O Globo
NOVA YORK - Especialistas lançam cada vez mais dúvidas sobre as evidências apresentadas pelos Estados Unidos e seus aliados sobre o uso de armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad. E entre denúncias de provas pouco concretas, falta de transparência e críticas à decisão americana de armar os rebeldes, a oposição síria esquentou o debate internacional ao alegar ter recebido uma nova carga de armamentos. Segundo fontes da oposição, o carregamento veio num navio enviado "por aliados". O remetente, porém, não foi revelado.
- Recebemos quantidades de novos tipos de armas, incluindo as que havíamos pedido e que acreditamos que podem mudar o curso da batalha - declarou o porta-voz do Exército Livre da Síria (ELS), Louay Meqdad.
Ele garante que o material já começou a ser distribuído entre os combatentes da oposição - sem especificar de que tipo de armas se trata ou mesmo quem as teria enviado.
- As armas serão usadas para um único objetivo, que é lutar contra o regime de Bashar al-Assad, e serão recolhidas após a queda do regime. Nós nos comprometemos com nossos amigos e países irmãos a fazer isso - revelou o porta-voz.
INVESTIGADOR BRASILEIRO CONDENA
Há alguns dias, havia rumores de que a Arábia Saudita estaria prestes a enviar um carregamento de armas de pequeno porte e mísseis antitanque aos rebeldes, sobretudo, na cidade de Aleppo, palco de violentos combates com as forças de Assad. Mas enquanto diplomatas tentam confirmar as informações, o chefe da comissão da ONU que investiga abusos de direitos humanos na Síria, Paulo Sérgio Pinheiro, voltou a criticar o envio de armas à região.
- Países que fornecem armas têm responsabilidade em termos de um eventual uso dessas armas para cometer violações grotescas de direitos humanos - disse o diplomata brasileiro.
Pinheiro reiterou não ter recebido evidências concretas para indicar quem está usando armas químicas na Síria. E ele não está só. Especialistas ouvidos pelo diário americano "Washington Post" são unânimes em apontar a falta de transparência das acusações.
Para as Nações Unidas, os dados apresentados por EUA, França e Reino Unido têm valor limitado, uma vez que as regras da ONU determinam que somente provas coletadas por inspetores da instituição podem ser usados para cravar uma definição final - e nenhum inspetor teve acesso à Síria.
- Você pode tentar da melhor maneira possível controlar as análises, mas análises à distância são sempre incertas. Você seria um idiota se você não abordasse esse negócio com um pouco de cautela - disse David Kay, um ex-inspetor da ONU que conduziu a busca por armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein, após a invasão americana, em 2003.
Outros analistas advertiram para o perigo da linguagem usada pela Casa Branca - a tal linha vermelha cruzada com o uso de armas químicas.
- Se você é da oposição e ouve que os EUA traçaram uma linha vermelha sobre o uso de gases, então, você tem interesse em explorar isso e dar a impressão de que algumas armas químicas foram usadas - alertou o cientista suíço Rolf Ekeus, outro ex-inspetor da ONU que comandou buscas por armas no Iraque nos anos 1990.