Em Evanston, Illinois (nos EUA)
As mais recentes atrocidades na guerra civil da Síria, que matou mais de 100 mil pessoas, exigem uma resposta urgente para impedir novos massacres e punir o presidente Bashar al-Assad. Mas há uma grande confusão a respeito da base legal para o uso da força nessas circunstâncias terríveis. Como um assunto legal, o uso de armas químicas pelo governo sírio não justifica automaticamente uma intervenção armada pelos Estados Unidos.
Há motivos morais para ignorar a lei e eu acredito que o governo Obama deve intervir na Síria. Mas ele não deve fingir que há uma justificativa legal na lei existente. O secretário de Estado, John Kerry, pareceu fazer isso na segunda-feira (26), quando disse sobre o uso de armas químicas: "Essa norma internacional não pode ser violada sem consequências". Seu uso da palavra "norma" em vez de "lei" é revelador.
A Síria não é signatária nem da Convenção de Armas Biológicas de 1972 e nem da Convenção de Armas Químicas de 1993 – e mesmo se fosse, os tratados dependem do Conselho de Segurança da ONU para serem aplicados–, uma grande falha. A Síria é signatária do Protocolo de Genebra, um tratado de 1925 que proíbe o uso de gases tóxicos em guerras. Mas esse tratado foi projetado depois da 1ª Guerra Mundial tendo uma guerra internacional em mente, não conflitos internos.
E quanto à alegação de que, tratados à parte, armas químicas são inerentemente proibidas? Apesar de alguns atos – genocídio, escravidão e pirataria – serem considerados ilegais independentemente de tratados, armas químicas ainda não estão nessa categoria. Cerca de dez países possuem atualmente estoques de armas químicas, com os maiores mantidos pela Rússia e pelos Estados Unidos. Ambos os países estão lentamente destruindo seus estoques, mas não cumpriram o suposto prazo final do ano passado para fazê-lo.
Não há dúvida de que o governo Assad violou princípios humanitários ao longo dos dois anos de guerra, incluindo a proibição de morte indiscriminada de civis, mesmo em conflitos não internacionais, estabelecida na Convenção de Genebra de 1949. Mas as convenções também não significam muito a menos que o Conselho de Segurança concorde em agir. É uma condenação do estado atual da lei internacional o fato de não haver nenhuma base universalmente reconhecida para intervir.
Supostamente, a obrigação legal chave dos países no mundo pós-1945 é o cumprimento da Carta da ONU. Ela exige que os Estados se abstenham "de ameaçar ou usar força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer Estado". O uso da força é permitido quando autorizado pelo Conselho de Segurança ou em autodefesa (e países como a Jordânia e a Turquia estão considerando esta rota para justificar seu ingresso em uma coalizão anti-Assad) –mas não puramente com base humanitária.
É claro que a ética, não apenas as leis, deve guiar as decisões de políticas. Desde o genocídio em Ruanda e os assassinatos em massa nos Bálcãs dos anos 90, surgiu um movimento de apoio à adição da intervenção humanitária como uma terceira categoria de guerra legal, sob o conceito de "responsabilidade em proteger". Isso é amplamente aceito pela ONU e pela maioria dos governos. Mas não está na carta e carece de força legal.
Isso ficou evidente em Kosovo em 1999, quando a Otan bombardeou a Iugoslávia sem autorização da ONU. Naquela ocasião, como agora, Rússia e China não estavam dispostas a conceder a aprovação ao Conselho de Segurança. Os Estados Unidos e seus aliados foram em frente com o que a Comissão Internacional Independente para Kosovo posteriormente chamou de uso "ilegal, porém legítimo" de força. Nesse caso, a Otan aceitou implicitamente que seu ato era ilegal. Ela o defendeu em termos morais e políticos em vez de termos legais.
Normas e instituições da lei criminal internacional, incluindo 11 anos de experiência com o Tribunal Penal Internacional, se fortaleceram desde então. Tribunais especiais para o Camboja, Ruanda e para a antiga Iugoslávia refletem o crescente consenso de que os perpetradores de atrocidades devem ser punidos.
Mas se a Casa Branca leva a lei internacional a sério –como faz o Departamento de Estado–, ela não pode querer as duas coisas. Ela deve argumentar que uma intervenção "ilegal, porém legítima" é melhor do que não fazer nada ou afirmar que a lei internacional mudou –estratégia que chamo de "não cumprimento construtivo". No caso da Síria, eu voto pela segunda opção.
Como a Rússia e a China não ajudarão, Obama e líderes aliados devem declarar que a lei internacional evoluiu e que não precisam de aprovação do Conselho de Segurança para intervir na Síria.
Isso seria popular em muitos setores e eu acredito ser a coisa certa a fazer. Mas se o governo americano aceitar que o Estado de direito é a fundação da sociedade civilizada, deve ficar claro que isso representa um novo caminho legal.
(Ian Hurd, professor associado de ciência política da Universidade do Noroeste, é autor de "After Anarchy: Legitimacy and Power in the United Nations Security Council")