Vadim Fersovich - Voz da Rússia
O primeiro a "usar gás" no Iraque foi Winston Churchill em 1922, quando a empresa de petróleo anglo-persa (Anglo-Persian Oil Company), conhecida hoje como a BP, converteu o Iraque em colônia petrolífera britânica. Quando no país se iniciaram agitações em massa, Churchill, usando palavra no Parlamento, disse: "Precisamos empregar bombas com gás para incutir um receio divino às tribos insubmissas".
No início dos anos 80, os EUA começaram a fornecer ao Iraque avolumados lotes de pesticidas e herbicidas que, como se sabe, são componentes básicos para a fabricação de armas químicas. Num país cheio de desertos, com um setor agrícola desenvolvido, estas substâncias não eram necessárias. Passado algum tempo, o Iraque adquiriu centrifugas que se usam para separar de pesticidas os principais componentes de armas químicas.
Em 17 de março de 1988, contra a aldeia curda Halabja, no norte do Iraque, foi empregada uma substância tóxica que matou 5 mil habitantes locais. Um grupo de peritos que se deslocara ao local do incidente não conseguiu definir um responsável pelo mortífero ataque de gás "numa povoação que, desde os meados de março estava ocupada pelas tropas iranianas". Foi constatado que "nos combates por Halabja, os gases tóxicos foram usados por ambas as partes". No entanto, "o estado de corpos das vítimas demonstrou as pessoas terem sido mortas devido ao emprego de gás, produzido com base em cianeto, utilizado pelo Irã. Os iraquianos, como se supõe, costumavam usar gás mostarda ou iperita".
Como no caso de Damasco, teria sido estranho suspeitar o Irã de um ataque químico contra os aliados. Como é sabido, os milicianos armados curdos Peshmerga atuavam então do seu lado. A verdade passou a ser esclarecida mais tarde. Em 17 de janeiro de 2010, o tribunal iraquiano atribuiu a culpa pelo ataque a Halabja a Saddam Hussein, tendo-o condenado à pena capital por enforcamento.
Segundo escreve o Foreign Policy, os EUA tinham negado a conivência com os ataques químicos iraquianos, dizendo que o governo de Hussein nunca tinha a intenção de empregar estas armas. Todavia, o coronel reformado da Força Aérea, Rick Francona, em 1988 - adido militar dos EUA em Bagdá, assinalou em entrevista à mesma fonte: "Os iraquianos nunca disseram ter intenção de empregar gases paralíticos. Nem tinham a necessidade disso. Nós já sabíamos tudo". E eis um comentário ao artigo em causa: "Em 1984, estive a frequentar o curso de especialistas NBC num centro de instrução Fort McClellan em Alabama, onde estudavam também oficiais iraquianos". Nas palavras do antigo agente da CIA, os iraquianos, antes de cada ataque, traziam para suas posições as substâncias químicas. Conforme a CIA, dois terços de armas químicas, empregadas no decurso da guerra pelo Iraque, foram usados no último ano e meio das ações militares".
No final de 1987, os serviços de inteligência informaram o Presidente Reagan sobre a próxima ofensiva iraniana "muito mais larga do que as anteriores", frisando que os persas tinham "uma boa chance de quebrar a defesa iraquiana, vir a ocupar Baçorá e ganhar a guerra". Reagan leu o relatório, e segundo Francona, escreveu à margem: "A vitória do Irã é inadmissível". Assim, ao Iraque foram fornecidos dados detalhados sobre a deslocação das tropas do adversário. O Iraque, utilizando as fotos, mapas e outros dados importantes usou gás mostarda e sarin antes de quatro ofensivas no início de 1988. O Exército iraniano não chegou a ocupar Baçorá. No dizer de Francona, Washington se contentou com o resultado, já que depois dos ataques químicos, o Irã já não pôde continuar a ofensiva.
Mas isto já não constitui um segredo. Em 1994, a ajuda norte-americana ao regime de Saddam Hussein foi descrita por Bruce Jentleson em seu livro With Friends Like These. No livro de Dilip Hiro The Longest War (1991), é descrita em detalhe a guerra química do Iraque. Recentemente, na Universidade Nacional de Defesa, se tornou acessível a tradução de uns livros de memórias da autoria de generais iraquianos que também descrevem em detalhes os ataques químicos. O artigo exclusivo, tornado público pelo Foreign Policy, se destaca, antes de mais, pelo fato de citar tanto as provas de testemunhas como os documentos concretos.
Agora, quando ainda não está provado quem empregou gases tóxicos em Damasco, a antiga história sobre o Iraque vem demonstrando ser muito fácil lançar culpa a alguém. Depois, é muito mais difícil formular desmentidos e reconhecer os erros, cometidos devido a "boas intenções". Tanto mais, na época em que os segredos não se mantêm por muito tempo.