Deutsche Welle
Quando Barack Obama, em meados de 2012, falou pela primeira vez sobre a "linha vermelha", tudo parecia bastante claro: se o regime de Bashar al-Assad fizesse realmente uso de seu grande arsenal de armas químicas, os Estados Unidos não permaneceriam indiferentes. Um ano depois, essa linha foi cruzada, de forma clara e, provavelmente, mais de uma vez.
Durante muito tempo, parecia que as ameaças do presidente americano não levariam a uma ação efetiva. Mas agora ele não tem quase opção, particularmente depois das imagens chocantes do que seria o ataque com gás venenoso do último dia 21 de agosto em Damasco.
O tema impõe a Obama um dilema: combater as atrocidades num país a quase 10 mil quilômetros de distância ou atender aos desejos dos cidadãos que o elegeram. Pesquisa desta semana da Reuters/Ipsos mostrou que apenas 6% nos EUA são a favor de uma intervenção americana na Síria, mesmo se houver confirmação do ataque químico.
"Acredito que qualquer tipo de grande ofensiva dos EUA envolvendo Reino Unido e França é altamente improvável", diz Paul Rogers, especialista em segurança do Oxford Research Group. "Uma possibilidade seria uma demonstração de força, um ataque contra uma instalação específica do regime sírio, como a central de inteligência."
Segundo uma fonte do governo americano ouvida pelo jornal Washington Post, é justamente essa possibilidade quem vem sido pesada por Obama. Os EUA, de acordo com o diário, estariam preparando uma ação de duração limitada, de não mais que dois dias, e contra um alvo específico.
Interesses nacionais
A ação seria uma resposta americana ao ataque químico, porém sem envolver as tropas dos EUA diretamente numa nova guerra. Os riscos de uma intervenção, mesmo nesses moldes, são altos. É difícil para os americanos imaginarem qual seria a reação síria e, também, dos vizinhos no Oriente Médio.
"O regime pode decidir usar armas químicas de novo ou optar por recuar, depende inteiramente do quão efetivo será esse ataque", opina Rogers. "No grande Oriente Médio, apesar da brutalidade do regime de Assad, isso será visto como mais um exemplo da interferência ocidental, após Iraque, Afeganistão, Iêmen, Somália e Líbia."
Em meio ao debate sobre a intervenção, o termo "interesse nacional" sempre se escuta em Washington. Em sua mais recente entrevista, Obama disse agir "bem conscientemente" e "de forma a estar de acordo com os interesses nacionais.
E segundo Anthony Cordesman, especialista em Síria no instituto CSIS, os EUA têm muitos interesses no Oriente Médio. Ele diz que trata-se de petróleo e de países vizinhos aliados como Israel e Jordânia, além do poder em geral e da "verdadeira preocupação de que um país como o Irã poderia obter uma base real na Síria."
Nesse processo, também os pesos-pesados da política externa da oposição republicana têm tido influência. Principalmente o senador John McCain, adversário de Obama nas eleições de 2008, que defende há tempos uma intervenção mais forte dos EUA.
Mas mesmo McCain é prudente o suficiente para falar apenas de uma "ação militar limitada": os republicanos também sabem que a população americana não concordaria com uma intervenção, como em Iraque e Afeganistão.
Cenário complicado
Como fator agravante há o fato de que intevenções anteriores, como a na Líbia, não podem servir exatamente como modelo. Na ocasião, o Conselho de Segurança das Nações Unidas estava apoiando uma abrangente coalizão. Embora os EUA tenham sido o motor militar da missão, a iniciativa partiu da França e do Reino Unido, e Obama teve, assim, apoio suficiente para não alimentar a imagem imperialista americana que predomina em muitas partes do mundo.
Desta vez, é provável que uma resolução da ONU não venha a se concretizar. A Rússia apoia o regime de Assad e bloqueia qualquer iniciativa. Também não está claro como uma intervenção na Síria pode ser aprovada pela comunidade internacional.
Para Marc Pierini, ex-embaixador da União Europeia na Síria, uma eventual intervenção teria que envolver franceses e britânicos. O Reino Unido antecipou para esta quinta-feira (27/08) a primeira sessão parlamentar após a pausa de verão para discutir exclusivamente uma possível intervenção na Síria.
"Reino Unido e França têm mísseis de cruzeiro. E holandeses e alemães já estão envolvidos em operações de defesa na Turquia, com a Otan. Então, a única real dúvida é se os italianos se envolveriam ou não", opina.
Os Estados Unidos aprenderam uma lição com a Guerra do Iraque, país em que a união dos grupos oposicionistas é uma exceção. Na Síria, apoiar somente uma parte da oposição – por exemplo, os moderados, como também foi defendido por John McCain – pode ser perigoso.
Entre governantes alauitas, maioria sunita da população e radicais islamistas, entre o fornecimento de armas do Irã e da Arábia Saudita e o crescente nervosismo de países vizinhos como Israel, Jordânia e Turquia – na Síria, laços sociais, religiosos e geopolíticos transformaram-se num emaranhado quase incompreensível para os Estados Unidos.
Não há uma resposta simples para a pergunta de quem poderia ser apoiado por Washington. "Os Estados Unidos têm que tomar algumas decisões difíceis sobre qual dos grupos rebeldes – se for o caso – pretendem apoiar e com quais restrições", completa Anthony Cordesman. "É inútil obter mais ou menos uma vitória militar e perder em nível político."