Síria impõe condições para a entrada de monitores no país. Liga Árabe descarta novo ultimato e mantém as sanções econômicas ao regime de Al-Assad. Especialistas alertam para o agravamento da violência e creem em debate na ONU
Renata Tranches – Correio Braziliense
Na impossibilidade de alcançar um acordo com o regime do ditador Bashar Al-Assad, a Liga Árabe amargou mais um fracasso nas negociações com a Síria para o fim da violência no país. Em um primeiro momento, o governo sírio acenou que responderia “positivamente” ao pedido para a entrada de observadores internacionais no país. Para isso, impôs condições, como o alívio das sanções e sua reintegração ao organismo pan-árabe. As exigências foram rejeitadas.
Ao mesmo tempo, o número de mortos não para de subir — segundo grupos opositores, alcançou 950 em novembro, fazendo deste o mês mais sangrento desde o início das manifestações,
O chefe da diplomacia síria, Walid Al-Mouallem, chegou a anunciar que permitiria a entrada dos observadores, mas nenhum acordo foi assinado. Diante do impasse, a Liga Árabe decidiu manter as sanções econômicas impostas ao país e anunciou que não daria mais prazos para que Damasco cumprisse o plano elaborado pela entidade. Em declarações à imprensa no Cairo, sede da organização, o secretário-geral Nabil Al-Arabi explicou que chegou-se a essa conclusão após a exigência de novas condições pelo regime de Al-Assad. A Liga Árabe não informou quais medidas deverá tomar a partir de agora.
Para Murhaf Jouejati, especialista sírio
Crítica ao Brasil
O cientista político defende que a questão seja tratada agora no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, mas critica a postura dos países que, como o Brasil, se negam a condenar mais duramente a Síria. “Talvez o Brasil não queira se envolver, mas isso significa que ele não liga para a vida dos civis sírios”, alertou Jouejati. O governo brasileiro tem defendido uma postura de cautela na ONU.
Ao trabalhar na elaboração de um texto de uma declaração presidencial do CS sobre a Síria, a diplomacia do Itamaraty defendeu a inclusão de um termo segundo o qual a “violência dos dois lados” no país deveria ser cessada. O temor é de que a atuação do órgão termine em uma campanha militar aos moldes do que ocorreu na Líbia.
Contrário a uma intervenção estrangeira na Síria, o professor de ciência política Walid Kazziha, da American University no Cairo, vê na crise um conflito doméstico que tem sido exacerbado por um quadro regional — que contempla a Turquia, o Irã e a Liga Árabe, entre outros. Associada a esse contexto, estaria uma rivalidade internacional que envolve, de um lado, os Estados Unidos e a Europa e, do outro, a Rússia. “Os EUA e seus aliados esperam eliminar o regime sírio, em uma preparação para derrubar o Hezbollah (no Líbano) e, eventualmente, Teerã (Irã)”, afirma.
Autor de vários livros sobre a Síria, um inclusive sobre o ditador Bashar Al-Assad, o professor de história do Oriente Médio da Universidade Trinity (Texas), David Lesch, diz acreditar que uma intervenção internacional não será necessária. No entanto, ele entende que a pressão dos atores regionais, os mesmos citados por Kazziha, deve prosseguir. Para Lesch, Al-Assad não vai assinar nenhum tipo de acordo porque, segundo ele, isso significaria o fim de seu regime. “Ele tentará se segurar no poder o quanto puder. Por isso, acho que a situação na Síria irá piorar muito”, afirmou.
Exibição de força
Sob pressão internacional, o regime do presidente sírio, Bashar Al-Assad, realizou uma série de “jogos de guerra” anuais. Ao contrário das manobras militares do passado, os testes do último fim de semana foram considerados de “alto nível” e preocuparam o governo de Israel. Shaul Mofaz, ex-ministro da Defesa israelense, alertou que a Síria pode atacar o país, na tentativa de criar um novo foco de atenção, enquanto mantém a repressão ao levante pró-democracia. “Quanto mais próximo o regime de Al-Assad fica da morte, maior se torna a ameaça contra Israel”, afirmou Mofaz. Segundo a tevê estatal síria, o exercício teve o propósito de testar “as capacidades e a prontidão dos sistemas de mísseis para responder a qualquer agressão”. Além de disparos de mísseis, a simulação contou com a mobilização da Força Aérea e de tropas terrestres.