Ariel Palacios - O Estado de SP
CORRESPONDENTE / BUENOS AIRES
O governo da presidente Cristina Kirchner foi atingido por uma inédita crise política no setor de direitos humanos, área que havia sido uma das bandeiras de seu governo. O pivô das turbulências é o general César Milani, militar de longa experiência na área de inteligência, escolhido pela presidente para comandar o Exército. Segundo denúncias, Milani, em 1975 e 1976, teria participado de sequestros, torturas e desaparecimento de civis.
A presidente, em rede nacional, respaldou Milani e garantiu seu general de confiança no posto. Cristina, em uma atitude inédita, pediu "união nacional" e criticou os que tentam jogar os militares contra os civis.
Milani, designado há um mês como chefe do Exército, é suspeito de ter colaborado com a repressão nas províncias de Tucumán e La Rioja, em 1975, na "Operação Independência", campanha realizada pelas Forças Armadas no final do governo de Isabelita Perón, para eliminar pessoas suspeitas de subversão. Na época, ele era subtenente e teria continuado com tarefas de inteligência na repressão a civis em 1976, após o golpe de Estado.
Além disso, Milani é suspeito de vínculos com os militares "caras pintadas", da direita nacionalista, que protagonizaram levantes nos quartéis nos anos 80. A oposição, desconfiada da compra de uma mansão por parte de Milani, encaminhou um pedido a promotores federais para que o investiguem por enriquecimento ilícito.
Cristina pretendia promovê-lo a tenente-general, o que exigiria aprovação do Senado. Diante da resistência da oposição, ela decidiu adiar a promoção para depois das eleições parlamentares de outubro.
O escândalo começou quando líderes da União Cívica Radical (UCR), de oposição, indicaram que o militar havia integrado tarefas de repressão em Tucumán. Aliados do governo alegaram que Milani, na época, trabalhava longe dali, na Província de La Rioja. No entanto, a oposição provou que ele havia sido deslocado pelo Exército para Tucumán.
Milani é suspeito do desaparecimento do soldado Alberto Ledo, em Tucumán, em 1976, e de torturas e prisão ilegal de Ramón Olivera, em La Rioja, em 1977.
A UCR também acusa o secretário de direitos humanos, Juan Fresneda, de não ter entregado informações sobre as supostas violações cometidas por Milani no relatório preparado sobre a promoção do militar. As revelações provocaram uma crise nas fileiras do kirchnerismo, que se dividiu sobre o passado de Milani e sobre sua permanência no cargo.
Direitos humanos. O senador Gerardo Morales, da UCR, acusou a presidente de "sustentar um genocida que sequestrou e admitiu ter assinado um documento de deserção para legalizar o desaparecimento do soldado Alberto Ledo". Segundo deputados da oposição, manter Milani no comando do Exército demonstra as "duas caras do governo no que concerne os direitos humanos".
PARA ENTENDER
O assassinato de Alberto Ledo
Alberto Ledo era estudante, de história na Universidade de La Rioja, militante do Partido Revolucionário dos Trabalhadores e do Exército Revolucionário do Povo. Ele tinha 21 anos em junho de 1976, quando servia as Forças Armadas em Tucumán sob as ordens do então subtenente César Milani.
O soldado desapareceu e foi declarado desertor em documento assinado pelo militar, hoje chefe do Exército nomeado por Cristina Kirchner. A Justiça, argentina, entretanto, considera que Ledo foi assassinado pelo oficial por sua posição crítica à ditadura.
O soldado desapareceu e foi declarado desertor em documento assinado pelo militar, hoje chefe do Exército nomeado por Cristina Kirchner. A Justiça, argentina, entretanto, considera que Ledo foi assassinado pelo oficial por sua posição crítica à ditadura.