Victor Gilinsky* e Henry D. Sokolski* - O Estado de S.Paulo
O recente acordo entre Estados Unidos e Rússia envolvendo as armas químicas da Síria deixou claro o que há muito tempo deve ser um fato óbvio: os esforços do presidente Barack Obama para fazer valer as normas internacionais que proíbem armas de destruição em massa no Oriente Médio envolverão Washington numa confusão diplomática e estratégica muito maior do que a discussão sobre o arsenal químico sírio.
O presidente Bashar Assad insiste que a finalidade do seu arsenal químico sempre foi para fazer frente às armas nucleares de Israel. Se a Síria de fato destruí-lo, o que será do arsenal de Egito e de Israel? Os Estados Unidos se calam estranhamente sobre o estoque de armas químicas do Egito. O Cairo aponta para Israel. Que, naturalmente, afirma ter suas próprias armas químicas para dissuadir Síria e Egito e não pretende se desfazer delas.
Uma manchete do diário israelense Haaretz, há alguns dias, dizia: "Israel inflexível quanto a não ratificar o tratado de armas químicas diante de vizinhos hostis".
Esses três países também não aderiram à Convenção sobre Armas Biológicas e Israel não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), embora mantenha um arsenal nuclear formidável, que, em breve, deverá se tornar tema central neste drama - os Estados Unidos gostem ou não.
Poder nuclear. Um obstáculo que os próprios americanos criaram tem impedido amplas negociações sobre armas de destruição em massa no Oriente Médio. Enquanto o mundo continua sua discussão eterna sobre a capacidade nuclear do Irã e a possibilidade de o país criar um arsenal atômico, dificilmente alguém nos Estados Unidos menciona o poderio nuclear de Israel.
Obama, como seus predecessores, finge que não tem conhecimento do fato. O tabu tem impedido discussões a respeito, tanto em Washington quanto no plano internacional, e desencoraja os EUA a pressionarem Egito e Síria para retificarem as convenções sobre armas biológicas e químicas.
Porque, se insistir, imediatamente, serão levantadas objeções quanto à aceitação americana do arsenal nuclear de Israel.
O que sustenta essa atitude dissimulada é o mito de que os Estados Unidos se obrigam a esconder o fato de Israel possuir armas atômicas em razão de um acordo firmado em 1969 entre o presidente, Richard Nixon, e a primeira-ministra israelense, Golda Meir.
O objetivo de Nixon era conseguir o apoio israelense na Guerra Fria. Ele e Golda Meir viram a necessidade de desencorajar os soviéticos a fornecerem armas nucleares para seus aliados árabes. Se o arsenal nuclear israelense fosse revelado, haveria pressão por parte de Moscou. No entanto, as razões para os Estados Unidos continuarem calados não existem mais.
Todos sabem que os israelenses possuem bombas atômicas. Hoje, como principal efeito dessa ambiguidade, negociações regionais sérias sobre o controle de armas ficam muito mais complicadas.
Todos os outros países da região aderiram ao TNP, mas há questões que ainda não foram solucionadas. Em 2007, descobriu-se que a Síria estava construindo um reator nuclear ilícito, que Israel rapidamente bombardeou.
Assad não permitiu até hoje que inspetores da ONU realizem uma plena investigação do local do reator destruído. E o Irã, aliado da Síria, é suspeito de desenvolver seu próprio programa nuclear para desafiar o monopólio israelense na área. Na verdade, muitos analistas acreditaram que a decisão de Obama de estabelecer uma "linha vermelha" proibindo o uso de armas químicas na Síria foi motivada pela necessidade de mostrar sua disposição a usar a força contra o Irã se o país avançasse com seus planos de fabricar armamento nuclear.
Mudança. O imbróglio explosivo deveria ser objeto de uma conferência internacional, decidida em 2010 por votação unânime dos membros do TNP, incluindo os Estados Unidos. No entanto, tal conferência jamais foi realizada, em parte por causa da ambivalência da Casa Branca sobre como ela poderia afetar Israel.
Em abril, o secretário adjunto de Estado encarregado dos assuntos de não proliferação e segurança internacional. Thomas Countryman, disse esperar que a conferência seja realizada ainda este ano. No início do mês, o chanceler russo, Sergei Lavrov, insistiu para que fosse determinada uma data para a conferência "o mais rápido possível". Ele acrescentou que da reunião deveriam tomar parte Israel e Irã. A Rússia tentou inserir o encontro no acordo da semana passada, mas o secretário de Estado, John Kerry, resistiu.
Se Washington deseja que as negociações sobre armas de destruição em massa no Oriente Médio avancem - ou simplesmente para que os EUA não caiam no ridículo -, Obama deve começar a ser mais franco. O presidente não pode esperar que os países que participarem da conferência levem Washington a sério se a Casa Branca continuar fingindo não saber que Israel possui armas nucleares, ou que Egito e Israel possuem armas biológicas e químicas.
Se a política de Israel neste campo é tão inflexível que é impossível mudar, Obama e o governo dos Estados Unidos precisam ser honestos quanto ao arsenal israelense e agir com base neste fato, para o bem dos EUA e de Israel.
Tradução de Terezinha Martino
*Victor Gilinsky foi membro da Nuclear Regulatory Commission e é consultor na área energética.
*Henry D. Sokolski trabalhou no departamento de defesa dos EUA e é diretor do Centro de Educação de Políticas de Não Proliferação.
*Henry D. Sokolski trabalhou no departamento de defesa dos EUA e é diretor do Centro de Educação de Políticas de Não Proliferação.