Jarbas Passarinho - Coronel reformado, foi governador, senador e ministro de Estado
Correio Braziliense
O princípio democrático, na empresa capitalista, de "trabalho igual, remuneração igual", tem sido um logro no Brasil, mesmo durante regimes autocráticos. O presidente Castello Branco, ao editar o Ato Institucional nº 2 (AI 2), nele inseriu a isonomia, mas nos três anos de seu profícuo governo conseguiu reduzir a inflação galopante que encontrou, mas não venceu a desigualdade salarial do mesmo trabalho no mercado. Hoje o quadro é muito pior.
A lei que limita o maior salário ao teto igual ao vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal é desrespeitada. Adicionam-se, ao teto legal, bônus da representação em conselhos de administração de empresas estatais, por instruções normativas. Aí está parte da razão da paixão por empresas estatais, ora justificadas por segurança nacional, como, em 1952, a criação pelo Congresso, sob o peso nacionalista do slogan popular "O petróleo é nosso", da Petrobras.
Algumas faliram antes de cumprir seus papéis. Outras, como a Petrobras, não pagaram dividendos, por meio século, mas participação nos lucros aos funcionários. Monopolista da pesquisa, produção e refino do petróleo, a partir da política de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso teve o monopólio transferido para o Estado, permitindo às companhias estrangeiras a participação na pesquisa e produção de petróleo; e à Vale, sociedade com o capital estrangeiro. As ações de ambas passaram a ser altamente procuradas na Bolsa de Valores. Foi um ato de audácia do governo FHC, tentado anteriormente pelo governo Collor, que eu, histórico monopolista, temia ao julgar que a chegada de técnicos estrangeiros mais experientes absorvessem a Petrobras. Não se deu isso, provando a força do conhecimento tecnológico da empresa nacional.
A desigualdade da remuneração salarial do funcionalismo público continuou cada vez mais chocante. Há poucos dias, a mídia fez conhecer que o ministro da Fazenda recebe por mês mais que R$ 41 mil, salário que a atual ministra da Casa Civil percebia como técnica da Petrobras, quando foi nomeada ministra. E o Correio Braziliense de 14 do corrente mês publicou que havia mais de mil funcionários do Governo do Distrito Federal recebendo bem mais que o teto legal, sendo que um deles chegava a embolsar salário mensal de R$ 70 mil.
Ao longo das funções que exerci nos 32 anos de vida pública, convivi com diferentes condutas ao se tratar de salário. No Exército, eu ainda cadete, quando os vencimentos dos militares já era defasado, aprendi ser impatriotismo fomentar queixa do salário que recebem, pois são voluntários servidores da pátria. Um oficial escreveu, quando major, na Revista do Clube Militar, um protesto porque o chefe da portaria da Câmara dos Deputados recebia mensalmente mais que um general do Exército.
A revista teve sua direção mudada prontamente, não por ter veiculado a chocante verdade, mas por tê-la publicado. Hoje, policiais militares estaduais fazem greve, passeatas de protesto e até tiroteiam com a guarda de palácios de governo. Já na Petrobras, onde servi cedido pelo Exército por três anos, ouvi um sociólogo, em palestra oficial aos funcionários, dizer que, em matéria de salário, quem dele reclama não o merece.
Há muitos anos, no governo Vargas, os salários dos funcionários de cada um dos Três Poderes eram fixados pelo Executivo. Para atender reivindicação, o Legislativo e o Judiciário passaram a gozar de autonomia para definir os seus salários. Apareceram as vantagens temporárias, os welfare wages, assim chamados pelos americanos. Variaram de valor. No Congresso Nacional, os deputados e senadores passaram a perceber auxílio-moradia; um abuso, dado que lhes era garantido, a cada um, apartamento funcional.
Nos três mandatos para os quais fui eleito, vivi nove anos num deles, confortável, não luxuoso.
No quarto mandato dessa legislatura, foi criado o auxílio-moradia. Figurei entre os pouquíssimos que, proprietários de casa própria que habitavam, nos recusamos a recebê-lo, pois correspondia a receber aluguel por nossas próprias casas. Mas no começo da atual legislatura, em manobra de votação simbólica no plenário, aprovou-se a equiparação dos vencimentos aos de ministro do Supremo Tribunal Federal, velha reivindicação, mantidos o auxílio-moradia e o valor de ressarcimento das despesas pessoais mediante justificação posterior à mesa diretora. Há pouco, um senador prestou contas, aprovadas, de gastos num motel em São Luís do Maranhão, não sendo essa a única aberração aprovada.
Quanto ao princípio de isonomia salarial, talvez a dificuldade tenha sido a lei vigente desde 1952.
O artigo 461da CLT define os critérios. O direito à isonomia requer não apenas condição aritmética de igualdade de trabalho, mas do trabalho de igual valor que for feito com igual produtividade, conceito que requer perfeição técnica. A falta de isonomia quando se trata dos membros de um só dos Três Poderes da União, como no caso que citei acima, chega a ser indecoroso, mas é indiscutível a dificuldade de cumprir todos os critérios da lei para aplicá-los.