Governo russo afirma que ameaça americana de usar a força para punir Assad pelo uso de armas químicas é ‘inaceitável’
Inspetores da ONU deixam país e ofensiva é considerada iminente
O Globo
Com agências internacionais
BEIRUTE e WASHINGTON – Os inspetores da ONU que foram à Síria investigar o ataque químico que matou centenas de pessoas nos arredores de Damasco na semana passada deixaram o país neste sábado, aumentando a expectativa quanto a um iminente ataque dos EUA ao país. Enquanto isso, o governo russo afirmou que a ameaça americana de usar a força para punir o presidente sírio Bashar al-Assad pelo suposto uso de armas químicas contra a própria população é “inaceitável”.
A equipe de investigadores das Nações Unidas passou quatro dias na Síria recolhendo amostras e seus últimos integrantes saíram do país e entraram por terra no vizinho Líbano na madrugada deste sábado no horário de Brasília, seguindo diretamente para o aeroporto de Beirute. De lá, embarcaram rumo à Europa em avião fretado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha e pousaram no início da tarde em Roterdã, Holanda. Os inspetores estiveram por três vezes em áreas do subúrbio damasquino de Ghouta dominadas pelos rebeldes, onde coletaram sangue e tecido de vítimas, assim como amostras do solo, roupas e fragmentos de foguetes supostamente usados no ataque. Segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, os resultados finais das análises não serão conhecidos antes de duas semanas.
Na sexta-feira, porém, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, apresentou um relatório da Inteligência americana que segundo a Casa Branca não deixa dúvidas de que o ataque químico na Síria foi perpetrado pelas tropas de Assad, deixando 1.429 mortos, incluindo 426 crianças, no dia 21 agosto. Damasco reagiu e afirmou que o relatório era “totalmente fabricado”. Segundo o relatório americano, imagens de satélite mostram que os foguetes foram lançados 90 minutos antes dos primeiros registros nas mídias sociais. Os dados apresentados por Kerry indicaram ainda que o regime de Assad usou um mix de armas químicas, incluindo gás sarin.
- Este ataque é uma ameaça para o mundo e afeta aos interesses dos Estados Unidos e de nossos aliados. Não podemos aceitar um mundo onde mulheres e crianças são vítimas de gás. Se não houver uma ação militar contra este ataque estaremos enviando sinais de que as normas de segurança internacionais não têm sentido - disse o presidente dos EUA, Barack Obama, logo após a divulgação do relatório, num claro sinal de que o país está disposto a responder ao ataque químico, mesmo que seja sem o apoio de aliados.
Em mais um sinal da iminência do ataque à Síria, Kerry, o secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel, e outros altos integrantes do governo Obama realizarão na tarde deste sábado teleconferências com as lideranças democrata e republicana no Senado. Mas enquanto o Pentágono faz as preparações finais para um ataque, a Rússia elevou o tom das críticas à intenção americana de agir sem o aval do Conselho de Segurança da ONU. Para o presidente russo Vladmir Putin, não faria sentido para o governo sírio usar armas químicas numa guerra que está vencendo.
- É por isso que estou convencido que o ataque químico não foi nada mais que uma provocação daqueles que querem arrastar outros países para o conflito sírio e ganhar o apoio de membros poderosos da arena internacional, especialmente dos EUA – disse Putin.
Mais cedo, Alexander Lukashevich, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, classificou como “inaceitáveis” as ameaças dos EUA contra a Síria. Segundo Obama, seu país, que dispõe de pelo menos cinco navios equipados com mísseis de cruzeiro na região, planeja uma resposta “limitada” ao ataque químico que não envolverá tropas em terra.
- Qualquer uso unilateral da força sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU, não interessa o quanto “limitado”, será uma clara violação das leis internacionais, minando as chances de uma solução política e diplomática pata o conflito na Síria e levando a uma nova rodada de confrontos e vítimas - comentou Lukashevich.
Diante da iminência de um ataque, a Síria também prepara suas defesas. Segundo relatos de opositores de Assad, o presidente está movendo tropas, equipamentos e caminhões de documentos para áreas civis de forma a dificultar o trabalho das forças americanas.
- Presumimos que Assad está fazendo isso para proteger seus ativos estratégicos de ataques com mísseis de cruzeiro dos EUA - disse Dan Layman, do Grupo de Suporte à Síria, que apoia os opositores de Assad.
Já os rebeldes sírios planejam aproveitar um eventual ataque dos EUA para lançar uma ofensiva. Qassim Saadeddine, ex-coronel do Exército da Síria e porta-voz do Supremo Conselho Militar dos rebeldes disse que os planos já foram enviados a grupos espalhados pelo país.
- Nossa esperança é tirar vantagem quando algumas áreas (controladas pelo governo Assad) forem enfraquecidas pelo ataque - contou. - Ordenamos a alguns grupos que se preparem em cada uma das províncias, que preparem seus homens para quando o ataque acontecer. Eles receberam planos militares que incluem ataques a alguns dos alvos que esperamos que sejam atingidos pelos ataques estrangeiros e alguns outros que esperamos atacar ao mesmo tempo.
Enquanto isso, a população síria busca maneiras de se proteger, mesmo não sabendo exatamente o que fazer ou onde se esconder. Já médicos de hospitais nas proximidades da capital síria contaram estarem treinando equipes e tentando assegurar a chegada de suprimentos de atropina e oxigênio, fundamentais para o tratamento de vítimas de ataques químicos, enviados por grupos internacionais de ajuda.
- Tememos que aconteça um novo ataque químico como vingança caso as potências estrangeiras levem a cabo seu ataque - disse Abu Akram, médico no subúrbio damasquino de Arbin, também controlado pelos rebeldes.