Bridget Kendall
Correspondente de assuntos diplomáticos da BBC
Os Estados Unidos afirmaram que estão analisando se realmente foram usadas armas químicas em ataques nos subúrbios de Damasco na quarta-feira.
Mas, à medida que começa vir à tona o que realmente aconteceu, especialistas se dizem cada vez mais convencidos de que realmente foi usado um gás neurotóxico.
Dezenas de vídeos amadores podem ser vistos online sobre o suposto ataque químico. Apesar de o material não ter sua fonte verificada, ele dá indícios para entender o que aconteceu.
Horário
Em primeiro lugar, o horário do ataque está se confirmando: ocorreu na madrugada.
Isso porque alguns dos que morreram estavam de pijamas. E sobreviventes disseram terem sido acordados com as explosões no meio da noite, quando ainda estavam em suas camas.
"Estávamos dormindo quando fomos atacados", disse um garotinho. "Minha mãe colocou roupas nos nossos olhos, estava queimando. Meu pai gritava ‘saim, saim’. Vimos uma pessoa morta enquanto a gente saía de casa. Minha mãe desmaiou, e meu pai começou a chorar. Ele me colocou em um carro, e o carro saiu. Eu não sei onde ele está. Eu não sei onde nenhum deles está."
Um vídeo mostra luzes que parecem ser de ambulâncias com a sirene ligada, aparentemente saindo em disparada da área que foi atacada.
Outra gravação mostra vítimas deitadas na calçada sendo lavadas metodicamente, aparentemente em uma tentativa de descontaminá-las.
Dentro de um hospital improvisado, onde as vítimas são tratadas freneticamente, pode-se ouvir o tradicional chamado para a oração matinal dos muçulmanos, que costuma ocorrer 45 minutos antes do nascer do sol.
Pelos posts no Facebook, também é possível determinar a hora do ataque com ainda mais precisão. Nas três principais páginas de grupos de oposição sírios, a primeira menção de armas químicas é feita às 2h45 do horário local (20h45 da terça-feira, no horário de Brasília).
Foi um relato da Comissão de Coordenação Ein Tarma afirmando que "vários moradores morreram sufocados em casos ligados a ataques químicos na região de al-Zayniya".
Dois minutos depois, às 2h47, o grupo Sham News Network postou uma mensagem urgente, afirmando que forças do governo haviam atacado Zamalka usando armas químicas.
O terceiro post, da rede de ativistas da oposição Comitês de Coordenação Local, foi ao ar por volta das 2h55 com uma mensagem similar.
Uma hora e meia antes, os três grupos postaram mensagem de duros ataques na região de Ghouta (a leste de Damasco), próximo a Damasco, entre os rebeldes do Exército Livre da Síria e forças do governo – além de ataques do governo e um relato de que os rebeldes teriam derrubado um helicóptero na área.
Isso indica que o suposto ataque químico contra civis que chocaram o mundo, aparentemente, não surgiu do nada.
Quanto ao local dos ataques, são citados redutos dos rebeldes na região de Ghouta, especialmente nas cidades de Irbin, Jobar, Zamalka e Ein Tarma. E a oeste da capital síria, na cidade de Muadhamiya.
Sintomas
E é pelo gritos agonizantes das vítimas que é possível se ter uma ideia dos sintomas que elas apresentavam.
A maioria das pessoas tratadas eram homens de todas as idades e crianças muito pequenas.
Poucas mulheres foram filmadas, talvez por respeito à privacidade delas. Outra possibilidade é que não é tão comum que elas durmam no teto da casa, ao ar livre, reduzindo assim as chances de que elas fossem expostas ao gás tóxico.
Entre os que aparecem deitados no chão ou sendo tratados, nenhum parece ter sinais de ferimentos com sangue ou lacerações. Mas há muitos que têm extrema dificuldade em respirar e estão sendo auxiliados com máscaras de oxigênio.
Um homem aparece se retorcendo e tremendo no chão, aparentemente tendo convulsões. Várias outros homens estão em condições parecidas, espumando pela boca ou pelo nariz.
Uma das vítimas cujo olho parece meio vitrificado e sem vida se destaca por seu rosto, que parece quase congelado, suas pupilas aparentemente contraídas – uma indicação de uso de gás tóxico.
Armas
Apesar de o governo americano afirmar que ainda não é capaz de dizer categoricamente que armas químicas foram usadas, Stephen Johnson, um ex-especialista do Exército britânico que hoje integra o departamento forense da Universidade de Cranfield, na Inglaterra, afirma que o número crescente de indícios visuais parecem apontar para o uso desse tipo de arma.
"A escala, o número de pessoas que parece ter sido afetada segundo os vídeos, a consistência dos sintomas... Tudo isso seria muito difícil de se fingir, seria uma farsa em escala impressionante. E não apenas extremamente difícil de se encenar, mas também seria algo que facilmente seria descoberto nas investigações."
Em muitos locais, no entanto, o debate parece já ter ido além do uso ou não de armas químicas, mas sobre quem foi o responsável pelo ataque.
E, para isso, Stephen Johnson afirma que a análise das armas e de seus sistemas de lançamento será crucial.
"É importante que a gente determine de onde essas armas vieram e quem as disparou. É fundamental que se vá até as áreas de ataque o quanto antes, para ver os locais de impacto. Também é preciso tentar encontrar os restos desses foguetes e ver se eles são os mesmos que vemos nas imagens."