Argélia bombardeia campo de gás para libertar reféns e é alvo de críticas de países envolvidos
Provável mentor. Mokhtar Belmokhtar, um dissidente da al-Qaeda, estaria por atrás da ação
O Globo / AFP
ARGEL - Enquanto diplomatas mundo afora tentavam rastrear informações sobre o destino de 41 reféns, capturados por extremistas afiliados à al-Qaeda num complexo de extração de gás no deserto argelino, o governo da Argélia optou por responder militarmente ao ato terrorista. Acionou suas Forças Armadas e, numa ação desastrada que se estendeu por mais de 18 horas, provocou um número ainda incerto de mortos: possivelmente 30 reféns, ao menos sete deles estrangeiros. E a indignação de países como França, Japão e Reino Unido - que se queixaram por não terem sido informados da ofensiva.
O governo argelino esquivou-se das críticas e adotou um tom mais positivo, segundo o qual a ação "provocou mortes, mas também libertou muitas pessoas". Onze terroristas de diversas nacionalidades também teriam morrido, de acordo com fontes militares argelinas.
- A operação resultou na neutralização de um grande número de terroristas e na libertação de um número considerável de reféns. Infelizmente, lamentamos a morte de alguns e os feridos. Não temos números finais - afirmou o ministro das Comunicações, Mohamad Said Oublaid, acrescentando, ainda, que o objetivo do cerco era "acabar com o caso de forma pacífica".
A vaga declaração, curiosamente, foi a mais detalhada sobre os acontecimentos dos dois últimos dias no campo de In Amenas, a apenas 60Km da fronteira entre Argélia e Líbia. Lá, numa região isolada do Saara, uma milícia islâmica dissidente da al-Qaeda, a Katibah Mulathamin (Brigada Mascarada), invadiu o complexo de gás, matou três pessoas, fez cerca de 150 funcionários argelinos e 41 estrangeiros reféns - numa retaliação à intervenção militar francesa no vizinho Mali e à colaboração argelina. O arquiteto da empreitada, suspeita-se, foi um velho jihadista africano, Mokhtar Belmokhtar.
"FORÇADOS A USAR CINTURÕES-BOMBA"
Se a ação dos milicianos foi ousada, a resposta do governo da Argélia seguiu a mesma linha.
Depois de descartar qualquer negociação com os terroristas, tropas do Exército cercaram o complexo na madrugada de ontem. Na confusão, "dezenas" de reféns conseguiram escapar - 25, segundo a Reuters.
Mas, quando os terroristas tentavam deixar o local levando outros reféns, veio, então, o ataque mais pesado: helicópteros argelinos abriram fogo contra o comboio.
- Estavam movendo cinco veículos com reféns de uma parte do complexo, quando foram interceptados. O Exército bombardeou quatro dos cinco veículos e quatro deles ficaram destruídos - disse Brian McFaul, irmão de Stephen McFaul, refém irlandês que conseguiu escapar.
Os números e identidades das vítimas ainda não foram oficialmente confirmados. Ontem à noite, fontes militares argelinas afirmaram à Reuters que 30 reféns morreram na operação. Os sobreviventes relataram momentos de terror. Um cidadão francês, contatado por telefone pela TV France24, contou que os captores estavam fortemente armados e forçaram vários reféns a usar cinturões-bomba, além de ameaçar explodir o complexo de gás caso as forças argelinas avançassem. Outro funcionário, argelino, conseguiu escapar e disse que os alvos dos terroristas eram "cristãos e infiéis".
- Eles nos disseram que não machucariam os muçulmanos, que só estavam interessados em cristãos e infiéis, que iriam matá-los. Sou um homem de sorte; os terroristas pareciam conhecer a base muito bem - contou Abdelkader, de 53 anos, ainda nervoso.
Sob um sombrio cenário de dúvidas, o ministro argelino das Comunicações insistiu que as tropas argelinas só abriram fogo para disparar "tiros de alerta" tendo sido confrontadas por terroristas "fortemente armados".
- Diante da resistência teimosa desses terroristas em ignorar os alertas e diante da tentativa iminente de escapar levando os reféns da Argélia, usando-os como instrumento de barganha, lançamos o bombardeio na manhã - explicou Mohamad Said Oublaid.
Mas a justificativa argelina não agradou. Dezenas de governos, que sequer conseguiram confirmar se e quantos de seus cidadãos estavam entre os reféns, irritaram-se com a iniciativa. Países como EUA, Noruega, Japão, Reino Unido e França dizem não ter sido informados ou sequer consultados sobre a iminência de um ataque ao complexo no deserto.
- Pedimos para a Argélia colocar as vidas humanas em primeiro lugar e pedimos severamente que a Argélia se abstivesse - disse o chefe de Gabinete do governo japonês, Yoshihide Suga.
Hollande justifica ação no Mali
Em Londres, o premier britânico David Cameron, chegou a cancelar um importante discurso sobre a União Europeia que faria hoje, em Amsterdã, devido à crise - classificada como uma "situação difícil, perigosa e potencialmente ruim". Antevendo a presença de cidadãos britânicos entre as vítimas, pediu ao povo que se preparasse para o pior. E se queixou:
- Os argelinos têm consciência de que nós preferiríamos ter sido consultados antes - disse um porta-voz.
Na berlinda, ficou o presidente da França, François Hollande, que um dia antes dissera estar coordenando "entre todos os governos envolvidos" os esforços pela libertação dos reféns. Ontem, limitou-se a dizer que não tinha informações suficientes:
- As condições são terríveis, dramáticas. O que está acontecendo na Argélia é mais uma prova de que minha decisão de intervir no Mali é justificada.