Vice-ministro do Petróleo comunica a deserção, por meio de vídeo no Youtube, e chama o governo de "criminoso". Tropas de Bashar Al-Assad invadem bairro de Homs e massacram 44 pessoas a facadas
RODRIGO CRAVEIRO – Correio Braziliense
A primeira deserção do gabinete sírio foi recebida com otimismo pela oposição e ignorada pelo governo de Bashar Al-Assad, que promoveu ontem um novo banho de sangue. "Eu, Abdo Hussameddin, vice-ministro do Petróleo e das Riquezas Minerais na Síria, anuncio minha deserção do regime, a renúncia de meu cargo e minha saída do Partido Baath. Eu me uno à revolução do povo, que rejeita a campanha injusta e brutal do regime", declarou ele, por meio de uma mensagem de vídeo divulgada pelo site YouTube. "Eu digo ao regime, que diz possuir o país: você nada tem a não ser os rastros dos tanques guiados por sua crueldade para matar pessoas inocentes", acrescentou o político, que há 33 anos servia ao governo.
Hussameddin revelou que abandonaria o país, apesar de saber que os homens de Al-Assad poderiam atacar sua família e incendiar sua casa. "Não quero acabar minha carreira servindo a um governo criminoso", admitiu. Ele pediu aos colegas que "abandonem um barco que afunda".
Homs — centro do levante contra Damasco — nem teve tempo de celebrar a primeira baixa no regime. Assim que a notícia sobre o vídeo começou a circular pela cidade, o Exército sírio tratou de se antecipar a qualquer celebração. E o fez da pior forma possível: por volta das 14h de ontem (9h em Brasília), executou 44 civis do bairro de Jobar, sendo 20 pessoas da família Al-Rifai e 16 do clã Tahhan.
Algumas eram parentes de ativistas. "As tropas invadiram as casas e atacaram com facas", contou ao Correio Baraa Agha, uma estudante de 22 anos que fugiu de Homs na terça-feira e hoje utiliza a internet, em Damasco, para denunciar os crimes de Al-Assad. Ela não esconde a preocupação com uma exnamorada que vive no mesmo bairro. "Há três dias, não consigo contato. Temo que algo ruim tenha ocorrido com ela", comentou. Outros cinco moradores morreram ontem, incluindo uma criança de 16 meses, impedida de receber tratamento contra a asma.
No distrito de Al-Khaldiah, o ativista Waleed Fares comemora: "O regime começou a ruir e veremos seu fim em breve". Em entrevista por um software de videoconferência, ele disse ter recebido informações de que mais autoridades do governo renunciarão em breve. "Eles temem por suas famílias", reconhece. As palavras de Fares se sustentam na previsão de Hussameddin. O ex-vice-ministro afirmou que o regime está "morrendo" e comparou a Síria a "um país-cadáver, em torno do qual o regime dança, deleitando-se com sua vítima". "Faço um chamamento a todos os responsáveis que estão em seus postos. A Síria é um desastre. Todos os dias, centenas de sírios morrem ante o olhar do mundo, isso tem que mudar", emendou.
Morador corre em rua do bairro de Baba Tadmur, em Homs: medo
Os Estados Unidos festejaram a saída de Hussameddin, ainda que com cautela. "Neste momento, não estamos em condições de reconhecer a autenticidade do vídeo do Youtube", explicou Victoria Nuland, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano. "Se for confirmada, será uma
notícia muito boa.
Isso estaria absolutamente em concordância com o tipo de contato que a secretária (de Estado, Hillary Clinton) e o presidente (Barack Obama) têm feito com altos funcionários do regime (sírio), para que rompam suas relações com Al-Assad", declarou.
Alerta
Ex-secretário-geral e enviado especial das Nações Unidas à Síria, Kofi Annan visitou ontem a sede da Liga Árabe, no Cairo, pediu a ajuda de opositores a Al-Assad e defendeu uma solução pacífica para a crise. "Eu espero que ninguém esteja pensando seriamente em usar a força nessa situação.
Assim que viajar à Síria, farei o que puder para pressionar pela suspensão das hostilidades e pelo fim do assassinato e da violência", afirmou. "A oposição deve trabalhar conosco para alcançar uma solução que responda às aspirações do povo sírio", acrescentou. O diplomata também se opôs à ideia de o Ocidente armar a oposição. Annan deve desembarcar em Damasco depois de amanhã.
Um dia depois de Valeria Amos, coordenadora de Assuntos Humanitários da ONU, visitar Homs e mostrar-se estarrecida com a devastação, o regime sírio negou um desastre no país. Em Genebra, as Nações Unidas anunciaram que começaram a armazenar alimentos capazes de atender a 1,5 milhão de pessoas durante 90 dias. À medida que aumenta o risco de um êxodo de refugiados, o chanceler libanês, Adnan Mansur, recusou o pedido dos Estados Unidos para proteger todos os sírios que cruzarem a fronteira. "O Líbano não pode levar em consideração tal pedido. O Líbano não atua de acordo.