Cessar-fogo será unilateral e visa a conquistar opinião pública
Vitor Sorano - O Globo
Pela primeira vez em mais de uma década, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) prometeram suspender seus ataques. A trégua, unilateral, será temporária - vai de hoje à 0h de 20 de janeiro - e busca demonstrar o comprometimento da guerrilha, que protagoniza o maior conflito do continente, com o processo de paz anunciado em setembro. Pesquisa Ipsos daquele mês apontou que 77% da população apoia os diálogos, mas 41% acredita que eles vão fracassar. O ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón, disse que continuará com as operações contra os insurgentes, seguindo a estratégia do governo de não baixar a guarda até o fim das negociações, que ocorrem em Cuba. O anúncio do cessar-fogo foi feito ontem, em Havana.
- Acolhendo o imenso clamor de paz do povo colombiano, ordenamos a todas as unidades guerrilheiras em todo o território nacional o fim de todo tipo de atividade militar contra a Força Pública e a sabotagem contra a infraestrutura pública ou privada durante o período compreendido entre 0h do dia 20 de novembro e 0h do dia 20 de janeiro de 2013 - disse Iván Márquez, o chefe da delegação das Farc.
O ministro da Defesa elogiou a proposta, mas questionou sua credibilidade. E negou aderir ao cessar-fogo.
- A Força Pública tem o dever constitucional de perseguir todos os criminosos que violaram a Constituição, as leis e atentaram contra a vida e a honra dos cidadãos da Colômbia - disse.
Contrapeso ao Uribismo
Embora a guerrilha tenha chegado ao processo de paz enfraquecida - com menos da metade do efetivo de 20 mil que teve há uma década, após a morte de alguns de seus maiores líderes, como Raúl Reyes e Alfonso Cano -, continua a matar. Apenas desde o dia 26 de agosto - quando se soube dos diálogos - as Farc realizaram 48 atentados, matando 30 membros das forças de segurança e 17 civis.
Nove guerrilheiros foram mortos, cinco foram capturados e nove deixaram as armas. A contabilidade é da Rádio Caracol. Além de mortes, os ataques prejudicam, sobretudo, a infraestrutura energética da Colômbia e afastam investimentos.
- Nos últimos dois meses houve uma intensificação (da violência). O governo logrou realizar ofensivas, e as Farc responderam com atentados. Houve um recrudescimento, (a criação de) um ambiente de demonstração de força antes de chegar à mesa das negociações - diz Camilo González, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), da Colômbia.
O pesquisador diz que a suspensão dos ataques pelas Farc não significará o fim da violência. Os guerrilheiros devem continuar a responder às investidas do governo. Ainda assim, a promessa de trégua merece crédito, entende González. A copresidente da Comissão de Paz da Câmara dos Deputados, Ángela Robledo, concorda.
- Sabemos que em algumas frentes (das Farc) é mais difícil que aceitem (o cessar-fogo unilateral), mas Iván Márquez sinaliza com dois meses sabendo que há um Exército e uma população que vão estar muito atentos - diz a deputada.
A ideia de um cessar-fogo bilateral durante as negociações vinha sendo defendida pelas Farc desde que o processo de negociação se tornou público. O presidente Santos, porém, deixou claro em diversas ocasiões ser contra - a última delas, na quinta-feira passada, quando disse que "se eles querem adiantar o cessar-fogo ou humanizar o conflito, nós queremos finalizá-lo".
Santos dera a declaração depois que uma rede de ONGs propôs uma trégua de Natal e a ideia repercutiu positivamente no Congresso. A última experiência de suspensão de hostilidades seguira exatamente esse modelo: foi anunciada pelo então comandante Raúl Reyes para durar entre 20 de dezembro de 1999 e 10 de janeiro de 2000, durante as negociações de paz do governo de Andrés Pastrana (1998-2002). O processo fracassou e resultou numa guerrilha mais forte.
Além de conquistar a opinião pública incerta sobre as intenções da guerrilha, o anúncio feito ontem visa a contrapor a pressão contrária, entende a deputada Ángela Robledo. O ex-presidente Álvaro Uribe, defensor da eliminação da guerrilha pela força - que também ele tentou, mas não conseguiu - encabeça tal movimento contrário, apontado pelo International Crisis Group (ICG) como um dos riscos à finalização do conflito pelo diálogo.
- É uma mensagem política de que (o atual processo de paz) é sério. É um adiantar-se aos sabotadores da paz que dizem que estamos entregando tudo, que o governo se rendeu às Farc - diz Ángela, que defende que Santos suspenda, ao menos, os ataques aéreos.
A rodada de negociações iniciada ontem - com quatro dias de atraso - deve durar dez dias. O primeiro tema de discussão é o desenvolvimento rural. O presidente Santos, que tenta a reeleição em 2014, afirma que as negociações vão no máximo até junho.