Renata Tranches – Correio Braziliense
Controversas, as intervenções estrangeiras em países conflituosos são muitas vezes urgentes e necessárias. Assim têm mostrado episódios recentes da história, como na Bósnia e na Líbia. Analista e fundador da Iniciativa pela Estabilidade Europeia e co-autor do livro Can Intervention Work? (assinado também por Rory Stewart), o austríaco Gerald Knaus, afirma, em entrevista ao Correio, que as incursões militares de forças estrangeiras são essenciais em alguns casos, ao contrário do que ocorreu no Iraque e no Afeganistão. Segundo ele, se essas ações não são assumidas, corre-se o risco de pagar um preço muito alto. Defensor de uma intervenção na Síria, Knaus garante que, quanto mais o regime de Bashar Al-Assad mata seu povo, mais perde legitimidade.
Um artigo da revista The Economist sobre seu livro sugere que ele pode responder diferentes questões sobre a intervenção estrangeira nos países, como quando ela pode dar certo ou não. O que acha disso?
Uma intervenção militar em apoio a claros objetivos humanitários pode funcionar. Deu certo nos Bálcãs nos anos 1990. Isso porque foi realizada dentro de uma proposta de não apenas levar um resultado temporário ao conflito, mas de construir uma paz que tem durado por mais de 15 anos. Aprendemos uma lição nessa época: a de que há um alto preço humano, moral e estratégico na decisão de não intervir diante de uma atrocidade
Qual seria a resposta no caso da Líbia?
A intervenção na Líbia foi muito mais parecida com as intervenções nos Bálcãs nos anos 1990 — na Bósnia e em Kosovo — do que com Iraque e Afeganistão. Essa é a razão pela qual deu certo. No fim das contas, foi uma escolha dos líbios derrubar Muamar Kadafi. Se os rebeldes não tivessem tido sucesso, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não teria enviado tropas de solo para fazer isso por eles. A Otan colaborou com ataques aéreos, como foi feito na Bósnia contra Slobodan Milosevic, mas nunca houve nada parecido com uma ocupação. E, o mais importante, a maioria dos vizinhos da Líbia – a Liga Árabe, a Tunísia e o Egito – a apoiou.
A aliança reconquistou sua imagem após uma intervenção criticada no Afeganistão?
No Afeganistão, a Otan excedeu-se. Na Líbia, não. A intervenção inicial no Afeganistão em 2001 foi, na verdade, surpreendentemente de sucesso. Havia um forte apoio internacional na época para derrubar o regime Talibã. Algumas coisas boas aconteceram nos primeiros anos: garotas voltaram para a escola, milhões de refugiados retornaram ao Afeganistão. Mas então a arrogância mudou tudo, assim com o temor exagerado sobre a ameaça afegã imposta ao mundo. Em alguns anos de missão a decisão foi tomada para instalar tropas ocidentais por todo o país em apoio à “reconstrução do Estado”. Na Líbia, por outro lado, não houve esse tipo de atuação e o resultado foi que a Otan agora tem obtido o apoio do mundo árabe na legitimação de algumas intervenções e não é vista como um poder neocolonial.
O senhor acredita que o caso da Líbia mudou o debate sobre a intervenção no Conselho de Segurança da ONU com relação à Síria, por exemplo?
Intervenções militares são sempre um risco e um imperativo moral quando governantes matam seus próprios cidadãos — o que claramente está acontecendo na Síria atualmente. Para conseguir sucesso na Síria é preciso ter apoio forte e total da região. A questão principal é o apoio de insurgentes sírios e dos países vizinhos, como a Turquia, o Egito e a Liga Árabe. Quanto mais o regime de Damasco mata o seu próprio povo, mais ele perde legitimidade aos olhos dos vizinhos, e mais a pressão cresce.