Decisão prevê devolução de terrenos e
indenização por área de uso da Aeronáutica
FELIPE FRAZÃO - O Estado de S.Paulo
A
disputa pela posse do terreno do Campo de Marte, na zona norte de São Paulo,
que já dura 53 anos, ganhou um novo capítulo. O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) deu ganho de causa à Prefeitura, adversária da União na Justiça.
Corroborando voto de 2008 do ministro Herman Benjamin, a 2.ª Turma do STJ
mandou a União devolver imediatamente ao Município todas as áreas sem uso e não
essenciais à aviação ou à defesa. Além de indenizar a capital pela ocupação.
Mas a
briga judicial ainda não terminou. Na última segunda-feira, a Advocacia-Geral
da União (AGU) apresentou recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal
(STF) contra a nova decisão.
Notificada
na quinta-feira, a Procuradoria-Geral do Município tem agora 15 dias para
apresentar contraargumentação ao Supremo e tentar ficar em definitivo com a
posse do terreno.
O
acórdão do STJ determina que o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (São
Paulo e Mato Grosso do Sul) - que havia dado razão à União no primeiro
julgamento - estipule a metragem exata da área a ser reintegrada ao Município e
o valor da indenização a ser paga pela União.
No
recurso extraordinário ao STF, a AGU alega que o STJ "não poderia voltar a
analisar as provas que convenceram o juízo (TRF) de que o imóvel em questão era
próprio nacional". Também sustenta que não havia provas nos autos do
processo que pudessem mostrar que as terras do Campo de Marte não tinham uso ou
emprego específico.
Prefeitura
e União alegam ser donas do terreno de cerca de 2 milhões de metros quadrados.
De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero),
975 mil m² estão atualmente sob sua gestão. Lá funcionam hangares e pistas do
aeroporto e do Aeroclube de São Paulo. A área restante, de 1,1 milhão de m², é
gerida pelo Ministério da Defesa, que mantém no local uma série de instalações
da Força Aérea: Hospital da Aeronáutica, Parque de Material Aeronáutico,
Prefeitura da Aeronáutica, Centro Logístico e Subdiretoria de Abastecimento,
além de uma vila militar com residências de oficiais e do Clube de Suboficiais
e Sargentos (CSSASP).
Dentro
desse espaço há um trecho preservado de Mata Atlântica, cortado por um córrego,
além de seis campos de futebol cedidos a clubes amadores e um terreno de apoio
do Sambódromo do Anhembi. O espaço é usado pela São Paulo Turismo (SPTuris)
como estacionamento e cemitério de carros alegóricos das escolas de samba da
capital- o local mantém até hoje esqueletos de alegorias utilizadas do carnaval
passado.
Expansão.
Se a posse for realmente confirmada pela Justiça, a Prefeitura planeja expandir
o Parque Anhembi - espaço dedicado a feiras e eventos - e criar uma nova área
verde no local, aproveitando as saídas da mata próximas da Avenida Brás Leme. A
ideia é antiga e já havia sido proposta nas gestões Celso Pitta e José Serra.
No
governo de Marta Suplicy, cogitou-se negociar o Campo de Marte para abater a
dívida do Município com o governo federal. A gestão Kassab, por sua vez, ainda
não tem estimativa de quanto uma eventual indenização poderá render ao Tesouro
Municipal.
Há
também interesse privado na área. Empresas do mercado imobiliário e arquitetos
já apresentaram projetos de parques, shoppings, espaços de shows e centro de
eventos para o Campo de Marte - apostando também na desativação do aeroporto e
das atividades da Aeronáutica.
Movimento
289.577
passageiros usaram o Aeroporto do Campo de Marte entre janeiro e setembro deste
ano.
100.533
pousos e decolagens ocorreram no mesmo período no local, que só opera vôos
executivos.
Espaço foi confiscado na Revolução de 32
A
polêmica em torno do terreno do Campo de Marte é mais do que centenária -
começa em 1891, quando o governo do Estado considerou a área terra devoluta e a
repassou ao Município. Mas a União defende que as terras pertenceram a uma
sesmaria entregue pela Coroa portuguesa à Companhia de Jesus e haviam sido
confiscadas, em 1759, pelo Marquês de Pombal, na época da expulsão dos
jesuítas. Assim, não poderiam ter sido entregues à Prefeitura como devolutas
(sem uso, ocupação ou finalidade, segundo a definição da Lei de Terras de
1850).
A
justificativa foi rejeitada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que,
se estavam abandonadas, mesmo que confiscadas, eram devolutas e podiam, sim,
ter sido cedidas ao Município.
Em
1912, o governo municipal entregou a área para a Força Pública do Estado usar
como local de treinamento da cavalaria e, mais tarde, campo de aviação militar.
Com a Revolução Constitucionalista de 1932, o governo federal aboliu a aviação
militar paulista e tomou o Campo de Marte.
O
Município não pôde recorrer da decisão durante o Estado Novo. Só em 1945, com a
queda da ditadura de Getúlio Vargas, a cidade começou a negociar a recuperação
da área e, como não obteve sucesso, decidiu entrar na Justiça em 1958. Desde
então, a ação circula pelos tribunais. O Tribunal Regional Federal da 3.ª
Região deu razão à União em 2005. A Prefeitura recorreu e, três anos depois, o
primeiro acórdão do STJ deu ganho de causa ao Município.
Em
setembro, o tribunal reafirmou que a Prefeitura tem direito sobre a área. Só
onde houver construções aeroportuárias e de defesa nacional - parque de
material bélico, hospital, base área e alojamentos da Aeronáutica -, a posse
permanecerá da União, que deverá indenizar a Prefeitura.
F.F. e MARCELO GODOY