POR ANTONIO LUIZ M. C. COSTA - CARTA CAPITAL
Se o ocorrido nas vizinhanças de Damasco em 21 de agosto foi ou não de responsabilidade do regime de Bashar al-Assad não está claro, mas a movimentação militar indica que servirá de pretexto a um ataque. Segundo a agência Reuters, que diz ter ouvido fontes presentes aos encontros, diplomatas ocidentais teriam avisado aos rebeldes para esperar uma intervenção nos próximos dias e estes teriam oferecido uma lista de alvos para complementar os 50 que se diz terem sido selecionados pelo Pentágono.
Surgiram testemunhos de fontes relativamente independentes que tornam razoável falar de um ataque químico, sem especificar sua composição ou autoria. Os Médicos sem Fronteiras confirmaram que três hospitais de Damasco atenderam naquele dia cerca de 3,6 mil pacientes com "sintomas neurotóxicos", 355 dos quais vieram a morrer, o que confirma um componente químico, mas nada diz sobre sua autoria. A partir de 26 de agosto, o governo Assad permitiu a peritos da ONU chegarem a locais dos ataques, colherem amostras e entrevistarem vítimas. Nos dias seguintes, o enviado especial da ONU para a Síria, o argelino Lakhdar Brahimi, limitou-se a atestar que "foi usado algum tipo de substância que matou centenas".
Os EUA, Israel, França e Reino Unido alegam "não ter dúvidas" da culpa de Assad. Segundo ouviu a Foreign Policy de fonte anônima, a evidencia seria um telefonema de um "apavorado" funcionário do Ministério da Defesa sírio ao comandante de uma unidade de armas químicas pedindo explicações sobre o ataque. Haveria também fotos de satélite de movimentos de caminhões em área de supostos armazéns militares logo antes do ataque, mas não se sabe o que levavam, nem para onde. O chanceler russo Sergei Lavrov rejeita a acusação. À Síria entregou à equipe da ONU supostas provas de não ter efetuado o ataque e desafiou os EUA a apresentarem as suas. Também publicou fotos de materiais supostamente encontrados em abrigos rebeldes em Jobar, um dos locais dos ataques, que serviriam para fabricar armas químicas. Segundo o jornal israelense Haaretz, funcionários anônimos da inteligência dos EUA admitem não ter certeza da autoria do ataque.
O trabalho dos inspetores da ONU pouco interessa às potências
Na experiência recente, os países ocidentais têm mentido tanto quanto os orientais
As potências ocidentais têm mentido tanto quanto as orientais. As armas químicas que em 2003 os Estados Unidos e o Rei no Unido garantiam existir nos arsenais de Saddam Hussein jamais foram encontradas. E de 1983 a 1988, soube-se agora, o ex-ditador iraquiano foi assessorado na produção e uso de armas químicas tanto por países da Europa Ocidental, que lhe transferiram tecnologia, quanto pela CIA. que informou sobre os movimentos das tropas iranianas, conforme confirmaram documentos liberados de censura nos EUA e publicados pela revista Foreign Policy em 26 de agosto.
Outra razão para ter um pé atrás é um e-mail de dezembro do 2012, trocado entre dois executivos da Britam, empresa britânica de consultoria militar e mercenários. Mencionava uma proposta do Catar: contratar a companhia para disparar uma arma química na Síria e culpar o regime Assad. A ideia seria usar em Homs uma ogiva de origem russa conseguida da Líbia e similar àquelas supostamente em poder da Síria. Os cataris garantiam que o plano tinha a aprovação de Washington.
Um dos funcionários perguntava ao outro: "Francamente, não me parece uma boa ideia, mas a soma proposta é enorme. Sua opinião?" Publicada no site Cyber War News em 26 de janeiro, a denúncia partia de um hacker da Malásia. A empresa negou a autenticidade do memorando e os EUA se recusaram a
comentar.
Segundo o jornal New York Times, a eventual intervenção não envolveria tropas em terra e não pretenderia "mudança de regime" na Síria, nem os locais onde se acredita estarem armazenadas as armas químicas, mas unidades militares e bases aéreas supostamente capazes de lançar ataques químicos. O resultado seria reduzir a capacidade da aviação e do exército sírios e afastara possibilidade de uma vitória de Assad no curto ou médio prazo. O objetivo presumível seria pressionar o regime baathista a negociar uma transição com os rebeldes pró-ocidentais do Exército da Síria Livre que isolaria as forças islâmicas mais radicais. Além de mos-trar ao mundo que os EUA não estão totalmente paralisados.
Políticos e militares dos EUA admitem, porém, que hoje uma vitória rebelde resultaria em um regime fundamentalista ou em outra guerra civil e a Barack Obama, em especial, não interessa um envolvimento prolongado, com consequências desagradáveis a serem exploradas pela oposição.
Segundo a mídia britânica e estadunidense, ele deseja uma blitz de 48 horas, com cerca de cem mísseis lançados contra alvos limitados, que permita cantar vitória e sair sem perdas. Estrategistas têm dúvidas; derrubar ou desarmar um regime é um objetivo militar claro. "Puni-lo" por uma ofensa real ou imaginária não é. Há o risco de as defesas sírias abaterem um bombardeiro, afundarem um navio estadunidense ou atingirem as bases britânicas em Chipre, o que seria muito embaraçoso. E o de o ataque se mostrar inócuo, obrigando o Ocidente a uma escalada perigosa ou a um recuo desmoralizante.
A OTAN, a França e o Reino Unido manifestaram apoio ao eventual ataque, que deve esperar os peritos da ONU completarem seu trabalho, o que significaria a partir de 1o de setembro. Os EUA pediram autorização à Grécia para usar suas bases militares, possíveis escalas para bombardeiros B-2 e caças F-16, e reuniram no Mediterrâneo destróieres e submarinos (inclusive britânicos) armados de mísseis Tomahawk. Segundo o Mirrar, forças especiais do Reino Unido estariam em território sírio desde a noite do dia 27, localizando as defesas. David Cameron convocou o Parlamento para autorizar a ação na Síria na quinta-feira 29, mas o líder trabalhista Ed Milliband bloqueou qualquer ação antes do relatório dos inspetores da ONU e alguns dos próprios governistas julgaram insuficientes os argumentos do primeiro-ministro, que teve de admitir que "não há 100% de certeza" sobre a autoria do ataque.
Os sauditas teriam oferecido à Rússia um acordo para dominar o mercado de petróleo e evitar atentados em Sochi
Outra razão para ter um pé atrás é um e-mail de dezembro do 2012, trocado entre dois executivos da Britam, empresa britânica de consultoria militar e mercenários. Mencionava uma proposta do Catar: contratar a companhia para disparar uma arma química na Síria e culpar o regime Assad. A ideia seria usar em Homs uma ogiva de origem russa conseguida da Líbia e similar àquelas supostamente em poder da Síria. Os cataris garantiam que o plano tinha a aprovação de Washington.
Um dos funcionários perguntava ao outro: "Francamente, não me parece uma boa ideia, mas a soma proposta é enorme. Sua opinião?" Publicada no site Cyber War News em 26 de janeiro, a denúncia partia de um hacker da Malásia. A empresa negou a autenticidade do memorando e os EUA se recusaram a
comentar.
Segundo o jornal New York Times, a eventual intervenção não envolveria tropas em terra e não pretenderia "mudança de regime" na Síria, nem os locais onde se acredita estarem armazenadas as armas químicas, mas unidades militares e bases aéreas supostamente capazes de lançar ataques químicos. O resultado seria reduzir a capacidade da aviação e do exército sírios e afastara possibilidade de uma vitória de Assad no curto ou médio prazo. O objetivo presumível seria pressionar o regime baathista a negociar uma transição com os rebeldes pró-ocidentais do Exército da Síria Livre que isolaria as forças islâmicas mais radicais. Além de mos-trar ao mundo que os EUA não estão totalmente paralisados.
Políticos e militares dos EUA admitem, porém, que hoje uma vitória rebelde resultaria em um regime fundamentalista ou em outra guerra civil e a Barack Obama, em especial, não interessa um envolvimento prolongado, com consequências desagradáveis a serem exploradas pela oposição.
Segundo a mídia britânica e estadunidense, ele deseja uma blitz de 48 horas, com cerca de cem mísseis lançados contra alvos limitados, que permita cantar vitória e sair sem perdas. Estrategistas têm dúvidas; derrubar ou desarmar um regime é um objetivo militar claro. "Puni-lo" por uma ofensa real ou imaginária não é. Há o risco de as defesas sírias abaterem um bombardeiro, afundarem um navio estadunidense ou atingirem as bases britânicas em Chipre, o que seria muito embaraçoso. E o de o ataque se mostrar inócuo, obrigando o Ocidente a uma escalada perigosa ou a um recuo desmoralizante.
A OTAN, a França e o Reino Unido manifestaram apoio ao eventual ataque, que deve esperar os peritos da ONU completarem seu trabalho, o que significaria a partir de 1o de setembro. Os EUA pediram autorização à Grécia para usar suas bases militares, possíveis escalas para bombardeiros B-2 e caças F-16, e reuniram no Mediterrâneo destróieres e submarinos (inclusive britânicos) armados de mísseis Tomahawk. Segundo o Mirrar, forças especiais do Reino Unido estariam em território sírio desde a noite do dia 27, localizando as defesas. David Cameron convocou o Parlamento para autorizar a ação na Síria na quinta-feira 29, mas o líder trabalhista Ed Milliband bloqueou qualquer ação antes do relatório dos inspetores da ONU e alguns dos próprios governistas julgaram insuficientes os argumentos do primeiro-ministro, que teve de admitir que "não há 100% de certeza" sobre a autoria do ataque.
Os sauditas teriam oferecido à Rússia um acordo para dominar o mercado de petróleo e evitar atentados em Sochi
A ONU advertiu: será ilegal um ataque sem a aprovação do Conselho de Segurança, impossível dada a oposição da Rússia e China. Isso não impediu a OTAN de atacar em Kosovo em 1999 e na Líbia em 2011, nem a aliança anglo-americana de invadir o Iraque em 2003, mas há a possibilidade de que desta vez Moscou esteja menos disposta a olhar para o outro lado. Vladimir Putin, segundo o jornal britânico The Telegraph, rejeitou proposta da Arábia Saudita para abandonar Assad em troca de uma aliança para controlar o mercado de gás e petróleo, manutenção da base naval russa no porto sírio de Tartus e "garantia de proteção" contra ataques tchetchenos nas olimpíadas de Sochi. O jornal libanês As-Saflr vai mais longe e afirma que o presidente russo, furioso, ameaçou os sauditas com um ataque.
Moscou e Teerã estão, evidentemente, mantendo consultas. A armada russa enviou dois navios de guerra de primeira linha ao Mediterrâneo e o Irã adverte sobre o risco de uma Terceira Guerra Mundial.
Putin. Os Estados Unidos vão conseguir combinar antes com os russos?
A Turquia, embora seja inimiga de Assad e esteja teoricamente protegida pelos mísseis Patriot instalados pelos EUA na fronteira síria, deu a entender que só apoiaria uma intervenção aprovada pela ONU. A Liga Árabe, apesar de ter culpado o governo sírio pelo ataque químico, recusou apoio em qualquer hipótese. Apoiar explicitamente mais um ataque ocidental a uma nação árabe poderia ser desastroso em termos de política interna, principalmente nos países com divisões políticas e religiosas mais sérias caso do Egito, que vetou a condenação enfática do regime Assad desejada pelos sauditas.
Estes e os Emirados notoriamente querem que o ataque aconteça, mas com a responsabilidade totalmente assumida pelo Ocidente. A questão é até que ponto a Rússia permitirá a Obama fazer seu jogo sem responder pela força.
Moscou e Teerã estão, evidentemente, mantendo consultas. A armada russa enviou dois navios de guerra de primeira linha ao Mediterrâneo e o Irã adverte sobre o risco de uma Terceira Guerra Mundial.
Putin. Os Estados Unidos vão conseguir combinar antes com os russos?
A Turquia, embora seja inimiga de Assad e esteja teoricamente protegida pelos mísseis Patriot instalados pelos EUA na fronteira síria, deu a entender que só apoiaria uma intervenção aprovada pela ONU. A Liga Árabe, apesar de ter culpado o governo sírio pelo ataque químico, recusou apoio em qualquer hipótese. Apoiar explicitamente mais um ataque ocidental a uma nação árabe poderia ser desastroso em termos de política interna, principalmente nos países com divisões políticas e religiosas mais sérias caso do Egito, que vetou a condenação enfática do regime Assad desejada pelos sauditas.
Estes e os Emirados notoriamente querem que o ataque aconteça, mas com a responsabilidade totalmente assumida pelo Ocidente. A questão é até que ponto a Rússia permitirá a Obama fazer seu jogo sem responder pela força.