de petróleo”, diz. Analista do Carnegie Middle East Center, em Beirute, Yezid Saigh alerta que uma intervenção maior poderia isolar o Irã, aprofundar as tensões sectárias no Iraque e no Líbano e compelir o Ocidente a reforçar o envolvimento em um conflito complexo e no pós-guerra.
“Isso daria aos jihadistas e a Teerã uma chance de montarem novas formas de ação militar ou insurgência”, comenta. Sob o ponto de vista da imagem dos EUA perante o mundo árabe, Meyer lembra que a população sunita mantém simpatia por um ataque ao regime alauita sírio. “Mas os sentimentos anti-ocidentais vão aumentar de modo considerável entre os xiitas no Irã, no Iraque e no sul do Líbano”, conclui.