Por Arthur Rosa e Bárbara Pombo | Valor
De São Paulo e Brasília
Quem passa pela rua Dr. Villa Nova, no bairro Vila Buarque, em São Paulo, quase não percebe a presença de um tribunal. Num prédio simples, localizado no número 285, funcionam as duas instâncias da Justiça Militar do Estado de São Paulo. Em Brasília, a sede do Superior Tribunal Militar (STM) também destoa das que abrigam o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Se não chamam atenção por suas instalações, essas desconhecidas esferas do Judiciário despertaram a curiosidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por seus números: gastos somados de R$ 419 milhões para o julgamento, em 2011, de aproximadamente oito mil processos contra policiais militares e integrantes das Forças Armadas.
Os dados do relatório "Justiça em Números" foram considerados escandalosos" pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo. A polêmica surgiu durante o julgamento pelo conselho de um processo disciplinar contra dois juízes do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJM-MG), acusados de, intencionalmente, perderem o prazo para julgar ações criminais contra policiais militares.
Diante do problema, os conselheiros olharam os números da Justiça Militar Estadual, presente nos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, e do Superior Tribunal Militar (Justiça Militar da União) e constataram um volume pequeno de processos em tramitação (um total de 13,2 mil em 2011, ante os milhões da Justiça Estadual) e de julgamentos. Enquanto um magistrado da Justiça Estadual proferiu 1.392 sentenças ou decisões terminativas naquele ano, o da Justiça Militar Estadual apenas 177.
No caso, os conselheiros só advertiram os juízes mineiros. Apesar da pena branda, o ministro Joaquim Barbosa aproveitou a oportunidade para determinar a criação de grupo de trabalho para elaborar um diagnóstico e dar um veredicto para a Justiça Militar Estadual e a da União.
Uma das saídas cogitadas seria a extinção desses tribunais e a transferência das ações para a Justiça comum. Outra possibilidade seria restringir a atuação da Justiça Militar da União aos tempos de guerra. O grupo de trabalho, composto por seis membros, deve entregar um relatório final até outubro. "O trabalho não significa que estamos descontentes com a Justiça Militar", diz o coordenador do grupo, o conselheiro Wellington Cabral Saraiva, procurador da República.
Diante da repercussão, os dirigentes dessas Cortes - oficiais da Polícia Militar e das Forças Armadas - afinaram seus discursos. Para eles, é preciso, antes de tudo, conhecer a fundo o funcionamento da Justiça Militar Estadual e a da União, que não contam com representantes no CNJ.
"Isso é um absurdo. Não se pode verificar a relevância com números frios", diz o presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJM-SP), coronel Orlando Eduardo Geraldi, da Polícia Militar paulista.
Os militares argumentam ainda que a extinção desses tribunais traria repercussões negativas às tropas. A resposta rápida às infrações, segundo eles, repercute e tem um efeito preventivo grande. "A transferência dos casos para a Justiça comum transformaria as Forças Armadas em bandos", afirma o general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, presidente do STM desde março de 2010.
Para o coronel Geraldi, é preciso levar em consideração o efeito da demora dentro da tropa. A Justiça Militar paulista, de acordo com ele, é célere. No ano passado, o tempo médio de tramitação dos processos na primeira instância foi de 15 meses. Na segunda instância, de cinco meses. "Na Justiça comum, demoraria anos. O juiz militar é o da obediência. O civil, o da liberdade", diz.
Quem passa pela rua Dr. Villa Nova, no bairro Vila Buarque, em São Paulo, quase não percebe a presença de um tribunal. Num prédio simples, localizado no número 285, funcionam as duas instâncias da Justiça Militar do Estado de São Paulo. Em Brasília, a sede do Superior Tribunal Militar (STM) também destoa das que abrigam o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Se não chamam atenção por suas instalações, essas desconhecidas esferas do Judiciário despertaram a curiosidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por seus números: gastos somados de R$ 419 milhões para o julgamento, em 2011, de aproximadamente oito mil processos contra policiais militares e integrantes das Forças Armadas.
Os dados do relatório "Justiça em Números" foram considerados escandalosos" pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo. A polêmica surgiu durante o julgamento pelo conselho de um processo disciplinar contra dois juízes do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJM-MG), acusados de, intencionalmente, perderem o prazo para julgar ações criminais contra policiais militares.
Diante do problema, os conselheiros olharam os números da Justiça Militar Estadual, presente nos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, e do Superior Tribunal Militar (Justiça Militar da União) e constataram um volume pequeno de processos em tramitação (um total de 13,2 mil em 2011, ante os milhões da Justiça Estadual) e de julgamentos. Enquanto um magistrado da Justiça Estadual proferiu 1.392 sentenças ou decisões terminativas naquele ano, o da Justiça Militar Estadual apenas 177.
No caso, os conselheiros só advertiram os juízes mineiros. Apesar da pena branda, o ministro Joaquim Barbosa aproveitou a oportunidade para determinar a criação de grupo de trabalho para elaborar um diagnóstico e dar um veredicto para a Justiça Militar Estadual e a da União.
Uma das saídas cogitadas seria a extinção desses tribunais e a transferência das ações para a Justiça comum. Outra possibilidade seria restringir a atuação da Justiça Militar da União aos tempos de guerra. O grupo de trabalho, composto por seis membros, deve entregar um relatório final até outubro. "O trabalho não significa que estamos descontentes com a Justiça Militar", diz o coordenador do grupo, o conselheiro Wellington Cabral Saraiva, procurador da República.
Diante da repercussão, os dirigentes dessas Cortes - oficiais da Polícia Militar e das Forças Armadas - afinaram seus discursos. Para eles, é preciso, antes de tudo, conhecer a fundo o funcionamento da Justiça Militar Estadual e a da União, que não contam com representantes no CNJ.
"Isso é um absurdo. Não se pode verificar a relevância com números frios", diz o presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJM-SP), coronel Orlando Eduardo Geraldi, da Polícia Militar paulista.
Os militares argumentam ainda que a extinção desses tribunais traria repercussões negativas às tropas. A resposta rápida às infrações, segundo eles, repercute e tem um efeito preventivo grande. "A transferência dos casos para a Justiça comum transformaria as Forças Armadas em bandos", afirma o general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, presidente do STM desde março de 2010.
Para o coronel Geraldi, é preciso levar em consideração o efeito da demora dentro da tropa. A Justiça Militar paulista, de acordo com ele, é célere. No ano passado, o tempo médio de tramitação dos processos na primeira instância foi de 15 meses. Na segunda instância, de cinco meses. "Na Justiça comum, demoraria anos. O juiz militar é o da obediência. O civil, o da liberdade", diz.
Além da demora no julgamento, segundo o presidente do STM, há risco de um juiz civil colocar os crimes militares "na vala comum". Ou seja, considerar o crime de deserção apenas como falta ao trabalho ou julgar insignificante o caso de um militar flagrado dormindo ou com drogas dentro do quartel.
"Julgamos com celeridade para manter a hierarquia e disciplina, os pilares básicos das Forças Armadas", afirma.
Em maio, por exemplo, o Superior Tribunal Militar expulsou do Exército nove soldados que dançaram funk ao som do hino nacional dentro de um quartel no Rio Grande do Sul. Os ministros classificaram o ato como "desrespeito e ultraje".
Juízes, defensores públicos e procuradores da área militar defendem, além da manutenção desses tribunais, a ampliação de suas competências. Querem, por exemplo, a análise de crimes de homicídio praticados por militares contra civis. "Em vez de duas décadas, o massacre do Carandiru teria levado quatro anos para ser julgado", afirma o juiz Ronaldo Roth, da 1ª Auditoria Militar de São Paulo.
Para a defensora pública Janete Zdanowski Ricci, há 30 anos atuando na Justiça Militar da União, o CNJ poderia encontrar um caminho alternativo: "Seria um novo modelo para aumentar a competência e elevar o volume de processos", diz.
Maioria dos ministros é das Forças Armadas
Por Bárbara Pombo | De Brasília
Última instância da Justiça Militar da União, o Superior Tribunal Militar (STM) possui 15 ministros civis e militares com o mesmo status e privilégios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar disso, são desconhecidos, inclusive dentro do Poder Judiciário, do qual fazem parte desde 1934.
Dez dos 15 ministros são militares. O restante, civis. Todos os cargos são vitalícios. Cada um deles tem direito a um salário bruto de R$ 26 mil. Mas os rendimentos líquidos - que variam de R$ 12,6 mil a R$ 17,6 mil - ficam aquém dos salários dos ministros do Supremo e do STJ, cujos rendimentos com descontos chegam a R$ 26 mil. O campo de atuação dos militares, porém, também é menor: julgar recursos contra os integrantes das Forças Armadas (327 mil da Marinha, Exército e Aeronáutica).
Para ser ministro do STM, o militar deve ter a mais alta patente hierárquica. Eles são escolhidos internamente pela cúpula do Exército, Marinha e Aeronáutica também pelo fator antiguidade. Os nomes são submetidos à aprovação do presidente da República e do Senado. A escolha dos civis é política, embora também tenham que passar pelo crivo do Executivo e do Legislativo. São três advogados, um promotor do Ministério Público Militar e um juiz de carreira vindo da primeira instância da Justiça Militar da União.
Nas tardes de terças e quintas-feiras, os 15 ministros se reúnem no segundo andar da sede de 32 mil metros quadrados do Superior Tribunal Militar, situada no centro de Brasília. A função deles é julgar recursos contra decisões da primeira instância, representada por 18 auditorias militares espalhadas pelo país. No salão com móveis de madeira escura e tapete avermelhado, normalmente não há plateia e a sonolência entre os julgadores parece ser inevitável, como testemunhou o Valor em uma sessão de maio.
Além de julgar crimes cometidos pelos 327 mil integrantes das Forças Armadas, os juízes militares ainda têm a incumbência de analisar alguns tipos de infrações de civis, como invasões de áreas militares ou estelionato previdenciário, quando a viúva de um ex-militar falece e os dependentes continuam recebendo a pensão. "Teve gente que lesou o erário em mais de R$ 1 milhão", diz o presidente do STM, general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho.
"Julgamos com celeridade para manter a hierarquia e disciplina, os pilares básicos das Forças Armadas", afirma.
Em maio, por exemplo, o Superior Tribunal Militar expulsou do Exército nove soldados que dançaram funk ao som do hino nacional dentro de um quartel no Rio Grande do Sul. Os ministros classificaram o ato como "desrespeito e ultraje".
Juízes, defensores públicos e procuradores da área militar defendem, além da manutenção desses tribunais, a ampliação de suas competências. Querem, por exemplo, a análise de crimes de homicídio praticados por militares contra civis. "Em vez de duas décadas, o massacre do Carandiru teria levado quatro anos para ser julgado", afirma o juiz Ronaldo Roth, da 1ª Auditoria Militar de São Paulo.
Para a defensora pública Janete Zdanowski Ricci, há 30 anos atuando na Justiça Militar da União, o CNJ poderia encontrar um caminho alternativo: "Seria um novo modelo para aumentar a competência e elevar o volume de processos", diz.
Maioria dos ministros é das Forças Armadas
Por Bárbara Pombo | De Brasília
Última instância da Justiça Militar da União, o Superior Tribunal Militar (STM) possui 15 ministros civis e militares com o mesmo status e privilégios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar disso, são desconhecidos, inclusive dentro do Poder Judiciário, do qual fazem parte desde 1934.
Dez dos 15 ministros são militares. O restante, civis. Todos os cargos são vitalícios. Cada um deles tem direito a um salário bruto de R$ 26 mil. Mas os rendimentos líquidos - que variam de R$ 12,6 mil a R$ 17,6 mil - ficam aquém dos salários dos ministros do Supremo e do STJ, cujos rendimentos com descontos chegam a R$ 26 mil. O campo de atuação dos militares, porém, também é menor: julgar recursos contra os integrantes das Forças Armadas (327 mil da Marinha, Exército e Aeronáutica).
Para ser ministro do STM, o militar deve ter a mais alta patente hierárquica. Eles são escolhidos internamente pela cúpula do Exército, Marinha e Aeronáutica também pelo fator antiguidade. Os nomes são submetidos à aprovação do presidente da República e do Senado. A escolha dos civis é política, embora também tenham que passar pelo crivo do Executivo e do Legislativo. São três advogados, um promotor do Ministério Público Militar e um juiz de carreira vindo da primeira instância da Justiça Militar da União.
Nas tardes de terças e quintas-feiras, os 15 ministros se reúnem no segundo andar da sede de 32 mil metros quadrados do Superior Tribunal Militar, situada no centro de Brasília. A função deles é julgar recursos contra decisões da primeira instância, representada por 18 auditorias militares espalhadas pelo país. No salão com móveis de madeira escura e tapete avermelhado, normalmente não há plateia e a sonolência entre os julgadores parece ser inevitável, como testemunhou o Valor em uma sessão de maio.
Além de julgar crimes cometidos pelos 327 mil integrantes das Forças Armadas, os juízes militares ainda têm a incumbência de analisar alguns tipos de infrações de civis, como invasões de áreas militares ou estelionato previdenciário, quando a viúva de um ex-militar falece e os dependentes continuam recebendo a pensão. "Teve gente que lesou o erário em mais de R$ 1 milhão", diz o presidente do STM, general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho.