Em sessão, Cajá e José Nivaldo, ex-presos políticos, afirmaram que torturas eram ordenadas e cumpridas por diversos órgãos da repressão nos anos de chumbo
Gabriela López - Jornal do Commércio
Em meio à emoção e desabafos, dois ex-presos políticos deram testemunhos à Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara que ajudarão a comprovar a interligação dos órgãos de repressão sob o controle do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), ligado ao Exército.
Em sessão pública, ontem, José Nivaldo Júnior e Edval Nunes da Silva, Cajá, contaram fatos e sessões de torturas ordenadas e realizadas por agentes de diversas entidades repressoras, na época da ditadura militar.
José Nivaldo relatou que seu pai, José Nivaldo Barbosa de Souza, foi ao Exército pedir informações sobre o paradeiro do filho, acusando dois policiais Militares de o terem sequestrado, e ouviu do comandante que os funcionários acusados eram "de total confiança" dele.
Ele ainda mostrou um documento do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), apresentando à delegacia sua prisão, datado de 5 de outubro de 1973. Entretanto, a detenção só ocorreu três dias depois. "O Dops comunicou minha prisão antes de eu ser preso. Eles já sabiam que iam me prender", afirmou.
Cajá contou que, embora tenha sido preso em 1978 - quando já corria o processo de anistia dos presos políticos, que terminou com a promulgação da Lei da Anistia em 1979 -, sofreu tortura.
Tanto Cajá como José Nivaldo eram ligados ao Partido Comunista Revolucionário (PCR) e foram convidados para ajudar a desvendar as mortes dos militantes Amaro Luís de Carvalho, Capivara, Manoel Aleixo da Silva, Emanuel Bezerra dos Santos, e Manoel Lisboa de Moura. Este último, dirigente do PCR, foi torturado durante 15 dias e visto por Nivaldo na prisão "esbagaçado, em estado indescritível do ser humano", como lembrou, emocionado, o ex-preso.
Para o membro da Comissão Estadual Humberto Vieira, os depoimentos mostraram que "o Exército se sobrepôs a todas as forças, mesmo em 1978, quando o DOI-Codi já estava esvaziado".
"As elucidações vão contribuir para o trabalho da relatoria temática de Sistema de Repressão, que investiga a cadeia de comando, como foi montado o esquema de repressão. Havia um torturador, mas antes teve um coronel que interrogou os presos", completa Humberto Vieira.
José Nivaldo rechaçou a versão oficial de que foi preso. "Fui sequestrado, mantido em cativeiro por um período onde tudo poderia acontecer comigo. Era uma realidade de ilegalidade jurídica".
Para Cajá, a Comissão, além de elucidar os crimes políticos, deve "tirar os entulhos autoritários" que ainda pairam nos órgãos de segurança.