Renata Malkes – O Globo
RIO, WASHINGTON e TEERÃ. Numa posição defensiva oito anos atrás, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) lançava dúvidas sobre as alegações da inteligência americana sobre as armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein — inexistentes, como se comprovou após a invasão ao país, em 2003. Hoje, no entanto, a entidade adota uma postura contrária e toma a frente das suspeitas internacionais ao apontar indícios de que o Irã de Mahmoud Ahmadinejad já passou por todas as etapas essenciais para a fabricação de uma bomba atômica com a ajuda de cientistas estrangeiros. O país teria, ainda, mantido suas pesquisas na área militar desde 2003, quando acreditava-se que Teerã havia suspendido essas atividades devido às pressões internacionais. E ao destino do vizinho Iraque.
O mais detalhado relatório da AIEA sobre a capacidade nuclear do Irã, previsto para ser divulgado hoje, contraria as garantias de Teerã de que seu programa nuclear tem fins meramente civis, contaram ao “Washington Post” diplomatas com acesso ao documento. E enquanto o país persa ridiculariza as suspeitas, as potências se racham: para os EUA, o relatório reflete preocupações legítimas. O chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, advertiu que qualquer ataque é “um erro muito sério”, assim como a Alemanha, cujo ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, criticou as especulações sobre uma ação militar.
— O Irã aumentou suas capacidades e continua progredindo; por isso é capaz de rivalizar com o mundo. Agora Israel e o Ocidente, sobretudo os EUA, temem as capacidades e o papel do Irã. Os arrogantes devem saber que o Irã não permitirá essa agressão — disse Ahmadinejad ao diário egípcio “al-Akhbar”.
Detonador de alta precisão, um dos avanços significativos
Além de colocar novamente a AIEA — criada para ser um organismo técnico — no epicentro do jogo político, o relatório vem após uma semana de rumores sobre um possível ataque israelense ao Irã.
O alarmismo ganhou reforço ontem diante do vazamento de informações ao “Post”. O diário obteve slides de uma apresentação feita na semana passada por David Albright, ex-funcionário da AIEA, a membros de serviços secretos. E dois diplomatas confirmaram que Teerã buscou em cientistas de Coréia do Norte, Paquistão e da antiga União Soviética ajuda para superar impasses técnicos que impediam a construção de detonadores de alta precisão — como o gerador R-265, capaz de produzir reações precisas que comprimem pequenas esferas de urânio enriquecido ou plutônio para desencadear uma reação nuclear em cadeia.
O avanço, afirmam os diplomatas, não seria possível sem o cientista nuclear russo Viacheslav Danilenko, contratado nos anos 90 pelo Centro Iraniano de Pesquisas de Física, ligado ao governo. Ele prestou serviços aos iranianos por cinco anos, mas garante que seu trabalho limitou-se a dar apoio a projetos de engenharia civil.
Diante da controvérsia, o aiatolá Ahmad Khatami, importante clérigo iraniano, pediu que o diretor da AIEA, Yukiya Amano, não atue como marionete:
— Se Amano atuar como um instrumento sem vontade nas mãos dos EUA, publicando mentiras e apresentando-as como documentos, a AIEA perderá a pouca reputação que lhe resta.
Rússia e Alemanha advertiram para o excesso de especulações sobre a questão. E, apesar de os EUA se mostrarem dispostos a buscar consenso para novas sanções contra o Irã, é provável que as tentativas de ação no Conselho de Segurança da ONU esbarrem na Rússia — e na China, dependente do petróleo e do gás iranianos.
Com agências internacionais