Aleksandr Potapov e Iúri Matsárski | Izvéstia
Izvéstia: Que áreas do país ainda estão sendo controladas pelos rebeldes?
Bashar al-Assad: Não é bem isso o que interessa – áreas controladas pelos rebeldes ou pelo Exército. Nenhum país do mundo possui um Exército que consiga estar em plena prontidão de combate em todo o território. Os terroristas aproveitam-se disso, tentando se infiltrar onde não há tropas. O problema não são as áreas invadidas por terroristas – a situação muda todos os dias, a toda a hora. A questão é a enorme quantidade de terroristas que vêm de fora. Ações militares continuam por causa dos inúmeros terroristas que entram constantemente na Síria do estrangeiro. Além disso, eles passam a receber financiamento e armas também de fora.
I: A nossa entrevista será traduzida para várias línguas e lida por muitos líderes mundiais. Que mensagem gostaria de transmitir?
B.A.: Gostaria de dizer que o terrorismo não é nenhuma vantagem que se possa tirar da manga e pôr em jogo quando convier, guardando-o depois de novo. O terrorismo é como um escorpião: ataca quando menos se espera. Logo, não se pode apoiá-lo na Síria e lutar contra ele em Mali.
I: Na quarta-feira passada (21), o governo sírio foi acusado pelos rebeldes de utilização de armas químicas. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
B.A.: Primeiro são feitas as acusações e só depois se arranjam as provas. Veja bem: na quarta-feira fomos acusados, e só passados dois dias o governo norte-americano anunciou o início da coleta de provas.
O nosso Exército foi acusado de ter utilizado armas químicas numa região alegadamente controlada pelos insurgentes. Na realidade, nessa região não existe linha de combate definida entre o Exército e os rebeldes. Que Estado é que pode usar armas de extermínio maciço, sejam químicas ou quaisquer outras, no local de concentração das suas próprias tropas? Portanto, são acusações meramente políticas.
Durante as últimas semanas, estávamos em conversações com a ONU sobre a inspeção; os inspetores já estão na Síria. Os resultados do seu trabalho serão apresentados à ONU.
I: O que o senhor pensa sobre a possibilidade de os EUA agirem em relação à Síria da mesma forma que no Iraque, isto é, tentando arranjar um pretexto para a invasão?
B.A.: Já não é a primeira vez que se levanta a questão de invasão militar na Síria. Desde o início da crise, os EUA, França e Grã-Bretanha já tentaram iniciar a invasão militar, mas não conseguiram convencer os próprios povos nem o mundo inteiro de que a sua política era útil e sensata. Também enfrentaram aqui uma situação bem diferente da do Egito e da Tunísia.
Mais um impedimento para a invasão militar: todo o mundo percebe que os acontecimentos na Síria não têm a ver com revolução popular nem com exigências de reformas. Têm a ver é com o terrorismo. Na situação atual, os líderes ocidentais não podem dizer aos seus concidadãos: “Vamos à Síria para apoiar o terrorismo”.
I: Falando sobre a Rússia, o que acontecerá se Moscou ceder à pressão do Ocidente?
B.A.: Após a desintegração da URSS, os EUA acharam que a Rússia estava acabada de vez. Entretanto, com a chegada de Vladímir Pútin ao poder, o país começou a defender as suas posições cada vez mais persistentemente. Como resultado, começou uma “nova Guerra Fria”.
A questão levantada é por que a Rússia está apoiando a Síria. A Rússia não defende o presidente Bashar al-Assad, porque o povo sírio bem pode eleger qualquer outro presidente. A Rússia defende os princípios de independência e de não intervenção nos assuntos internos dos outros países.
Além disso, a Rússia protege os interesses próprios na região, e está no seu direito. Os interesses que não se reduzem ao porto de Tartus. É que os ataques terroristas na Síria ameaçam a estabilidade em todo o Oriente Médio, e a desestabilização afetaria também a Rússia.
Não nos esqueçamos de milhares de famílias russo-sírias que criam uma ponte sociocultural entre os dois países.
I: O governo sírio tem mantido negociações com a Rússia sobre o fornecimentos de combustíveis e armas? Refiro-me em especial a um contrato de fornecimento de sistemas S-300. Eles já foram entregues?
B.A.: É óbvio que nenhum dos países pode discutir assim os assuntos relacionados com tipos de armas que possui nem os respetivos contratos de fornecimento, pois são segredo de Estado e das Forças Armadas.
Só posso dizer que todos os contratos assinados com a Rússia estão sendo concretizados e não sofreram alterações por causa da crise ou da pressão dos EUA. A Rússia vai fornecendo à Síria o que é necessário para a defesa do país, para a defesa do seu povo.
I: Com que tipo de ajuda russa conta mais a Síria: na área de economia ou de armamentos?
B.A.: O apoio político da Rússia, bem como o cumprimento dos contratos militares, melhoraram sensivelmente a nossa situação econômica, apesar da pressão estadunidense.
I: Quais países o senhor vê como os seus aliados principais e como os seus adversários?
B.A.: Os países que estão lado a lado conosco na arena mundial são a Rússia e a China; em nível regional, o Irã. Já se pode falar de certas mudanças positivas no mundo: alguns dos países começaram a alterar seus pontos de vista.
Há Estados que apoiam abertamente os terroristas na Síria, nomeadamente Catar e Turquia. Catar é o “patrocinador” dos terroristas, enquanto a Turquia promove treinamentos e assegura corredores de passagem. Ultimamente, foi a Arábia Saudita que substituiu o Catar na qualidade de patrocinador.
I: O que o senhor está esperando da conferência Genebra 2?
B.A.: A missão da conferência de Genebra é preparar terreno para a regulação política na Síria. Por enquanto, não podemos iniciar o diálogo político até se dar fim ao apoio ao terrorismo vindo do estrangeiro. Por conseguinte, estamos esperando da Genebra a influência sobre Estados apoiantes do terrorismo na Síria – que acabem com contrabando de armas e com envio de terroristas contratados para o nosso país.