Esforços militares e diplomáticos se transferiram ao Paquistão, acusado de financiar insurgentes que atuam no país vizinho
ADRIANA CARRANCA - O Estado de S.Paulo
Uma década após o início dos bombardeios pelas forças de coalização lideradas pelos EUA, em 7 de outubro de 2001, em resposta aos atentados de 11 de Setembro, os esforços militares e diplomáticos da guerra afegã se transferiram para o vizinho Paquistão.
A insurgência é atribuída à rede Haqqani, que os militares americanos acusam de estar diretamente ligada ao serviço secreto paquistanês, ISI. Seu inimigo não são os afegãos ou o Ocidente, mais a Índia.
"A rede Haqqani e sua associação com a agência de inteligência paquistanesa não são uma surpresa para os EUA, as forças de coalizão ou o governo afegão", disse ao Estado a coronel americana Kathryn Burba, que serviu a Otan no Afeganistão até o ano passado e contribui com o centro de estudos Council of Foreign Relations. "Os esforços dos EUA sempre foram de engajar o Paquistão. Mas o tempo acabou. A data de saída está definida para 2014 e, frustrados, os EUA aumentaram a pressão sobre o país."
Segundo a ABCNews.com e The Wall Street Journal, funcionários da Casa Branca reuniram-se secretamente com líderes da Haqqani no fim de agosto, na tentativa de iniciar negociações de paz com os insurgentes. O Taleban não foi sequer mencionado.
A Haqqani é acusada de organizar e financiar os mais espetaculares ataques no Afeganistão neste ano - entre eles, a emboscada ao ex-presidente Burhanuddin Rabbani, assassinado em casa por um mensageiro usando turbante-bomba, no dia 20, e o ataque contra a sede da Otan e a Embaixada dos EUA em Cabul, uma semana antes.
Sem avanço nas negociações, os assessores do presidente dos EUA, Barack Obama, para segurança, Thomas Donilon, e para o Paquistão, Douglas Lute, reuniram-se nos Emirados Árabes Unidos com o chefe das Forças Armadas do Paquistão, general Ashfaq Parvez Kayani. A mensagem: controle a rede Haqqani.
Diplomacia. Os esforços diplomáticos são um sinal do reconhecimento da Casa Branca de que, uma década mais tarde - a um custo de US$ 443 bilhões, 2,8 mil militares e, pelo menos, 11,7 mil civis mortos -, a ofensiva militar não foi e não será suficiente para pôr fim à guerra. Ainda que os taleban aceitassem um acordo para compor o governo do presidente Hamid Karzai, sem a Índia e o Paquistão na mesa de negociações, é improvável que os conflitos terminem.
Os Haqqani mantêm relações com o Taleban, mas atuam de forma independente. Assim como Osama bin Laden, seus líderes foram, no passado, aliados da CIA contra os soviéticos no Afeganistão. A rede está hoje alinhada com um Paquistão que enxerga o Afeganistão como um território que pode ser usado pela Índia para encurralar o país, geograficamente espremido entre ambos.
Numa clara retaliação contra o Paquistão, após os atentados atribuídos à rede Haqqani, Karzai anunciou, na terça-feira, um parceria com a Índia nas áreas de comércio, educação e segurança - nos últimos dez anos, o país financiou estradas, escolas e hospitais no Afeganistão, investimentos que os paquistaneses sempre viram com desconfiança.
O Paquistão reagiu, dizendo ao líder afegão que pare com a "queda de braço", o que especialistas acreditam que poderá motivar suporte ainda maior a insurgentes contra seu governo. "Não é hora de tentar marcar pontos, fazer politicagem ou usar de arrogância", disse ontem a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Paquistão, Tehmina Janjua. "Nossa expectativa é a de que todos, especialmente aqueles em posição de autoridade no Afeganistão, terão a maturidade e a responsabilidade necessárias."
Paquistão e Índia se envolveram em três guerras desde que deixaram de ser colônia britânica, em 1947. Do ponto de vista dos militares paquistaneses, grupos como a rede Haqqani seriam aliados importantes contra a presença da Índia no Afeganistão. De outro lado, a influência de inimigos mais poderosos e articulados do que os semianalfabetos taleban no Afeganistão lança dúvidas sobre a capacidade dos afegãos de assumir a segurança no país após a saída das tropas. / COM AP e NYT
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